Deputada recebe apoio até de parlamentar do mesmo partido de Bolsonaro
Preste atenção nestas palavras. “Estou aqui representando as mulheres do Partido Progressista, mas não só, também os homens de bem do PP. A tribuna do Congresso Nacional não deve ser usada para esse tipo pronunciamento (referindo-se a Jair Bolsonaro – PP-RJ). Ainda que defendamos a democracia, isso não é liberdade de expressão, é agressão às mulheres brasileiras. Nós não concordamos com nenhum pronunciamento nesse sentido e as mulheres têm no PP um apoio para acabar com todo o tipo de violência, inclusive a verbal. Precisamos, sim, passar uma régua nos políticos do nosso país e essa é uma oportunidade para mostrar que há políticos de bem, que querem construir uma sociedade melhor e uma vida melhor para nós, mulheres brasileiras. Fora Bolsonaro!”
A frase poderia ser de um dos parlamentares presentes na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (17), para um ato em solidariedade à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). Poderia também ser de qualquer uma das representantes das mais de 30 organizações que engrossaram a manifestação liderada pela CUT.
Mas veio da deputada federal Rebecca Garcia (PP-AM), da mesma sigla de Bolsonaro, e resumiu o espírito da manifestação, que terminou com a própria Maria do Rosário, em um discurso com olhos marejados e voz embargada, como as de muitas mulheres na plateia identificadas com a violência sofrida por ela.
No último dia 9, a parlamentar ouviu do deputado do PP, em discurso no plenário da Câmara, que não a “estupraria” porque ela não “merecia”. Dias depois, em entrevista ao Jornal Zero Hora, ele completou dizendo que não merecia “porque é muito feita”. A afirmação foi idêntica a que Bolsonaro fez em 2003, quando, nas galerias da Casa, também empurrou a ex-ministra dos Direitos Humanos nas galerias da Casa e a chamou de “vagabunda.”
Mexeu com uma, mexeu com todas
Em um auditório Nereu Ramos sem sistema de som por conta das fortes chuvas que tomaram a capital federal na noite anterior, Maria do Rosário empunhou um megafone improvisado pelas mulheres e falou para centenas que usavam uma camiseta branca com os dizeres “Fora Bolsonaro, nenhuma mulher merece ser estuprada.”
“Há momentos que se transformam em um símbolo e esse símbolo não sou eu, mas este plenário cheio por mulheres lutadoras do Brasil. Não pensem que as vítimas calam. As mulheres que sofrem estupros e aquelas que lutam contra isso hoje falam pelas nossas vozes. Estamos aqui para lutar contra todas as formas de violência e contra aqueles que promovem a violência”, afirmou.
Para ela, a situação só deixa mais clara a urgência de transformar as relações no Congresso Nacional por meio de uma reforma política. “Se tivéssemos um parlamento com equidade isso aconteceria?”, questionou, para ouvir a seguir um não em uníssono.
Maria do Rosário apontou que, após avanços como a Lei Maria da Penha, de combate à violência contra as mulheres, é preciso luta para acabar com a cultura que faz da violência algo normal. “Vamos dar um basta na intolerância e no ódio com o qual somos tratadas nos espaços públicos como se eles não nos pertencessem”, falou.
A ex-ministra dos Direitos Humanos atacou ainda a ideia que relaciona estupro à conduta da vítima.
“Os últimos dias foram especialmente difíceis para mim também. Como mãe, filha, irmã e parte de uma comunidade, às vezes é duro para nós, ficarmos expostas quando sofremos algum tipo de violência. Porque muitas pessoas olham perguntando, “mas será que não provocou?”
A lógica da situação de estupro não é tantas vezes aquela de questionar, “aquela mulher se veste como”? Era só o que faltava ouvir a palavra estupro associada a merecimento”, criticou.
Fora Bolsonaro
Repetido como um mantra a cada intervenção, o “Fora Bolsonaro”, também tema de adesivos que algumas mulheres carregavam no peito, soava como um basta de quem vê atitudes como a do parlamentar se repetirem no ambiente de trabalho, nos lares e bate-papos informais.
Secretária de Mulheres da CUT, Rosane Silva apontou que não haverá descanso enquanto o parlamentar não for responsabilizado por suas declarações.
“Iremos às ruas pela cassação de Bolsonaro porque ele não agrediu só a Maria do Rosário, mas todas as mulheres. Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres.”
Para a coordenadora da União Brasileira de Mulheres (UBM), Elza Maria Campos, que lembrou a baixa representatividade feminina) – apenas 51 deputadas (9,9%) e 11 senadoras (13,6%) – o deputado é a personificação do racismo, machismo e homofobia presentes na sociedade brasileira.
O desserviço à sociedade, disse a presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Vic Barros, chega justamente num momento em que a principal universidade do país (USP) ganha os jornais com denúncias de estupro e homofobia contra estudantes, o que agrava ainda mais a situação.
A senadora Marta Suplicy (PT-SP) acredita que a cassação deve vir para que não incentive atitudes semelhantes em outros parlamentos do país. “O Bolsonaro é reincidente nesse tipo de atitude e continuará se não for punido.”
A deputada Érika Kokay (PT-DF) avalia que a atitude de Bolsonaro ajuda a entranhar e tornar algo comum à violência contra a mulher. “A violência foi a tônica do colonialismo, da escravidão e das salas escuras de tortura na ditadura. Não permitiremos que esse crime seja normalizado”, disse.
Ao contrário, defendeu a representante da Rede de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de Goiás, Roberta Vilela, o deputado deve servir como exemplo a não ser seguido. “Ele deve ser uma referência de pensamento que se transforma em violência física e psicológica para fazer com que isso não se repita.”
“Bolsonaro não sabe o que é um estupro. Mas muitas de nós sabemos e não o deixaremos impune”, complementou a deputada Benedita da Silva (PT-RJ). Para a também deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), não puni-lo desmoralizará a Câmara diante da sociedade.
O que ele fez e diz não é só contrário ao estado democrático de direito e à Constituição Federal. Não é só contrário aos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil.
Da Articulação Brasileira de Mulheres (ABM), Kelly Gonçalves, definiu que Bolsonaro é o reflexo de um país complacente com a tortura e com a impunidade e que tem uma grande oportunidade de enfrentar esse instrumento, adotado como prática de investigação na ditadura militar que assolou o país.
“O relatório da Comissão da Verdade contra o qual o deputado estava se pronunciando, relata os absurdos perpetrados pelas forças militares pela ditadura, que não acabou. O estupro continua nas penitenciárias, a violência que continua nos lares. A questão não é a ofensa e a ameaça à Maria do Rosário, mas a punição que não foi feita aos torturadores desse país. Bolsonaro é o porta-voz dos ditadores e dos torturadores.”
Feminicídio no Código Penal
Além da organização das mulheres, a deputada Maria do Rosário protocolou uma queixa-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) por injúria e calúnia contra Bolsonaro.
O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados também instaurou um processo de cassação de mandato e o Ministério Público, por meio da vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, apresentou uma denúncia no STF por suposta incitação ao crime de estupro.
Outro avanço na luta sobre a violência contra as mulheres veio do Senado, com a aprovação do substitutivo da senadora Gleise Hoffmann (PT-PR) ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 292/2013, que define o crime praticado contra a mulher por questão de gênero como homicídio qualificado (com pena mais alta).