Suíços aprovam em referendo limitação da remuneração de executivos

O Estado de S.Paulo
Jamil Chade

A cólera do povo contra os grandes patrões da indústria diante da crise ganhou ontem um capítulo inédito. Numa medida considerada como revolucionária num país conhecido por seu liberalismo econômico, eleitores suíços aprovaram nas urnas uma lei que irá limitar salários de executivos de empresas e proibir compensações milionárias para CEOs que estejam deixando multinacionais.

A medida considerada como uma democratização do controle de empresas privadas é interpretada como uma reação popular aos abusos de banqueiros e executivos durante a crise financeira que destruiu milhões de postos de trabalho pela Europa.

O referendo realizado ontem terminou com 68% dos suíços votando a favor das medidas limitando salários ou incentivos financeiros a executivos que possam encorajar a venda ou compra de empresas. O executivo que violar a regra será preso por três anos ou terá de pagar seis anos de seu salário. O sistema de democracia direta do país obriga agora a aprovação do projeto pelo governo, ainda que o Executivo tenha sido contra a lei por meses e alertado sobre os riscos da medida.

Em Zurique, um dos centros financeiros do mundo, 71% da população apoiaria a ideia. “O povo decidiu mandar um recado forte”, comemorava o senador suíço Thomas Minder, autor do projeto que obrigará toda a empresa suíça cotada em bolsas a seguir a nova lei.

A Suíça conseguiu evitar a recessão que tem atingido seus vizinhos europeus. Mas, nem por isso, ficou à margem das controvérsias da crise. Algumas das maiores empresas do país alpino têm anunciado a demissão de milhares de funcionários, enquanto seus executivos – chamados no país de “gatos gordos” – continuam recebendo milhões de dólares em salários e bônus.

Entre os pontos da proposta está a proibição do pagamento de “paraquedas de ouro” a executivos que sejam demitidos ou aposentados. Há apenas duas semanas, a Novartis anunciou que seu ex-CEO Daniel Vasella receberia US$ 72 milhões nos próximos seis anos, com a condição de que não trabalhe para nenhuma outra empresa farmacêutica. Depois de uma forte reação popular, Vasella, que recebia mais de US$ 15 milhões por ano, optou por abrir mão do dinheiro.

Para Minder, ficou claro que conselhos de administração de empresas estavam mais preocupados em dividir entre eles os lucros das companhias que em recompensar acionistas. “Com essa decisão, o poder está de volta aos acionistas”, disse.

A partir de agora, qualquer compensação ou bônus a membros dos conselhos das empresas terá de ter o apoio da maioria dos acionistas. Além disso, diretores serão eleitos pela assembleia de acionistas.

Tanto o governo como parte das empresas fizeram uma ampla campanha contra a ideia. “A aprovação marcará uma deterioração do que era um ambiente liberal para as empresas”, indicou Ursula Fraefel, líder da campanha do “Não”. O governo suíço havia deixando claro que era contrário à lei, diante do risco de que multinacionais simplesmente abandonem o país.

Para analistas, a decisão dos suíços deve ter uma repercussão europeia. Hoje, os ministros da zona do euro se reúnem para debater a imposição de um limite para bônus pago por bancos a seus executivos. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, é radicalmente contra.

Assim como na Suíça, a medida é uma reação à ira popular de milhões de pessoas que estão sofrendo com a crise, enquanto os executivos das entidades acusadas de terem sido as responsáveis pelo problema continuam recebendo salários cada vez maiores e prêmios, mesmo depois de terem sido resgatados com dinheiro público. Os banqueiros europeus alertam que a medida poderá fazer com que instituições de peso migrem para a Ásia ou Nova York.

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