Um encontro para discutir a pluralidade das questões que fazem parte do cotidiano de brasileiros e brasileiras afro-descendentes a partir do viés da educação, da política e da cultura e que, por isso mesmo, interessa a toda a sociedade. Essa foi a tônica do seminário Negro Plural, realizado durante a manhã e início da tarde de quinta-feira, dia 29, no Sesc Vila Mariana, na capital paulista.
A atividade integra as celebrações do mês da Consciência Negra e foi marcada não só por explanações históricas da presença africana no Brasil e a defesa de políticas afirmativas como também pelo relato de artistas, que apresentaram sua trajetória e leitura de obras à plateia.
Organizado pela Secretaria Estadual de Combate ao Racismo da CUT-SP, o Sindicato dos Bancários de São Paulo e o Instituto Luiz Gama, o seminário teve início por volta das 10h. A mesa de abertura foi formada pelos representantes sindicais das entidades promotoras – Adi dos Santos Lima, presidente da CUT-SP; Adriana Magalhães e Rosana Aparecida da Silva (respectivamente secretárias de Comunicação e Combate ao Racismo da entidade); Silvio de Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama, e os representantes do Sindicato dos Bancários de SP Júlio César Silva Santos, Raquel Kacelnikas e Rita Berlofa.
“O objetivo é disseminar as reflexões feitas aqui. É fundamental que essa discussão seja levada para o espaço de trabalho”, destacou o presidente da CUT. A intenção de ampliar a abordagem dos temas em foco e criar um calendário conjunto também foi destacada pelo presidente do Instituto Luiz Gama e contou com anuência dos demais integrantes da mesa. “Que esse seja um de muitos encontros, para que possamos refletir a realidade que se apresenta e discutir a sociedade que queremos”, acrescentou a secretária de Comunicação da CUT-SP.
Educação
Na mesa Educação, que entre outros itens abordou a política de cotas, o representante da Educafro e mestre em Direitos Humanos, Osmar Teixeira Gaspar, foi taxativo: “Educação é poder”, ressaltou, ao pontuar que, durante o processo de escravização no Brasil (1830-1888), não houve a transmissão do conhecimento de uma geração a outra que caracteriza o processo educacional, mas sim o de uma cultura de violência.
Deliberadamente excluídos do acesso ao conhecimento, os afro-descendentes tiveram declarada uma suposta incapacidade e sua cidadania negada, contradição ainda presente quando se tenta impedir o acesso à escolarização. “O capitalismo brasileiro começou a ser construído com a mão de obra escrava. Até hoje há escolas que relutam em aplicar a política de cotas, e a USP está entre as mais atrasadas nesse processo”, acrescentou o professor da ECA-USP Dennis de Oliveira.
Cultura
Já em Arte e Cultura o artista plástico Lizar, 73 anos, relatou sua longa trajetória como ativista cultural, que passa pela luta no reconhecimento de seus trabalhos e da cultura africana. Lizar foi um dos impulsionadores do primeiro Projeto Zumbi no Masp e depois na Bienal.
“Uso a arte como instrumento político”, afirmou. A arte que denuncia o preconceito também está presente na literatura de Cidinha da Silva. Durante sua explanação, a escritora mineira encantou o público ao ler textos de sua autoria, entre os quais O Hino, que descreve a morte de um patrão racista e mau caráter. Segundo ela, muitas são as autoras negras que precisam ser conhecidas no país.
Política
No encerramento do seminário, políticas públicas e ações afirmativas pautaram a mesa que teve entre os debatedores Juninho, da coordenação nacional do Círculo Palmarino, e o representante do Instituto Luiz Gama, Silvio de Almeida. O primeiro lembrou a situação caótica da segurança pública no Estado e a violência contra os pobres e negros, o que classificou como “faxina étnica” e, ainda, afirmou que “o grande assassino do estado de São Paulo é o governador Geraldo Alckmin”.
Já o presidente do Instituto Luiz Gama abordou a discriminação ´estrutural´. “O racismo hoje beneficia muita gente, é preciso pensá-lo para além de uma questão cultural. A violência está também na estrutura, é institucional e, embora o negro precise mais, é ele o menos beneficiado em programas sociais”, comparou, exemplificando que mulheres negras têm maior incidência de mortes por câncer de colo do útero, mas menos acesso ao sistema de saúde.
“Por isso, o desafio é mudar as estruturas e não a cabeça das pessoas, pois essas são o resultado das estruturas racistas”, apontou. Para ele, a universidade e o movimento sindical devem ser espaço para se debater essas questões. “Os temas não podem ser discutidos em guetos, devem estar presentes em todos os locais”.
O representante dos bancários de SP e coordenador do Coletivo de Combate ao Racismo do Sindicato, Júlio Santos, ressaltou a necessidade da construção desses espaços de debate. “Que outros seminários possam ocorrer, reunindo ainda mais pessoas, porque a luta contra o racismo é de todos/as”, concluiu.