Valor Econômico
Mauro Zanatta, de Brasília
O Banco do Brasil negocia com o governo uma ampla alteração nas regras do sistema de crédito rural, instituído em 1965. Maior financiadora do setor, a instituição propôs aos formuladores da política agrícola uma “reengenharia” do sistema para ampliar as garantias de preços, indenizar as perdas climáticas e assumir riscos e custos de crédito do produtor.
Em documento inédito, já em discussão com as principais autoridades do governo e lideranças do setor, o BB defende uma mudança radical na relação com o setor rural ao propor o estabelecimento de taxas de juros pelo risco da operação, a criação de um Plano de Safra plurianual com bandas de intervenção oficial no mercado e políticas diferenciadas de acordo com o perfil de produtor, segmento e cadeias produtivas.
Nada disso ainda existe. A proposta do BB inclui, ainda, o fim das prorrogações das dívidas rurais – que geram tensões políticas com a bancada ruralista no Congresso – e o polêmico compartilhamento de riscos entre bancos e o Tesouro Nacional a partir do histórico do produtor, que tem resistência da equipe econômica do governo federal.
O BB também propõe a compulsoriedade da adesão ao seguro rural, proteção de preços (hedge), o uso de fundos garantidores e de catástrofe. Nesse caso, o próprio já avançou ao vincular o crédito de custeio à contratação de seguro e, em alguns casos específicos, de “hedge”. O projeto de lei do fundo de catástrofe está parado no Congresso desde junho.
“O Banco do Brasil não formula política, mas é o principal financiador do setor, sentimos a necessidade. Por isso, essa proposta para discussão, que ainda precisa de amplo debate com segmentos e cadeias do setor”, diz o vice-presidente de Agronegócios do BB, Luis Carlos Guedes Pinto. “O atual sistema está esgotado. As fontes de recursos são insuficientes. Temos que ampliar e diversificar porque há extrema concentração no Banco do Brasil, o que não é bom”.
Ex-ministro da Agricultura (2005-2007), Guedes afirma que o “crédito não atrai porque a agricultura depende de clima, biologia, e não se ajusta porque trabalha com produto perecível, que tem milhões de ofertantes e poucos fornecedores”. O executivo afirma que o setor é “de maior risco” em razão da grande instabilidade de preços. “O crédito não é atraente. Precisamos dar mais segurança e estabilidade de renda ao produtor”.
Dono de uma carteira de dois milhões de contratos, o banco também defende a concessão de empréstimos rotativos e renováveis para o conjunto de empreendimentos de cada propriedade. Hoje, o produtor tem que fazer contratos individuais para financiar, por exemplo, a lavoura de soja, milho, algodão, trigo, pecuária. Esse ponto tem amplo apoio dos produtores rurais, mas enfrenta entraves burocráticos.
Em sua ampla proposição, o BB prega a subvenção para a produção e os preços rurais. E dá um exemplo em uma simulação: para “proteger” toda a safra de soja e milho (118 milhões de toneladas), com um subsídio de 50% do prêmio, o governo gastaria R$ 864 milhões em seguro rural e R$ 460 milhões em hedge de preços. Ou seja, com R$ 1,324 bilhão seria possível proteger R$ 38 bilhões em produção.
Para efeitos de comparação, basta lembrar que o Tesouro torrou, em 2007, R$ 3,26 bilhões com subsídios diretos ao setor, segundo o Tesouro. Se agregados os gastos com aquisições diretas e contratos de opção, o saldo sobe a R$ 3,82 bilhões. Nos últimos três anos, a atual política do governo resultou num gasto de R$ 10,6 bilhões em subsídios à comercialização, equalização de juros e seguro obrigatório (Proagro).
Isso sem contar o custo da renegociação das dívidas. No período entre 2000 e 2006, foram dispendidos outros R$ 10,1 bilhões para rolar essas dívidas. “O governo podia gastar de maneira mais inteligente e racional. Precisa se antecipar e assegurar subsídios ao seguro e ‘hedge’. Com menos dinheiro, poderia dar garantia de renda e superar as renegociações”, afirma Guedes. “Não tem mais sentido prorrogação todo ano. Se não reformular, vai haver isso todo ano e o governo acaba gastando mais que o necessário”.
As premissas do Banco do Brasil para propor uma ampla reformulação estão amparadas no recente desempenho do setor. Desde 2002, os produtores “perderam” 31 milhões de toneladas – essa foi a diferença entre a projeção inicial da safra de grãos e o volume efetivamente colhido. Essa receita evaporou.
Além disso, o setor tem sofrido com a progressiva e acelerada mudança nas fontes de recursos para financiamento, que passaram de públicas para de mercado, além de ter visto o risco das operações passar da União para os bancos e a fatia do crédito rural cair para apenas um terço da necessidade ajustada pelo custo de produção. Isso fez o crédito minguar, o custo financeiro explodir e o risco aumentar. A carteira do banco tem sofrido o reflexo dessas dificuldades com a elevação das provisões para créditos duvidosos.
Mesmo com a crise financeira, o banco avalia que os produtores terão, pela primeira vez em muitos anos, um câmbio favorável na venda da safra. Na projeção do BB, a cotação do dólar na época da comercialização deve ser 30% maior que o câmbio no plantio. O problema continua a ser o crédito.
“O crédito disponível, mesmo aumentando as exigibilidades, representa 25% a 30% da demanda dos produtores”, diz Guedes. “E não corresponde à realidade dizer que os juros saem a 6,75%”. Na estimativa do BB, o produtor paga entre 15,4% (Sul do país) e 21% (Centro-Oeste) de juro no crédito. “Essa é a taxa real. Talvez fosse melhor taxas maiores, mas com maior volume de recursos oportunos, o que tornaria crédito mais atraente”.