Valor: bancos médios reduzem oferta de crédito para reforçar o caixa

Valor Econômico
Maria Christina Carvalho, de São Paulo

A crise financeira internacional, detonada pela quebra do Lehman Brothers em 15 de setembro, pegou apenas a última quinzena do balanço do terceiro trimestre dos bancos brasileiros mas foi suficiente para deixar marcas, que ainda agora não foram apagadas.

“A rentabilidade média caiu e os depósitos encolheram”, notou o presidente da Austin Rating, Erivelto Rodrigues.

O pior, acrescentou, aconteceu depois, ao longo de outubro e novembro, obrigando os bancos, especialmente os médios e pequenos, a vigorosas correções de rota. “Os bancos pequenos e médios estão voltando ao tamanho que possuíam três anos atrás, reduzindo as carteiras de crédito para fazer liquidez suficiente para enfrentar os saques dos clientes”.

Em alguns casos, os bancos dobraram o caixa normalmente existente. BicBanco, Cruzeiro do Sul, Daycoval e Fibra ampliaram o caixa livre para R$ 1 bilhão ou mais. Esse movimento de proteção foi feito às custas da redução da oferta de crédito e de uma provável redução do lucro, apesar de o spread ter subido.

Uma amostra de 18 bancos que já divulgaram o balanço analisada pela Austin Ratings registra a queda de 4,5% do lucro líquido do terceiro trimestre deste ano em comparação com igual período de 2007. Nos bancos médios, a queda foi maior, de 6,4%; enquanto nos grandes foi de 4,4%.

Os resultados esfuziantes do primeiro semestre ainda garantem, porém, o crescimento médio de 7,4% do lucro líquido dos bancos nos nove primeiros meses do ano em comparação com igual período de 2007. A rentabilidade média dos 18 bancos caiu de 23,6% para 22,2%.

O crédito dá sinais de desaceleração, embora ainda exiba números vigorosos, com um crescimento médio de 36,5% sobre setembro de 2007, puxado pela expansão de 51,1% nos bancos médios. Mas os depósitos já não acompanham essa curva: em relação a setembro de 2007, cresceram 35,7% nos bancos médios e 42,3% nos grandes.

Rodrigues afirma que os números do quarto trimestre podem ser piores pela intensificação do movimento de saque das aplicações nos bancos médios e pequenas para transferência dos recursos para os grandes, levando os administradores a conter as concessões de crédito e reduzir as rolagens de crédito para fazer caixa e atender os resgates pedidos.

Em alguns casos, está sendo necessário até reduzir a estrutura e cortar pessoal. Rodrigues estima que o ajuste vai levar ainda cerca de um ano. Para piorar o cenário, há a previsão de aumento da inadimplência no próximo ano, com a desaceleração da economia e seus reflexos no emprego e renda.

Os bancos médios inicialmente mais afetados foram os especializados em linhas de crédito mais longas como o consignado e o financiamento de veículos. Já os voltados para o crédito para empresas médias, conseguiram fazer liquidez mais rapidamente porque as operações vencem em 60 a 90 dias, bastando não renová-las ou renová-las parcialmente para ter caixa.

Os bancos de consignado ganharam fôlego à medida que começou a funcionar o mecanismo da compra de carteira de crédito com recursos dos compulsórios, desenhado pelo Banco Central (BC) para induzir os grandes bancos a fazer a liquidez circular.

Construir um “colchão de liquidez” foi o principal objetivo do Banco Cruzeiro do Sul depois do estouro da bolha do subprime. A produção de consignado somou R$ 619,4 milhões no terceiro trimestre, 35% a menos do que no segundo trimestre e 28,5% a menos do que em igual período de 2007.

Outra estratégia foi “vender” operações de crédito. A cessão total bateu em R$ 1,4 bilhão no período. O banco anunciou que em outubro fechou parceria para ceder mais R$ 900 milhões em 2009 e negocia outros acordos, informou o superintendente de relações com investidores, Fauto Vaz Guimarães Neto, em teleconferência com analistas.

Além disso, o banco buscou casar ativos e passivos, reavaliou os contratos de consignado para privilegiar os de maior spread, reduziu a estrutura e ainda procurou renegociar comissões pagas aos correspondentes bancários. A comissão média, por exemplo, caiu de 10,1% há um ano para 6,5%. Foram demitidas, em outubro, 173 pessoas.

Com esse “realinhamento operacional”, o Banco Cruzeiro do Sul conseguiu montar um caixa de R$ 1,2 bilhão.

