A terceirização no setor público pode ser considerada uma prática contrária ao direito à sindicalização, avaliou na quinta-feira (9) o juiz do Trabalho e presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Renato Henry Sant’Anna, no seminário A Democratização do Estado e a Participação dos Atores Sociais.
O encontro discute a regulamentação da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada em março deste ano, que trata sobre direito de sindicalização e relações de trabalho na administração pública. Atualmente, o tratado é válido por estabelecer princípios, mas não há lei que regulamente, de fato, os direitos relacionados à sindicalização dos servidores públicos brasileiros.
“A terceirização quebra a espinha do sindicato do trabalhador, na medida em que coloca no ambiente de trabalho vários empregadores e acaba por esfacelar a unidade que poderia unir os trabalhadores no sindicato”, explicou o juiz.
Segundo ele, a contratação de funcionário por meio de serviços terceirizados é uma forma de enfraquecer o movimento sindical, considerando que os empregados estão vinculados legalmente, a diferentes patrões, o que acaba dificultando a unidade dos trabalhadores e, consequentemente, a obtenção de vantagens que o movimento organizado poderia oferecer.
Para o magistrado, essa certa obstrução da liberdade sindical – isto é, uma prática antissindical -, contraria a própria premissa do movimento, que é a melhoria da condição social do trabalhador.
“Estão criando uma massa de trabalhadores que não terão forma de se sindicalizar de forma efetiva”, disse o juiz. No início deste mês, em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Carlos Alberto Reis de Paula, manifestou sua preocupação em relação ao serviço terceirizado e defendeu a atualização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de forma a incluir esse tipo de atividade.
Para o especialista em Liberdade Sindical do departamento de Normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Horacio Guido, não há porque um contrato terceirizado ser excluído da proteção ofertada pelos sindicatos. Guido defendeu a elaboração de medidas que protejam especificamente esses trabalhadores.
No seminário, o vice-coordenador Nacional de Promoção da Liberdade Sindical, Carlos Augusto Solar, observou que, apesar das atuais discussões sobre a regulamentação da Convenção 151 da OIT, as normas contidas no documento estão em vigor no Brasil – elas podem ser evocadas e fundamentar decisões judiciais. “Há de se reconhecer que a maior definição das normas no plano interno confere mais efetividade à vedação das condutas antissindicais”, explicou Solar.
O representante da coordenadoria, no entanto, chamou a atenção para práticas, no âmbito dos próprios sindicatos, que podem ser consideradas antissindicais – como a discriminação de trabalhadores por não serem sindicalizados, a sindicalização como condição para intermediar posto de emprego, a cobrança de pagamento de joias para filiação, a imposição da associação, entre outras práticas.
“O convencimento é desejado, mas que se faça de forma livre, sem coação ou ameaça de menos direitos, caso contrário perde-se o caráter de espontaneidade”, disse Solar.
Para Joílson Cardoso, da Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB), o debate das práticas antissindicais ainda carece de diálogo social. Um exemplo disso, segundo ele, foram os resultados “melancólicos” da 1ª Conferência sobre Trabalho Decente, em agosto do ano passado.
Representantes de outras centrais sindicais reclamaram da falta de transparência do Ministério do Trabalho em escolher a representação dos trabalhadores para participar do seminário. A União Geral dos Trabalhadores (UGT) pediu, anteriormente ao evento, que todas as centrais tivessem direito a um representante, o que não ocorreu. Depois da reclamação, o ministério incluiu, na agenda desta sexta-feira (10), a ampliação dessa participação e a manifestação de mais centrais.
Uma das reclamações dos trabalhadores sobre práticas antissindicais foi o uso do interdito proibitório para impedir manifestações. O interdito é uma medida prevista no Código de Processo Civil que prevê uma espécie de mandado de segurança para afastar os manifestantes do local, com o argumento de evitar prejuízos financeiros.
O secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho, Manoel Messias Melo, reconheceu o uso da medida judicial e que o Brasil ainda tem uma agenda inconclusa sobre a sindicalização de servidores públicos.
“O uso do interdito é feito para impedir piquete em greve. O instrumento é usado em negociação coletiva não para proteger a propriedade, mas para impedir o piquete. O motivo real é esse. Ainda não temos uma agenda de trabalho da organização sindical no Brasil que permita o exercício completo dessa ação. Não conseguimos estabelecer a organização sindical no local do trabalho, por exemplo, somente da porta para fora”, disse Messias.
Já o representante do setor patronal, Sylvia Lorena de Sousa, advogada da Confederação Nacional da Indústria (CNI), disse que estratégias em comum – entre empregadores e trabalhadores – têm maior probabilidade de êxito. Para o setor, o caminho para banir as práticas antissindicais é a confiança mútua, com o respeito do direito à organização, mas também a outras garantias previstas na Constituição – como à dignidade, à manutenção dos serviços essenciais, ao direito à propriedade, entre outros.