Trabalhador não consegue se desligar nem no tempo livre, aponta Dieese

O trabalho acadêmico “Tempos de trabalho, tempos de não trabalho”, da cientista social Ana Cláudia Moreira Cardoso, ganhou o prêmio Capes de melhor tese na área de sociologia no ano passado. Ela é supervisora de formação do Dieese e está coordenando a campanha da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais.

A tese foi elaborada a partir de pesquisa realizada entre os trabalhadores na Volks de São Bernardo. “A ideia era ver como o tempo de trabalho influencia o tempo de não trabalho, porque não existe essa separação”, comentou.

Quais suas motivações para fazer a pesquisa?

Uma foi profissional, pois desde 1998, com a medida provisória criando o banco de horas, o Dieese retomou a discussão sobre o tempo e a jornada de trabalho. Outra motivação foi pessoal, pois o tempo é algo que a gente vivencia tanto, mas reflete muito pouco sobre ele. É uma contradição, pois a gente não tem tempo de pensar no tempo, na divisão das 24 horas do dia. Tanto que achamos normal trabalhar 11 anos e folgar só um ano, achamos normal trabalhar doente. O tempo, na verdade, é uma construção da sociedade.

A reorganização produtiva não beneficiou o trabalhador?

O discurso da inovação tecnológica e organizacional era o de liberar o trabalhador do tempo do trabalho. Com menos tempo para produzir, o trabalhador teria mais tempo para viver a vida dele. Mas, não foi isso o que aconteceu e o trabalhador percebeu dois lados ruins para ele. Para quem está empregado, a inovação gerou intensificação do trabalho, um trabalho mais intenso, com ritmo mais acelerado, com menos pausas, com mais horas extras. Por outro lado, aumentou o nível do desemprego.

Como os trabalhadores reagem a isso?

Os trabalhadores da linha reclamam da combinação da polivalência com o banco de horas. Com o banco, o trabalhador é chamado quando a demanda é alta. Se não, em função da multitarefa, é sempre colocado numa função em alta. Ele sempre vai estar no momento e na função em alta, nunca vai ter período de calmaria. Mesmo porque as empresas têm sempre menos trabalhadores que o necessário. Com o just in time, houve uma redução da porosidade do tempo. O trabalhador não precisa esperar nada, está tudo ali, e ele não tem tempo para respirar. Isso numa empresa em que o Sindicato está presente e é super atento. Imagine nas empresas que não tem um Sindicato presente!

E para o trabalhador fora da linha?

Acontece o mesmo. Os trabalhadores na ferramentaria, por exemplo, reclamam que têm de fazer todas as funções do setor. Eles também não param, com a agravante que, com a terceirização, as ferramentas chegam com defeito e eles gastam mais tempo com elas.

E as mulheres?

As mulheres da produção não tinham tempo de ir ao banheiro e começaram a criar o hábito de fazer o mesmo nos finais de semana. Com isso, passaram a ter problemas de saúde. Não é só as trabalhadoras da produção. Uma gerente de banco falou a mesma coisa, que durante o dia não conseguia parar de trabalhar para ir ao banheiro. As secretárias também tiveram o tempo intensificado. Hoje, elas trabalham para quatro ou cinco gerentes e não têm tempo de trabalhar e revisar, pois sempre têm outra coisas a fazer. Nas diferentes áreas existe o processo generalizado de intensificação do trabalho. O capital quer que o trabalhador seja produtivo nas 40 horas semanais, na jornada inteira.

Quais as consequências da intensificação do trabalho?

Ela acarreta várias coisas. Primeiro, um processo de adoecimento como gastrite, insônia, pressão alta, depressão. Doenças difíceis de serem consideradas do trabalho. E quando o trabalhador sai da fábrica ele continua a pensar no trabalho por medo de perder o emprego. Fica pensando o que pode fazer para melhorar o desempenho dele. Por isso mesmo, no seu tempo livre, ele vai se qualificar. São trabalhadores com 42, 45 anos que voltam à faculdade. A dificuldade é grande, ele tem família, tem filhos. Na verdade, ele corre atrás do título e não do conhecimento como condições de subir na carreira.

E nas férias?

A maioria não consegue tirar férias no tempo em que querem. Cada vez mais o trabalhador tem dificuldade de tirar o tempo livre para ficar com a família.

Como é a jornada brasileira?

No Brasil, temos uma das maiores jornadas do mundo, e é aqui que se pode fazer o maior número de horas extras. Além disso, o trabalhador gasta um tempo absurdo no transporte e ainda precisa estudar.

E quando o trabalhador se aposenta?

Os aposentados não sabem o que fazer com o tempo livre, pois eles passaram a vida toda sem isso. Eles ficam perdidos. É uma coisa estranha, pois não tiveram o hábito do tempo livre. Alguns voltam a trabalhar, as vezes menos pelo dinheiro mas para ter algo para fazer. Muitos, na aposentadoria, estão super doentes, com a coluna destruída, com problemas cardíacos.

A maioria dos que trabalham diz que seu projeto é se aposentar, mas para daqui a 10, 15 anos. Na verdade, eles não têm projeto de futuro.

O tempo de trabalho, quando é muito grande, toma o tempo todo que o trabalhador não consegue pensar coisa diferente. Ele não tem a perspectiva de fazer algo diferente. Não sabe o que fazer.

E a redução da jornada para 40 horas?

A campanha pela redução da jornada será eterna. As inovações tecnológicas e organizacionais vão continuar e cada vez mais vamos precisar de menos trabalhadores para produzir mais com menos tempo. O que fazer com os desempregados? Mandar para o campo de concentração? A redução da jornada tem de continuar. De acordo com Márcio Pochmann, se todos os trabalhadores ativos do mundo trabalhassem, a jornada seria de três horas diárias. Afinal, ele tem de se apropriar da riqueza que produz.

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