Seminário no Rio aponta desafios para governos de esquerda da América Latina

Representantes de governos de esquerda e progressistas debatem rumos

Desde a eleição de Hugo Chávez na Venezuela, em 1998, até a vitória de Ollanta Humala no Peru, ocorrida no mês passado, os países latino-americanos e caribenhos vêm consolidando um ciclo histórico de conquistas sociais e de emergência de governos populares e de esquerda. Para aprofundar esse processo, no entanto, é necessário assegurar uma maior integração regional – que passa em grande parte pela correção de assimetrias econômicas entre os países – e também a criação em cada país de um “sujeito político” capaz de manter em curso as transformações sociais independentemente de vitórias ou derrotas eleitorais.

Essas foram as principais constatações do seminário internacional “Governos de Esquerda e Progressistas na América Latina e no Caribe – Balanços e Perspectivas”, que reuniu representantes de diversos governos da região entre os dias 30 de junho e 2 de julho na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em um evento marcado pelas mensagens de solidariedade ao presidente venezuelano, que recentemente anunciou ter um câncer, também foram debatidos temas como o fortalecimento de um pólo regional que possa ter papel destacado no novo desenho da economia mundial e a criação de espaços de discussão política independentes dos governos e capazes de levar a estes idéias e críticas.

“São gigantes os desafios que se colocam para a esquerda latino-americana e caribenha. Surge com força a necessidade de promover a participação de nossos povos no caminho da integração. Para isso, é imprescindível a cooperação e a articulação das forças progressistas que seguem fortalecendo e dando forma às novas políticas da região”, afirmou Ana Elisa Osório, que é deputada do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e vice-presidente do Grupo Parlamentar Venezuelano no Parlamento Latino-Americano.

Embaixador e representante especial da Argentina para a Integração do Mercosul, Oscar Laborde afirmou que “vivemos um momento histórico” na região e chamou a atenção para a oportunidade de fortalecimento político no cenário internacional: “Nesse mundo multipolar, a América do Sul pode ser um quarto pólo, uma zona de influência, assim como a América do Norte, a Europa e a China. Seria, ao lado da África, um pólo com seus próprios interesses geopolíticos”, disse.

Secretário de Relações Internacionais do governo brasileiro, Marco Aurélio Garcia disse que o mundo atravessa um momento de grandes transformações e que estas, na América Latina, têm um significado bastante positivo: “Desde 1998, esse processo, com mais altos do que baixos, vem se estendendo até hoje. Mesmo naqueles países onde as forças progressistas não foram vitoriosas, nós constatamos um deslocamento muito claro em direção à esquerda.

Mesmo os governos que não tinham o signo da esquerda em sua origem tiveram que fazer mudanças nessa direção. Nos processos eleitorais, nós estamos assistindo a uma desaparição ou a uma ocultação da direita mais escrachada”.

Laborde afirmou que países como o Brasil e a Argentina vivem a “síndrome do terceiro mandato”, trazida pela necessidade de aprofundar as transformações sociais iniciadas em um primeiro mandato e consolidadas no segundo: “Nesse terceiro período, temos que introduzir a transformação. Para isso, precisaremos ser capazes de transformar a distribuição do poder econômico e financeiro, que ainda é fortemente concentrado, aumentar o papel do Estado e promover a democratização das instituições”, disse.

Ele citou o ex-presidente argentino Nestor Kirchner, que pouco antes de morrer fez um discurso no Foro de São Paulo no qual afirmou que os países latino-americanos haviam ultrapassado a fase de gritar “nunca mais” e lançou a proposta do “nunca menos” para os direitos e conquistas obtidos pelos povos da região.

“Sujeito político”

Os representantes de governo concordaram que o “nunca menos” somente será possível se for aprofundada a mobilização social e a discussão dos problemas de cada país: “Nós já temos os votos, mas não temos idéias à altura dos problemas pelos quais somos confrontados”, disse Garcia, para quem as políticas implementadas na região ainda carecem de um maior embasamento programático.

“Eu não diria que há uma hegemonia das idéias de esquerda, pois ainda precisamos trabalhar para isso, mas sim uma hegemonia das políticas de esquerda que estão se desenvolvendo em nossa região e que tiveram um importante efeito de demonstração”, disse o brasileiro.

Diretor-geral da Itaipu Binacional, o paraguaio Gustavo Codas afirmou que as reflexões programáticas para os governos de esquerda devem ocorrer fora do âmbito do Estado: “Isso deve ser feito pelos partidos, pelas organizações dos movimentos sociais e pelas universidades. Esse é o nosso maior déficit, pois a maioria dos governos conquistou avanços sem ter um claro programa da parte dos partidos progressistas e de esquerda. O papel dos partidos e da intelectualidade progressista de esquerda deveria ser apontar mais longe e permitir que tenhamos um mapa que possamos seguir com mais clareza”.

Oscar Laborde defende a elaboração programática permanente e participativa como forma de garantir a continuidade das mudanças que vêm ocorrendo na região: “É necessária a constituição de um sujeito político que dê sustentabilidade ao projeto e que, inclusive, possa superar derrotar eleitorais. Partindo de experiências nacionais diversas, nós podemos constituir uma matriz do pensamento comum latino-americano. Desde nosso pólo, podemos construir uma alternativa ao modelo neoliberal”, disse o argentino.

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