Valor: planos do BB chegaram a contemplar aquisição do Unibanco

Valor Econômico
Vanessa Adachi, de São Paulo

Enquanto negociava a compra da Nossa Caixa, o Banco do Brasil cobiçou dar passos muito maiores para consolidar o setor bancário, algo que lhe daria uma vantagem quase intransponível em relação a Bradesco, Itaú e Santander – este último chegou ao primeiro time da banca privada ao incorporar o Real. No pior momento da crise financeira, em outubro, cogitou-se dentro do governo que o BB fizesse uma ofensiva para tentar adquirir o Unibanco.

Alguns movimentos em Brasília foram feitos nesse sentido, mas o BB não chegou a dar um passo concreto. Executivos do Unibanco asseguram que jamais foram procurados pelo Banco do Brasil com qualquer tipo de proposta ou mesmo sondagem. O Banco do Brasil nega ter tentado comprar o Unibanco.

A idéia circulava por setores do Ministério da Fazenda que defendem uma presença mais expressiva do Estado no sistema financeiro nacional, uma idéia que ganhou força no mundo todo à medida que, com a crise, os governos foram levados a intervir para apoiar seus sistemas financeiros, assumindo ou comprando participações em bancos.

Negociada sob um sigilo absoluto, a fusão das operações do Itaú e do Unibanco pegou a todos de surpresa, inclusive o governo. Caso o BB tivesse manifestado seu interesse ao Unibanco, enquanto as negociações com o Itaú aconteciam, o banqueiro Pedro Moreira Salles, controlador do Unibanco, provavelmente se veria em incômoda posição.

No calor da crise financeira, enquanto eclodiam os prejuízos bilionários de algumas grandes companhias brasileiras com derivativos de dólares, os bancos brasileiros se tornaram alvo de intensa e persistente boataria. Itaú e Unibanco foram os mais atingidos por toda sorte de comentários infundados, o que os levou a antecipar a divulgação dos resultados do terceiro trimestre para acalmar os ânimos e também liberá-los para anunciar recompra de suas ações. Tanto Itaú quanto Unibanco informaram o tamanho de suas exposições a contratos de derivativos de câmbio fechados com clientes, demonstrando que não eram muito significativas.

No caso do Unibanco, uma das origens da boataria era a sua expressiva posição vendida em dólar na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). O banco, que tinha 4% das posições vendidas deste contrato na bolsa antes da crise, viu sua fatia subir 20% e chegar a 5% no pior momento. O Unibanco teve que recolher grandes margens na BM&F.

Os agentes do mercado financeiro olhavam esses números, mas só enxergavam metade da história. Especulava-se que na outra ponta das posições vendidas na BM&F estavam contratos de derivativos de câmbio fechados com clientes e que, portanto, o problema do banco com inadimplência poderia ser grande. Mas, como o Unibanco informou mais tarde, sua exposição a esse risco era muito limitada. Apenas 33 grandes empresas, todas exportadoras, haviam contratado esse tipo de produto com o banco. Se todos os contratos fossem liquidados em 23 de outubro, o banco teria a receber dessas empresas R$ 1 bilhão. O risco cambial dos contratos havia sido anulado com hedge na BM&F, e o risco de crédito representava menos de 0,5% dos ativos do banco.

Boa parte da posição vendida em dólares assumida pelo Unibanco na BM&F era o hedge cambial de seu capital no exterior. O Unibanco tem um patrimônio no exterior bem superior à média dos bancos brasileiros e o risco de variação cambial desse patrimônio sempre exigiu cuidados.

Parte do hedge é feita com a emissão de títulos de dívida em moeda estrangeira (eurobônus), o que ajuda a casar o passivo com o ativo. Mas outra parte da proteção cambial desse capital no exterior era feita na BM&F. Com um detalhe importante: por questões fiscais, o banco faz um hedge 50% superior ao tamanho de seu capital no exterior. O hedge tem o que é chamado, no jargão dos tributaristas, uma “ineficiência fiscal”. A empresa ou banco que faz o hedge paga imposto sobre o ganho, mas não consegue nenhuma dedução na ponta perdedora. A estratégia de fazer um hedge 50% superior à exposição em dólar tem justamente o objetivo de gerar um ganho que cubra também o imposto a pagar. No entanto, quando o dólar inverte a mão e começa a subir, a conta desequilibra.

O que os agentes do mercado não viam, portanto, é que boa parte dos dólares vendidos pelo banco na BM&F estavam “casados” com seu patrimônio no exterior. Enquanto os boatos prosperavam, não só o Unibanco tinha pequena exposição a derivativos de dólar com seus clientes como, ironicamente, a tesouraria do banco, sob o comando de Daniel Gleizer, vivia em outubro um dos melhores meses do ano.

Ao monitorar as condições do mercado em meio à crise, o governo recebeu informações da BM&F. Os dados sobre o Unibanco, dentro dessa visão incompleta do mercado, podem até ter alimentado no BB a idéia de que poderia haver uma oportunidade para ofensiva sobre o Unibanco.

Os banqueiros Roberto Setubal, do Itaú, e Pedro Moreira Salles, do Unibanco, conversavam desde agosto do ano passado a respeito de uma possível associação. Se essas tratativas vazassem, neste ambiente de crise financeira, elas poderiam ser um alimentador dos boatos sobre inadimplência nesses bancos. Foi por essa razão que a operação que uniu o Unibanco ao Itaú acelerou-se. Anunciada em 3 de novembro, enterrou qualquer pretensão do Banco do Brasil e de outras instituições do mercado em relação ao Unibanco.

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