O Supremo Tribunal Federal (STF) julga, a partir desta quarta-feira (4), duas ações que visam a estender a uniões homoafetivas os mesmos direitos de casais heterossexuais. Os pedidos apresentados pelo governo do Rio de Janeiro e pela Procuradoria Geral da República querem dar fim a uma série de restrições atualmente aplicadas à comunidade de lésbicas, gays, bissexuais e travestis e transexuais (LGBT).
“Queremos que o Supremo julgue as ações de acordo com os princípios dos artigos 3º e 5º da Constituição Federal, prezando pela igualdade de todos os cidadãos e todas as cidadãs perante a lei”, pondera Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), em comunicado distribuído à imprensa no qual lembra ainda que não se deve fazer confusão entre religião e Estado.
O governo fluminense alega que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria os preceitos da igualdade e da dignidade da pessoa humana. A Procuradoria pede que a união entre pessoas do mesmo sexo seja reconhecida como entidade familiar e que os direitos e deveres sejam iguais para todos.
É grande o otimismo entre as entidades que atuam no setor. Reis, por exemplo, foi beneficiado no ano passado por decisão do próprio STF, que deu parecer derrubando restrições impostas pelo Judiciário paranaense sobre a adoção de uma criança.
Foram mapeadas, até o momento, mais de mil sentenças judiciais favoráveis à conquista de direitos por casais de pessoas do mesmo sexo. No entanto, a falta de legislação em torno do tema ou de uma decisão da corte suprema deixa cada casal à mercê da decisão do juiz local.
Levantamento feito pela ABGLT mostra que 78 direitos são negados aos casais homoafetivos, como composição de renda para financiamento imobiliário, garantias sobre herança ou divórcio e declaração compartilhada de Imposto de Renda.
“Uma decisão favorável do STF tornará inquestionável a existência da união estável”, lembra Maria Berenice Dias, ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e presidente da Comissão Nacional de Direito Homoafetivo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “As pessoas vivem juntas, acumulam um patrimônio durante anos. É um patrimônio que é dos dois, mas dentro do sistema jurídico continuam sendo consideradas solteiras”, acrescenta.
Ela é uma das oradoras inscritas para falar na sessão de quarta-feira, na qual vai representar o Instituto Brasileiro de Direito Familiar. São quase vinte entidades que se apresentaram na condição de amicus curiae, ou amigo da corte, que são grupos que se sentem em condições de enriquecer o debate e auxiliar nas decisões dos ministros.
Efeitos práticos
Embora tenha sido implementado efetivamente em 2002, num momento em que as lutas por direitos LGBT já despertava grande atenção dentro da sociedade, o Código Civil dispõe que a união estável é realizada “entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura”.
Para a Procuradoria, não há qualquer argumento razoável para impedir que a união estável se realize entre o homem e o homem, ou entre a mulher e a mulher. O órgão lembra que foram superadas as visões que concebiam a homossexualidade como pecado ou doença e que o Estado não pode se omitir na proteção dos direitos constitucionais.
O governo do Rio de Janeiro acrescenta que não se pode agir de maneira diferente em relação a cidadãos iguais e que não há motivos para as distinções que hoje são registradas. “Esta seria uma forma de perfeccionismo ou autoritarismo moral, próprio dos regimes totalitários, que não se limitam a organizar e promover a convivência pacífica”, adverte a ação.
Caso o STF se manifeste pela aceitação das duas ações, passa a valer às uniões homoafetivas aquilo que está assinalado no Código Civil, ou seja, que na falta de um contrato específico, são asseguradas a essas uniões os mesmos direitos de um regime de comunhão parcial de bens.
Isso significa um avanço em relação a vários direitos, mas faltará ainda conseguir que o Congresso aprove um projeto que verse sobre a equiparação do casamento civil entre homossexuais e heterossexuais. Apenas esta instituição possibilitaria celebrar a união como uma cerimônia oficial autorizada pelo Estado e a garantia de outros direitos, como o uso do mesmo sobrenome pelo casal homoafetivo.