Bárbara Pombo
Valor Econômico
Depois de quase dez anos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) mudou seu entendimento e condenou um banco a pagar danos morais a clientes pelo encerramento, sem autorização ou justificativa plausível, de contas correntes. A decisão contra o Santander foi unânime, mas gerou intenso debate entre os ministros da 3ª Turma da Corte.
Até então, as duas turmas de direito privado do STJ vinham decidindo que as instituições financeiras poderiam, por iniciativa própria, encerrar contas bancárias, desde que avisassem os clientes com antecedência. A 3ª Turma aplicou o entendimento, por exemplo, em 2004, ao caso de um correntista do Maranhão contra o Banco do Brasil, que o informou sobre o encerramento, motivado por “razões comerciais e de mercado”, um mês antes.
Em 2007, a 4ª Turma deu a mesma orientação ao analisar o recurso de um cliente do Rio de Janeiro contra o Unibanco. Na ocasião, os ministros não viram abuso no fechamento da conta.
Interrompido por pedidos de vista duas vezes, o julgamento do caso Santander dividiu os ministros em um primeiro momento. O voto original do relator, ministro Sidnei Beneti, seguia a jurisprudência da Corte e liberava o banco do pagamento dos danos. Após os votos dos ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi, porém, o relator mudou de ideia.
O Santander foi condenado a pagar R$ 8,3 mil de danos morais a dois clientes de Ribeirão Preto (SP) que tiveram as contas correntes fechadas, sem justificativa, depois de quase 40 anos. Os ministros ainda impediram a instituição financeira de encerrar os contratos, sob pena de multa diária de R$ 5 mil.
Para os ministros, o Santander cometeu abuso e violou o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, que proíbe as empresas de “recusar atendimento às demandas dos consumidores” ou “a venda de bens ou prestação de serviços”.
As três contas dos clientes de Ribeirão Preto – duas abertas em 1969 e uma em 1991 – eram movimentadas com frequência e utilizadas para pagamento de despesas. Segundo o processo, em 19 de junho de 2007, o Santander enviou uma carta informando que fecharia as contas no prazo de dez dias.
“Em pleno século XXI adotou-se uma postura que seria razoável no século XIX, encerrando abruptamente uma relação contratual de longos anos”, afirmou o ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Para a ministra Nancy Andrighi, o movimento atual do governo no sentido da inclusão bancária deve ser considerado pela iniciativa privada. “A extinção imotivada do contrato de conta corrente atenta contra a própria função social do contrato”, disse, acrescentando que “a liberdade contratual deve ser exercida junto com a boa-fé”.
Para advogados da área bancária, a decisão não indica uma reviravolta da jurisprudência do STJ sobre o assunto, mas um alerta aos bancos. “O entendimento, porém, é importante porque chama a atenção sobre a responsabilidade das instituições financeiras em dar um tratamento adequado ao cliente consumidor”, afirma o advogado Fábio Braga, do escritório Demarest Advogados. “O banco não pode encerrar a conta simplesmente porque não é mais de seu interesse comercial. Deve sentar-se com o cliente e oferecer outros produtos.”
O Banco Central permite o encerramento das contas sob determinados critérios e circunstâncias. Pela Resolução nº 2.747, de 2000, as instituições podem fechar contas de clientes inscritos no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF) ou ainda se perceber irregularidades no uso da conta. A norma exige ainda que os clientes sejam avisados previamente, por escrito, “da intenção do banco”.
“Mesmo protegido pela norma do Banco Central a instituição financeira foi condenada. Não existem contratos eternos. É direito do banco rescindi-lo assim como é do correntista”, afirma o advogado Francisco Giardina, do Bichara, Barata & Costa Advogados.
Por meio de nota, o Santander informou que cumprirá a decisão.