Sergio Leo, de Brasília
Valor Econômico
As políticas públicas que sustentaram o investimento e estimularam o mercado interno foram os principais fatores a amortecer a crise financeira mundial na maior parte dos países latino-americanos e caribenhos, segundo o “Estudo Econômico” divulgado na quarta-feira, dia 21, pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). Colaborou, em menor escala, o impulso das exportações aos mercados asiáticos. A desaceleração na Ásia e na Europa e o esgotamento das políticas fiscais devem, porém, reduzir o ritmo de crescimento na região, a partir do segundo semestre de 2010, prevê a Cepal.
“A parte mais complicada e delicada é a crise da Europa”, comentou, em entrevista por telefone ao Valor, a secretária-executiva da Cepal, Alícia Bárcena, preocupada com a decisão europeia de forçar ajustes severos nos orçamentos públicos e cortar a atividade econômica. O peso da Europa no consumo de bens exportados pelos latino-americanos e caribenhos é grande – acima de 20% para grande número de países – e economias como o Equador e a Jamaica são fortemente dependentes das remessas de dinheiro de seus cidadãos que emigraram a países europeus.
O Brasil, no panorama traçado pela Cepal, foi o destaque no continente, não só como o que alcançará o maior crescimento em 2010 (7,6%) mas também como o país que mais gerou empregos formais, em contraste com boa parte dos vizinhos. O Brasil foi, também o que, com o Chile, promoveu a maior redução de tributos em setores específicos, para minimizar os efeitos da crise e estava entre as economias com melhores condições, na região, de enfrentar a retração econômica mundial. A grande participação dos bancos públicos no setor financeiro brasileiro, de 35% no primeiro semestre de 2008, deu instrumentos importantes ao governo para garantir a ampliação do crédito, comentou Bárcena.
“O fato de contar com bancos públicos capazes de respaldar a economia foi uma lição importante do caso brasileiro”, disse a dirigente da Cepal. “Um dos fatos centrais para a recuperação foi a política monetária que permitiu aumento de liquidez e da oferta de crédito”, acrescentou, alertando, porém, para a necessidade de transferir gradualmente o papel de fornecedor de crédito à banca privada.
“O Brasil foi realmente um país muito importante para toda a região, por dar mostras de como combinar uma politica macroeconômica prudente com uma lição progressista de desenvolvimento social”, disse Alícia Bárcena. Ela elogiou a “continuidade de política pública” no Brasil, com a ênfase dada nos últimos anos ao aumento do salário mínimo, a projetos de inovação e ciência e tecnologia.
“Estamos mais otimistas que o próprio país”, notou a executiva da Cepal, ao comentar a previsão de crescimento de 7,6% para o Brasil em 2010 (o maior da região) e de 4,5% em 2011. Após uma queda de 1,9% no ano passado, América Latina e Caribe devem, crescer, em média, 5,2% neste ano, impulsionados pelo avanço do Brasil, e das maiores economias latino-americanas como a Argentina (6,8%), Chile (4,3%), México (4,0%) e Colômbia. No ano que vem, porém, com o arrefecimento dos fatores externos e domésticos que asseguraram o crescimento em 2010, deve haver uma redução desse índice, para 3,8%.
O desempenho das economias da região é bastante diversificado, porém. A Argentina, por exemplo, foi beneficiada pelo crescimento de seu principal parceiro comercial na região, o Brasil, e por fortes medidas de apoio governamental, que terão de ceder espaço ao setor privado para garantir a sustentação da atividade econômica, segundo Bárcena.
Na Venezuela, prevê-se uma queda de 3% na economia em 2010, a segunda queda dessa ordem de grandeza no país, devido à grande seca, que provocou desabastecimento, a perda de dinamismo no setor de petróleo e nos investimentos privados e a especulação com o câmbio.
“Temos poucos dados disponíveis sobre a situação da economia; pode haver maior investimento público e o aumento de preços do petróleo pode ajudar a aumentar o investimento público”, comentou a dirigente da Cepal.
A recuperação da economia americana e o desempenho da Ásia foram os principais fatores externos para a recuperação das economias latino-americanas e caribenhas em 2010, analisa a Cepal. Entre os fatores internos, o destaque foi a capacidade de “ação contracíclica” dos governos, graças à gestão responsável do lado fiscal, que permitiu aumento de gastos e da dívida pública sem comprometer as contas como nas crises internacionais do passado recente.
Entre os fatores positivos reunidos pela maioria dos países da região estão também o maior equilíbrio externo, com o acúmulo de reservas internacionais. a redução constante do endividamento em moeda estrangeira. A região não está invulnerável a novas crises, e boa parte dos fatores favoráveis que a ajudaram nos últimos anos dificilmente se repetirão em 2011.