Valor Econômico
Por Célia de Gouvêa Franco*
O que os governos dos países mais duramente afetados pela crise financeira devem fazer com os bancos? Nacionalizar todo o sistema? Estatizar imediatamente os bancos que estão às vias de quebrar? Ou deixar as instituições mal administradas irem à lona porque o custo de intervir seria muito alto para os contribuintes e tiraria dinheiro de prioridades como fazer as economias voltar a se expandir? Ou ainda optar por continuar a fazer o que estão fazendo: injetar dinheiro nos bancos e adicionalmente aumentar a regulamentação.
À parte a questão do emprego (ou, mais apropriadamente, do desemprego), dificilmente haverá tema econômico que atraia no momento mais atenção internacional do que o futuro do sistema bancário e como tirá-lo do emaranhado de problemas que travam a concessão de crédito, com graves implicações para o crescimento dos países. Está claro que a primeira rodada de ajuda governamental aos bancos, anunciada depois de setembro, não foi e não é suficiente para salvar os bancos e resgatar as empresas que dependem de empréstimos para o dia-a-dia dos seus negócios e para investir. Sem uma solução para os bancos, aumenta exponencialmente o risco de uma depressão.
Políticos, economistas, empresários, bancários e banqueiros querem dar sua opinião, defender e criticar o aumento da participação do Estado no setor financeiro, propor alternativas ao controle estatal ou apoiar sua ampliação. Neste ponto, gostaria de abrir um parênteses para uma observação pessoal – passados quatro meses desde a eclosão da fase mais aguda desta crise financeira brutal, continuo surpresa com a rapidez com que a discussão sobre o papel do governo na economia voltou ao centro dos fóruns e embates depois de décadas em que o assunto era considerada carta totalmente fora do baralho do debate econômico. Por ora, o foco é a estatização de bancos, mas há quem creia que existe espaço para uma ampliação do debate para outros segmentos.
Uma simples consulta a sites de discussão acadêmica e a blogs de prestigiados comentaristas das principais publicações econômicas do mundo mostra a importância do tema hoje e a polêmica que provoca entre economistas dos mais variados matizes e dos dois lados do Atlântico.
Abrigado sob o guarda-chuva do “Financial Times”, Willem Buiter, professor da London School of Economics e ex-economista-chefe do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, dedica seus dois artigos desta semana a analisar a possibilidade do governo de Sua Majestade a Rainha Elizabeth II encampar os bancos do Reino Unido. Os títulos dos dois comentários (encontráveis em http://blogs.ft.com/maverecon/) não poderiam ser mais claros: “Tempo para que os bancos passem ao controle público total” e “O governo britânico consegue impedir que o sistema bancário do país suma pelo esgoto sem arriscar uma crise da dívida soberana?”
Especialista em instituições financeiras, com formação em Cambridge e Yale, Buiter não mede palavras ao prever que no espaço de um ano todos os principais bancos de varejo inglês, incluindo os mais conhecidos dos brasileiros, como o HSBC e o Barclays, acabarão sob controle (temporário) do setor público, uma profecia que pareceria uma alucinação desvairada poucos meses atrás. E mais: na sua opinião, esses bancos hoje atuam como zumbis – têm capital suficiente para se manter, mas pouco fazem do que se espera que bancos façam, empréstimos. É compreensível que eles se mantenham retraídos quanto à concessão de crédito em épocas de crise, mas predominaria um comando ainda mais severo do que a simples cautela, em parte porque a expectativa de entrada do governo em bancos, como acionista minoritário, estaria aumentando o medo da insolvência.
Bancos que têm o governo como sócio querem se livrar dele o mais rapidamente possível e buscarão operações c om o menor risco possível.
Nesse cenário, Buiter defende que o governo britânico assuma integralmente todos os bancos – e a partir daí ele explica, em um dos seus artigos, toda uma proposta detalhada sobre o qua aconteceria com o sistema bancário do Reino Unido, incluindo a sugestão de que sejam demitidos os altos executivos e membros dos conselhos, sem a concessão de benesses. O grau de detalhamento do seu plano mostra como o debate sobre a estatização dos bancos avançou de forma acelerada nas últimas semanas.
Essa mesma sensação de que está se aproximando o dia em que haverá consenso sobre a nacionalização do sistema bancário permeia um artigo do economista Luigi Zingales, professor da Universidade de Chicago, intitulado “Sim, nós podemos, Mr. Geithner” (em uma referência tanto ao mote da campanha à presidência de Barack Obama, quanto ao seu secretário de Tesouro, Tim Geithner. (http://www.voxeu.org/index.php?q=node/2807). De formação muito diferente da de Buiter, Zingales propõe medidas para o governo americano muito semelhantes ao plano apresentado por Buiter para o Banco da Inglaterra.
Curiosamente, Zingales começa o tópico específico sobre o sistema financeiro com um alerta: Geither deveria lembrar que o que é melhor para os bancos não é necessariamente o que é melhor para os Estados Unidos.
Bancos bem capitalizados são um ingrediente essencial para o país, diz Zingales, e resolver a crise do setor é essencial e urgente. Mas a melhor solução não seria simplesmente colocar mais dinheiro nos bancos. Por causa do custo elevadíssimo para os contribuintes e também porque seria a semente para uma nova crise. Para ele, a atual crise nasceu com a solução dada pela seção de Nova York do Fed (o banco central dos EUA) no caso do Long Term Capital Management há dez anos. De acordo com ele, até agora, todo o dinheiro aplicado por Washington no sistema bancário não minorou o problema do setor produtivo – as empresas continuam com dificuldades para levantar financiamentos.
*Célia de Gouvêa Franco é secretária de redação do Valor Econômico.