Para teólogo e escritor, “matar a fome da população é dever do Estado”
“Estou muito feliz por estar aqui e perceber o entusiasmo de vocês para pensarmos juntos a conjuntura de nosso país”. Assim o professor, escritor e teólogo Leonardo Boff iniciou sua fala para uma plateia de centenas de pessoas na noite da última quinta-feira (25), na sede do Sindicato dos Bancários do Ceará, em Fortaleza.
O catarinense de 76 anos foi aplaudido de pé antes mesmo de começar o debate, que reuniu profissionais de diversas áreas, estudantes, sindicalistas e representantes de entidades de classe.
O doutor em Teologia e Filosofia – e um dos iniciadores da Teologia da Libertação – veio ao Ceará através de uma parceria da CUT-CE e diversos sindicatos. Para Boff, o mundo vive hoje uma “intensidade de crises” e parte do equilíbrio do planeta, inclusive o ambiental, passa pelo Brasil.
Na palestra “Reflexões sobre o Brasil: Diálogos com Leonardo Boff”, o intelectual mostrou-se preocupado também com os esclarecimentos que a população precisa receber principalmente durante o período eleitoral. “O cidadão deve ser crítico e pensar o que está por trás de cada projeto dos candidatos”, alertou.
No contexto das eleições, ele disse achar “lamentável” que não entre nesse discurso o Brasil que se quer para o futuro. “Sem querer tomar partido, tivemos uma revolução democrática no País a partir de 2003”, disse.
“Temos que qualificar o poder. Matar a fome da população não é assistencialismo. É dever do Estado. Já somos mais de 200 milhões de brasileiros e devemos saber escolher bem nosso representante. O Brasil é muito importante para o mundo”, justificou o pensador.
Três crises
Conhecido pela militância em defesa das causas sociais e ambientais e aos direitos humanos, Leonardo Boff apontou ainda para três crises atuais que ele considera “terríveis”: o que ele define como “máquina da morte” (armas químicas, biológicas e nucleares); aquecimento global da Terra; e a crise econômica e financeira que estourou em 2008 na Europa e nos EUA, “criando-se um problema na sociedade nunca antes visto na história”.
Boff reforçou a ideia de que entrava no debate para “angustiar” a plateia: “A angústia nos move para a ação e nos coloca no caminho de soluções. Temos de pensar no mundo que deixaremos para nossos filhos e nossos netos”.
Sustentabilidade
Ele defendeu que o homem foi criado para cuidar da sustentabilidade do planeta. “Somos guardiões da Terra, devemos cuidar das plantas, respeitar todos os seres: todos tem valor em sim mesmo. Nós não devemos ter mais a economia da acumulação, temos que pensar em todos. O consumo tem que ser responsável. Temos que reduzir o consumo, reutilizar o que usamos e reciclar, bem como rejeitar toda propaganda que leva ao consumismo extremo”.
O escritor falou ainda sobre a visão social de governo que se tornou parte do País nos últimos anos e da importância de se manter esse viés. “É preciso manter a sociedade como eixo central do governo, não o capitalismo selvagem, não o consumismo, não a disputa de poder, mas sim, o ser humano”, finalizou.
Os sindicalistas e o pensador
“Além de uma alegria, é um grande privilégio ter conosco Leonardo Boff porque fazer reflexões sobre o Brasil faz parte do nosso cotidiano”, disse a presidenta da CUT-CE, Joana Almeida, durante a abertura do evento.
Para ela, a entidade não poderia perder a oportunidade de ter aliada a ela “um grande pensador, debatedor e filósofo respeitado”, ainda mais no momento atual, com a iminência de decisões no campo eleitoral. “O Ceará é um estado muito importante para a sociedade brasileira. Penso que sairemos daqui com muitas ideias”, avaliou.
Nilson Fernandes, diretor de Formação Sindical do Sindicato dos Fazendários do Ceará (Sintaf-CE) e que vem acompanhando Boff há quase uma semana na visita ao Ceará, classificou-o como “o maior pensador brasileiro” e “um homem de muita coragem”.
Em concordância aos colegas sindicalistas, o presidente do Sindicato dos Bancários, Carlos Eduardo Bezerra, reforçou a importância do debate e o diálogo entre o professor e as entidades de classe e entidades representativas de trabalhadores.
“Leonardo Boff tem sensibilidade com relação aos anseios, questões e desafios para que a gente tenha um país mais justo para todos. Temos a clareza que precisamos e queremos mais. Devemos estar alertas e preparados para combater riscos e retrocessos. Fazer esse debate com o Boff é perceber nesse pensador as diversas nuances de um Brasil que quer mais para o futuro”, defendeu Bezerra. A categoria decidiu que iniciará greve nesta terça-feira, dia 30.
Recado à classe trabalhadora
Antes do início do evento, Boff autografou livros, recebeu homenagem do coral da Sindicato e conversou rapidamente com a equipe da CUT-CE, quando enfatizou a importância de a Central nacional tentar garantir emprego para o maior número possível de pessoas. “Já existem hoje 400 milhões de desempregados no mundo inteiro. O trabalho é o futuro da humanidade”, disse o teólogo, que ainda elogiou a preocupação da CUT com as “dimensões ambientais”.
Para ele, a vitória dos trabalhadores conquistada ao longo dos últimos anos não pode acomodar a classe. Boff pediu aos sindicalistas integrados à Central nacional que mantivessem o dinamismo “para buscar sempre melhorar a situação dos trabalhadores e que seja um benefício para toda a sociedade e não só para a classe”.
Além da CUT-CE, o evento em Fortaleza contou com a parceria do Sindicato dos Fazendários (Sintaf-CE), Sindicato dos Bancários do Ceará, Sindicato APEOC, Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinep) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE).