A sindicalista bancária Vijayalakshmi Nair ─ ou Viji, como prefere ser chamada ─ veio de Mumbai, na Índia, para fazer o estágio requerido para conclusão do mestrado em Políticas Trabalhistas e Globalização, oferecido pela Universidade Global do Trabalho (GLU). Ela está no Brasil sob supervisão da sindicalista carioca Jô Portilho, diretora da Contraf-CUT, que cursou o programa em 2004/2005.
Sua visita tem sido movimentada: no dia em que chegou, Viji participou do ato-desfile de lançamento da Campanha Nacional dos Bancários na base da Federação dos Bancários do Rio, no último dia 17. Em entrevista ao UNIDADE ela desfaz algumas impressões fantasiosas que se tem sobre as mulheres trabalhadoras da Índia e fala um pouco sobre o trabalho bancário em seu país.
O sistema de licença dos bancários indianos é bem diferente do nosso. Cada trabalhador tem direito a um afastamento de 20 dias – corridos ou não – por motivo de doença. Caso a enfermidade exija uma licença maior, é preciso que o médico justifique. Neste caso, o bancário recebe somente 50% do salário, pago pelo banco, mas é o empregador quem custeia as despesas médicas.
Os trabalhadores dos bancos também têm direito a um dia de licença por mês, mas podem juntar os 12 do ano num período só, desde que o gerente da agência autorize. Nos bancos públicos, as mulheres têm direito a duas licenças-maternidade, de seis meses cada uma, com remuneração.
Caso a mulher tenha mais filhos, poderá ficar afastada, mas sem salário. Esta é uma forma de desestimular a maternidade, já que o país tem uma população muito grande e precisa fazer o controle de natalidade.
As férias propriamente ditas são chamadas de “licença privilégio” e são de 14 dias úteis, mais 1 dia e meio extra por mês, o que totaliza 32 dias no ano. Esta licença vence todo dia 1º de janeiro e, caso o trabalhador não tire sua folga, o pagamento do período é feito automaticamente. No total, se puderem gozar de todos os afastamentos e licenças possíveis – fora à licença-maternidade – um bancário indiano pode ficar até 60 dias de folga por ano.
Nos bancos públicos, as promoções são realizadas através de provas e um funcionário que atinge o posto de gerência tem que se transferir para outro estado para assumir o cargo. Isso acaba restringindo a ascensão profissional, principalmente das mulheres, porque envolve a transferência do cônjuge e dos filhos para outro local.
Sistema Financeiro Indiano
O número de bancos públicos na Índia é grande: são, ao todo, 27. Os privados nacionais são 31 e os estrangeiros somam 38. Viji trabalha no Banco Central da Índia – que nada tem a ver com a política econômica do país, ao contrário do que faz o Banco Central do Brasil – e ressalta que em todos os bancos públicos um dos maiores problemas é a falta de funcionários, já que o último concurso foi realizado em 1993. Desde então, a onda neoliberal privatizante se intensificou e os bancos públicos sofreram as consequências, assim como aconteceu no Brasil na mesma época.
Somente os bancos públicos operam no interior e nas zonas rurais. Nestas regiões, são eles que realizam movimentação de contas correntes e de poupança e recolhimento de taxas e impostos, inclusive aos sábados. Estes bancos reúnem a maioria dos bancários do país – só no Banco Central da Índia, onde Viji trabalha, são 37 mil funcionários. Este número é maior que o total de empregados dos bancos privados, que são cerca de 25 mil.
Uns melhores, outros piores
No quesito segurança bancária, Viji levará do Brasil informações sobre um sistema bem melhor que o de seu país. Nos bancos públicos, são militares e policiais aposentados – eles podem se aposentar após 15 anos de serviço – que são contratados pelo banco para fazer segurança, mas não usam armas.
Nos bancos privados, há contratação de seguranças particulares, que trabalham armados. Não há portas de segurança de nenhum tipo, o que facilita a entrada nas agências. Há assaltos, principalmente nas unidades mais afastadas, nas cidades menores, e já começam a acontecer ‘saidinhas’, principalmente nos grandes centros, mas o número ainda é baixo.
Com o sistema de segurança privado mais eficiente que o público, os assaltos às agências dos bancos privados – nacionais ou estrangeiros – são menos frequentes.
As metas são altas e o assédio moral que resulta delas preocupa os sindicalistas. O adoecimento dos trabalhadores é semelhante ao nosso, com alta incidência, principalmente, de LER/Dort, mas os transtornos mentais também acontecem. Nos bancos públicos a situação é mais grave, já que, com a escassez de funcionários e o aumento do volume de serviço, a sobrecarga de trabalho é permanente.
Nem tão diferente
Ao contrário do que se imagina, as mulheres são bem aceitas nos bancos indianos. Nos públicos, principalmente, com acesso por provas, não há grandes restrições. Mas, como no Brasil, a ascensão profissional das bancárias é mais lenta. Há mulheres em posição de chefia nas agências, como gerentes, mas em número bem menor que o de homens. E, entre supervisoras, superintendentes e executivas, a presença de mulheres é ainda mais tímida.
Assim como no Brasil, na Índia também há cota para pessoas com deficiência nos bancos, da ordem de 5%. Mas, como aqui, a maioria dos bancos não cumpre a cota.
A sobrecarga de trabalho é grande, principalmente nos bancos públicos, já que há 17 anos não há concursos. Mesmo assim, os bancos tentam reduzir os postos de trabalho através de PDVs. Mas os sindicatos de bancários da Índia estão reivindicando que novos programas de demissão incentivada só aconteçam se forem abertos processos seletivos públicos para ocupar as vagas abertas.
Questão sindical
Dentro dos bancos há mais de uma categoria, sendo os gerentes têm sua própria associação. Não há terceirização dos serviços de segurança, limpeza e copa – os indianos tomam o chai, seu chá tradicional, várias vezes ao dia – e todos são representados pelos sindicatos. São ao todo cinco para não comissionados e quatro associações de gestores.
A negociação dos bancários de bancos públicos é feita em dois tempos: primeiro, entre os trabalhadores e o empregador, banco a banco, numa instituição nacional chamada IBA – Indian Bank´s Association. Fechado este primeiro acordo, a IBA negocia com o governo indiano. Este acordo geral tem vigência de 5 anos. Mas podem acontecer negociações extras, banco a banco, principalmente nas questões econômicas, e este acordo aditivo precisa do aval da IBA.
Por exemplo, se uma instituição financeira tem lucro excepcional e os sindicatos reivindicam reajuste ou PLR maiores, negociam diretamente com a direção da empresa. o acordo é fechado depois de receber o aval da IBA e o pagamento é feito.
As negociações sobre assedio moral, problemas nos locais de trabalho e outros temas do dia a dia são feitas diretamente entre os sindicatos e os patrões, em sistema semelhante ao das nossas COEs e mesas temáticas.
Entre os bancos indianos, o que tem o mais alto índice de sindicalização é o HDFC Bank, com 7.722 associados, e, entre os multinacionais, é o Citibank, com 678 bancários. Essa imensa desproporção demonstra que os banqueiros estrangeiros desestimulam a organização sindical.
Viji é dirigente da Federação Nacional dos Empregados de Bancos da Índia – INBEF, na sigla original, que é filiado à INTUC, uma das Centrais Sindicais indianas. De acordo com informações do Ministério do Trabalho do país coletadas em 2002, a entidade representa quase quatro milhões de trabalhadores. A INTUC é filiada à Confederação Sindical Internacional – CSI (no original, ITUC – International Trade Union Confederation), à qual a brasileira CUT também é associada.