O lucro líquido do Cruzeiro do Sul foi de R$ 27,7 milhões no terceiro trimestre, 57,3% a menos do que em igual período de 2007. O ganho recorrente foi de R$ 36,7 milhões, com queda de 43,5%. A carteira de crédito fechou o período em R$ 4 bilhões, expansão de 43% em 12 meses. Deste total, R$ 3,4 bilhões são de empréstimos com desconto em folha.

A queda do lucro no trimestre é explicada pela marcação a mercado dos títulos de renda fixa e prejuízos em operações com derivativos. Essas últimas renderam perdas de R$ 17,8 milhões vindas de operações de “swap” com ações feitas pelo banco com o UBS em abril. Os depósitos a prazo somaram R$ 2,1 bilhões, um decréscimo 2,6% se comparado ao segundo trimestre. Na comparação anual, porém, os depósitos tiveram aumento de 57,1%.

O Panamericano recorreu às vendas de carteira para melhorar a liquidez. Segundo relatório do banco, “o caixa apresentou uma piora em relação a 30 de junho, basicamente devido a vencimentos de depósitos a prazo concentrados nos últimos dias do mês cujas renovações não ocorreram em função do agravamento da crise de liquidez no mercado financeiro”. Isso levou o caixa – constituído por aplicações compromissadas, interbancário e títulos públicos – a fechar em setembro em R$ 162,168 milhões. Ao final de outubro já havia melhorado, atingindo o montante de R$ 526,8 milhões. Os depósitos a prazo caíram de R$ 2,181 bilhões em setembro para R$ 1,568 bilhão em outubro.

Em outubro, o Panamericano obteve em operações de cessões de créditos para fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) e instituições financeiras R$ 1,2 bilhão, dos quais R$ 850 milhões em vendas de carteiras. As carteiras cedidas são de crédito consignado. As emissões externas, integralmente hedgeadas, representam apenas 8,9% do funding total, revelando a baixa exposição às fontes externas.

Segundo o diretor financeiro e de relações com investidores do banco, Wilson de Aro, o fim do terceiro trimestre já mostrava uma “produção mensal de crédito declinante, quer pela liquidez, quer pela retração do consumo”. O banco, disse, privilegiou os ativos de qualidade e a liquidez. A produção média mensal de novos financiamentos ficou em R$ 827 milhões em novos financiamentos durante o terceiro trimestre, com crescimento de 3% sobre o segundo trimestre e de 30% em doze meses.

Ainda assim, a carteira de crédito total (incluindo as empresas coligadas e considerando as cessões de crédito) chegou a R$ 9,5 bilhões ao final do terceiro trimestre, com expansão de 48% em relação ao mesmo período anterior e de 9,5% em relação ao segundo trimestre. O percentual de operações com atraso acima de 60 dias era de 9,9% da carteira em setembro. Um ano antes era de 8,6%.

Instituição financeira do Grupo Silvio Santos, o Panamericano teve um lucro líquido de R$ 66,6 milhões no terceiro trimestre, acumulando R$ 226,4 milhões em nove meses. O resultado do terceiro trimestre é 25,6% inferior ao do segundo, devido basicamente ao aumento de despesas extraordinárias classificadas como outras despesas operacionais que aumentou de R$ 4,3 milhões no segundo trimestre para R$ 26,6 milhões no terceiro com o aumento das provisões para desvalorização de bens de uso não próprio de R$ 15 milhões, devido ao crescimento sazonal de veículos apreendidos e devolução de valores relativos à taxa de liquidação antecipada de contratos conforme determinação do Banco Central, de R$ 7,6 milhões. Ainda assim, o resultado de nove meses é 43,5% a mais do que no mesmo período de 2007.

A liquidez e o crédito começaram a dar sinais de melhora após outubro e novembro. disse o vice-presidente do BicBanco, Milto Bardini, ao divulgar os resultados do terceiro trimestre. O BicBanco teve um lucro líquido de R$ 103,6 milhões no terceiro trimestre, praticamente igual ao do segundo, acumulando R$ 300,2 milhões em nove meses, 128,3% a mais do que em igual período de 2007.

A carteira de crédito do BicBanco, focada em empresas grandes e médias, fechou setembro em R$ 9,7 bilhões, com crescimento de 6,3% no terceiro trimestre e de 50,8% sobre igual mês de 2007. O total inclui a participação modesta de consignado e crédito pessoal, que caiu pela metade em comparação com a marca de 10% de setembro de 2007.

