Sonegação empresarial é tão danosa quanto corrupção, aponta Unafisco

Especialistas participam do 14º Congresso Estadual da CUT São Paulo

Em 2006, 5.292 contribuintes apresentaram rendimentos tributáveis acima de um milhão de reais. O estranho é que, no mesmo período, o Brasil possuía 220 mil milionários.

A explicação para essa discrepância, aponta o vice-presidente da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), Kleber Cabral, está num modelo tributário que taxa o consumo e penaliza quem ganha menos, ao mesmo tempo em que isenta os maiores salários.

Nesta quarta-feira (26), durante uma das oficinas temáticas do 14º Congresso Estadual da CUT São Paulo, Cabral defendeu um novo sistema que inclua a tributação sobre aeronaves e embarcações de luxo, que não pagam IPVA (Imposto sobre Veículos Automotores), e gerariam, imediatamente, R$ 2,7 bilhões aos cofres públicos.

A proposta dele inclui ainda a taxação de lucros e dividendos, da mesma forma que já acontece em países como Alemanha, França, Portugal e Itália, rebatendo, assim, o argumento empresarial da dupla tributação para colocar a discussão no âmbito da justiça fiscal.

Os pontos constam na PEC 140/2012 (Proposta de Emenda à Constituição) e no PL 6094/13 (Projeto de Lei), que aguardam votação no Congresso Nacional e, segundo o auditor fiscal, além de contribuir para um ajuste fiscal sem penaliza o trabalhador, também seriam fundamentais no combate à corrupção.

“O objetivo principal é atuar na justiça fiscal, porque pessoa física é tributada em 27,5% e os empresários não são, algo que nem sempre foi assim – a medida foi alterada em 1995, ano em que o país era presidido por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – e em outros países também não é. Mas, apesar de não ser o alvo principal, os instrumentos que tributam lucros e dividendos inibem a criação de pessoas jurídicas, que muitas vezes são utilizadas no meio dos esquemas de desvios”, explica.

Trabalhador vira PJ

Ele citou um exemplo caseiro para explicar como ocorre essa pedalada empresarial. “Minha esposa, que é professora do Senac, foi a obrigada a se transformar em PJ e passou a emitir nota, mesmo tendo vínculo empregatício, como forma de fazer com que o empresário não pagasse a tributação previdenciária. Isso não aconteceria se taxassemos lucros e dividendos, porque não valeria a pena, não faria diferença”, apontou.

A mudança, aponta, envolve a mudança no aparato legal, educação fiscal e a ideia presente no inconsciente coletivo de que a sonegação não traz dano a ninguém, quando a maior prejudicada é a população de baixa renda, que paga mais impostos e é a principal beneficiária das políticas públicas.

“Enquanto houver a extinção de punibilidade, casos de refinanciamento por parte do governo e o excesso de instâncias que levam o julgamento para as calendas, não vamos reverter isso. A própria legislação trata sonegação como crime menor ao permitir que o simples pagamento extinga a punibilidade. Parece que não há vítima, mas a vítima são os cofres públicos, as políticas públicas e a própria sociedade”, definiu Cabral, que cobrou da CUT abraçar essa causa como parte da luta em defesa da classe trabalhadora.

Empresas e paraísos fiscais

Enquanto o representante da Unafisco tratou da sonegação em território nacional, na mesma mesa, o secretário regional da federação sindical Internacional dos Serviços Públicos (ISP/Américas), Jocélio Drummond, bateu na necessidade de um controle internacional sobre o faturamento.

Segundo um ranking divulgado com base em estatísticas do Banco Mundial de 2011, com a evasão fiscal, o equivalente a 13,4% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil deixa de ser arrecadado. Ele lembrou ainda que, em 2013, os EUA declarou que 70% das empresas já não pagavam os impostos sobre lucros no país, discussão que gerou propostas para a taxação e entrou também na pauta da União Europeia após a crise internacional.

O procedimento, ressaltou, começa com a empresa estabelecendo a sede num paraíso fiscal onde a tributação é mínima. “Os maiores importadores de ferro e soja do Brasil são a Suíça e as Ilhas Cayman. Porque não faz diferença quem importa e sim onde está a sede e onde será tributada. Mais de 60% do comércio mundial é feito em vias interfirmas, entre subsidiárias e filiais que espalham a produção para não pagar impostos.”

Legislação internacional

Para Drummond, a saída é definir um arcabouço internacional para impedir que o lucro seja declarado em paraísos fiscais, prejudicando a indústria nacional e fazendo com que a competição com a cadeia produtiva local seja injusta.

Segundo ele, os governos também precisam contribuir com a revisão das políticas de subsídios. “O que as mineradoras colombianas receberam em subsídios em 10 anos passa longe do lucro que geraram com arrecadação para o Estado. E ainda deixam de dar retorno pelo mecanismo de evasão fiscal”, relatou.

Luta ingrata

O embate às transnacionais, alerta, não é fácil, especialmente num cenário em que se colocam de maneira muito competente em espaços multilaterais como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMC (Organização Mundial do Comércio).

Drummond relatou que Brasil e Índia, junto com outros países da América Latina, defendem na ONU a criação de um corpo intergovernamental para fiscalizar as empresas e definir formas de tributação. Porém, os EUA, na figura de representantes da receita federal estadunidense, ligados a Wall Street, sequer aceitam debater a questão. De acordo com ele, porque não há argumento para defender.

Na outra ponta, disse, o TISA (Acordo de Comércio e Serviços liderados por EUA e União Europeia) é parte da estratégia de impedir que países adotem qualquer política restritiva, como fizeram Paris (França) e Berlim (Alemanha) que revisaram o modelo de privatização da água.

“Caso o Brasil integre o TISA e queira adotar uma política ambiental, por exemplo, precisa consultar países e empresas sobre possíveis prejuízos que teriam com essa política. Que também impedirá o país de adotar qualquer política de proteção do conteúdo local”, falou.

Para ele, o caminho é criar espaços governamentais minimamente autônomos e democráticos para reverter o atual processo em que as empresas dão as cartas quase de maneira unilateral.

“Temos trabalhado uma coalisão – que envolve organizações como a CUT – por justiça fiscal e que vai ser um tema muito presente nos próximos anos. A Central deve se integrar e se mobilizar na campanha por um corpo intergovernamental na ONU capaz de organizar um sistema de controle internacional de fluxo de capital das empresas transnacionais”, defendeu.

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