Valor Econômico: o Supremo, os bancos e o Plano Verão

Valor Econômico
Por Vida Serrano Júnior e Winston Neil*

A imprensa tem noticiado a intenção das instituições financeiras de pedirem ao Supremo Tribunal Federal (STF) que impeça os poupadores que sofreram as perdas do Plano Verão de receberem os valores que lhes são devidos há quase 20 anos. Com receio do abalo à imagem que tal atitude representaria, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) preferia que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinasse a ação judicial – uma argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Mas as notícias indicam que o presidente da República também não parece disposto a assumir tal ônus – que seria inesquecível para os cidadãos (e eleitores) – assinando a ADPF, apesar de autoridades do governo já terem publicamente manifestado apoio à tese dos bancos. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já se reuniu com o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo, para expressar sua preocupação quanto ao impacto que o pagamento das perdas aos poupadores causaria aos bancos – valores de até R$ 120 bilhões em um cenário crítico de crise internacional. É bom lembrar que o setor, em 2007, faturou quase R$ 56 bilhões apenas com tarifas.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) tem a plena convicção de que o Supremo afastará a pretensão das instituições financeiras, reafirmando e prestigiando o entendimento unânime do Poder Judiciário – inclusive do próprio Supremo -, consolidado em duas décadas, a favor dos consumidores. Ao longo desse período, restou inquestionável que a LFT, índice determinado pela legislação que instituiu o Plano Verão, deveria incidir a partir do momento da publicação da lei, ou seja, para os contratos de poupança renovados a partir de 16 de janeiro de 1989. Com isso, as cadernetas dos poupadores que tinham conta com aniversário de 1º a 15 de janeiro, deveriam receber em fevereiro o IPC já apurado no mês anterior, ou seja, 42,72%. Os poupadores pedem na Justiça o percentual de 20,46%, não creditado à época, que representa a diferença entre o IPC (42,72%) e a LFT (22,26%).

O grande receio do Idec é que o Supremo, sensível como todo o planeta está à crise financeira, conceda uma liminar suspendendo o curso de todas as ações judiciais que tramitam pelo país para reaver os recursos dos poupadores prejudicados. O número que tem sido divulgado como equivalente ao total das perdas estimadas chega a R$ 120 bilhões. Mas o certo é que essa cifra não pode ser usada para aterrorizar o Judiciário, já que não corresponde à realidade, por estar superestimada. Isso porque essa estimativa se refere às cadernetas de poupança existentes nos períodos de vários planos econômicos. Além disso, se pressupõe que todos os poupadores foram ou irão à Justiça, quando, na verdade – e lamentavelmente – é uma minoria de pessoas que se socorre do Judiciário para fazer valer seu direito, algo em torno de 10% apenas.

Portanto, é preciso tomar cuidado com cifras. Qualquer que seja o número, no entanto, é preciso esclarecer que as vitórias judiciais acontecerão pouco a pouco, no decorrer dos próximos 15 anos, aproximadamente, pois existem ações judiciais que tramitam há anos e outras que estão ainda sendo ajuizadas. Isso indica que as instituições financeiras não serão chamadas a pagar a todos os poupadores que recorrem à Justiça de uma só vez. Isso ocorrerá paulatinamente, o que torna evidente que não representará nenhum abalo aos bancos. E os lucros dos bancos não devem ser esquecidos para demonstrar a solidez das instituições financeiras do país. Só o Bradesco teve um lucro líquido de mais de R$ 8 bilhões em 2007, e o Itaú lucrou quase R$ 8,5 bilhões no mesmo ano.

Nem mesmo as ações civis públicas ajuizadas pelo Idec e pela defensoria pública, entre outras, poderiam ser utilizadas indevidamente pelos bancos para tentar sensibilizar o Poder Judiciário. Como é sabido, as decisões proferidas nas ações civis públicas são títulos a serem executados. Para isso, cada poupador interessado precisa demonstrar o quanto tinha no período e iniciar a fase de discussão dos cálculos, que, como não poderia deixar de ser, é um processo individualizado. Portanto, também os pagamentos decorrentes das decisões dadas em ações coletivas são feitos pouco a pouco.

Por fim, o contexto de crise econômica não pode ser usado como argumento para negar às pessoas os seus direitos. Isso seria solapar a base de nosso sistema democrático e legal, deixando as instituições brasileiras sujeitas à manipulação do pânico de plantão. O contexto deve ser encarado apenas como uma parte da equação a ser considerada para definir a forma com que os direitos serão colocados em prática. A impressão que fica é a de que a iniciativa dos bancos busca uma carona deselegante na crise financeira. Se o governo Lula parece um pouco sensibilizado, o Idec espera que o Supremo não se impressione com tão pouco. Uma liminar significaria um atraso de anos, talvez muitos, para quem teve seu dinheiro tomado já há 20 anos. Sabiamente, afirmava Rui Barbosa que “justiça tardia não é justiça, senão injustiça manifesta”.

*Vida Serrano Júnior e Winston Neil são, respectivamente, promotor de Justiça e presidente do conselho diretor do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec); e presidente da comissão de defesa do consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon)

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