O banco acredita que vai ganhar mais espaço no mercado de crédito para empresas com a significativa onda de consolidação que está atingindo o topo da pirâmide do mercado financeiro, primeira com a compra do Banco Real pelo Santander, depois com a fusão do Itaú com o Unibanco e, agora, com a compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil. (BB). “Cada vez que há uma consolidação, os limites de crédito são matematicamente destruídos”, disse Bardini explicando que as empresas que são clientes dos dois bancos nunca têm os limites simplesmente somados, mas ficam com menos que esse valor.

Segundo Bardini, a série de medidas tomadas pelo Banco Central (BC) para aliviar o aperto da liquidez e do crédito do mercado financeiro, em consequência da crise internacional, ajudaram a melhorar o cenário. O BicBanco beneficiou-se da liberação de compulsório e dos leilões de linha externa.

O investidor institucional, porém, continua arredio. Apesar disso, o estoque de depósitos a prazo do banco cresceu 6,8% no trimestre e 59,7% em doze meses para R$ 5,6 bilhões no fim de setembro. As captações totais aumentaram 13,7% no trimestre e 59,7% em doze meses para R$ 10,1 bilhões no fim de setembro.

Uma providência do Bic foi aumentar o caixa disponível, que atingiu R$ 1,2 bilhão no fim de setembro, 45% superior ao de um ano antes. O caixa foi engordado com o vencimento de operações. Facilitou a estratégia o fato de quase metade do crédito (43,4%) vencer em até 90 dias; e 37,7% vencem entre 91 e 365 dias.

O descasamento de moedas de uma captação externa e a desaceleração das operações de crédito explicam em boa parte a queda do lucro líquido do Daycoval entre o segundo e o terceiro trimestre. O Daycoval teve um lucro líquido de R$ 47,1 milhões no terceiro trimestre, com queda de 18,4% sobre o segundo trimestre. No acumulado de nove meses, o lucro líquido somou R$ 179,8 milhões, 25% superior ao de igual período de 2007.

O Daycoval teve a margem reduzida por uma exposição a moeda estrangeira que representa menos de 5% da captação total e gerou prejuízo de cerca de R$ 15 milhões no resultado bruto. A margem também foi afetada pelo aumento de provisões.

Além disso, assim como no trimestre anterior, o banco reconheceu o custo de três anos de hedge parcial relativo à última captação externa realizada, com um impacto líquido no resultado de aproximadamente R$ 3 milhões negativos (R$ 4,9 milhões brutos).

A carteira de crédito fechou o trimestre em R$ 4,627 bilhões, com crescimento de 3% sobre o segundo trimestre e 63,7% em doze meses. A estratégia do banco foi reduzir a produção de crédito de varejo – consignado (19% da carteira) e financiamento de veículos (20%) – e aumentar as operações com as empresas médias (61%).

O banco vem mantendo caixa ao redor de R$ 1 bilhão. Os depósitos totais caíram 10,8% entre o segundo e o terceiro trimestre, para R$ 1,981 bilhão, mas o banco tem captações totais de R$ 4 bilhões, incluindo uma emissão de eurobônus de US$ 100 milhões e a colocação de um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC) de veículos de R$ 181 milhões.

Com a liquidez garantida pelas captações externas (US$ 450 milhões desde o início do ano) e pelo encurtamento das operações de crédito, o Banco Fibra considera-se bem preparado para enfrentar as condições atuais do mercado. O banco fechou o balanço de nove meses com lucro líquido de R$ 90,1 milhões, 96% superior ao de igual período de 2007.

A carteira de crédito cresceu 275 em doze meses para R$ 5,3 bilhões no fim de setembro. O banco resolveu usar sua liquidez para lastrear os créditos de produção própria. Por isso, a carteira adquirida diminuiu 30%. O crédito para empresas cresceu 32%. Já a carteira de varejo, focada em crédito direto ao consumidor e consignado, saltou 58%.

Em função do cenário, o Fibra encurtou o prazo de renovação dos créditos de atacado para 30 a 60 dias. Já as operações de varejo têm menos flexibilidade em relação a isso, e estão sendo feitas entre 90 e 120 dias. A inadimplência “comportada” – os atrasos acima de 90 dias representam apenas 0,8% da carteira – é, segundo Brito, motivo de otimismo.

O banco buscou reforçar o caixa, que está sendo mantido acima de R$ 1 bilhão, ou 130% do patrimônio, que fechou setembro em R$ 783 milhões.

O retorno sobre o patrimônio médio ficou em 20,7%. O caixa foi arejado pela liberação de dos depósitos compulsórios promovida pelo Banco Central.

Compartilhe:

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no telegram
Telegram