Diretor da Contraf-CUT apontou impactos e lutas no ramo financeiro
Após dois dias de intensos diálogos entre sindicalistas, magistrados e acadêmicos, o Fórum Nacional em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Terceirizados encerrou o seminário que promoveu em Brasília nesta sexta-feira (15) com um plano de lutas e a defesa de uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF).
Veja aqui o manifesto e plano de lutas aprovado pelo seminário.
O Fórum cobra que a maior corte do país avalie as pesquisas e reflexões que comprovam como a terceirização precariza, adoece e mata os trabalhadores, jogando contra os índices de competitividade e produtividade, conforme destaca o documento final do encontro.
A preocupação direcionada ao STF se deve ao fato de a instância estar prestes a decidir sobre repercussão geral referente a ação movida pela empresa Celulose Nipo Brasileira. A companhia foi condenada pela Justiça do Trabalho por terceirizar a atividade-fim, algo proibido no país. A definição do Supremo passará a referendar os demais julgamentos sobre o tema.
O Fórum também cobrará da presidenta Dilma Rousseff a aprovação da proposta consensuada entre as centrais e que se transformou no Projeto de Lei 1621/2007, do deputado federal Vicentinho (PT-SP), atualmente parado na Casa Civil.
O texto é baseado em cinco premissas: proibição da terceirização na atividade-fim, da intermediação da mão de obra e da subcontratação, além da responsabilidade solidária por parte da tomadora de serviços e da garantia de informação para os sindicatos em caso de terceirização
Central em ação
Secretária de Relações do Trabalho da CUT, Maria das Graças Costa, destacou que a Central tem atuado na frente jurídica, preparando-se para intervir no STF, e na segunda política, como quando entregou a Plataforma da Classe Trabalhadora à candidata à presidência, Dilma Rousseff, no dia 31 de julho. De acordo com a dirigente, a Central aproveitará o período eleitoral e de negociação com os patrões para levar a discussão às bases.
“Devemos retornar aos nossos estados e às nossas cidades para colocar no canto da parede nossos candidatos e fazer com que se comprometam com essas propostas que defendemos aqui. Implementar essas ações deve ser nossa prioridade absoluta e a CUT também dialogará com as categorias para que levem essas lutas às bases por meio das campanhas salariais”, defendeu.
Ao também citar o PL defendido por Vicentinho, a economista do Dieese, Patrícia Pelatieri apontou que as centrais têm proposta e cobrou que sejam ouvidas pelo Supremo.
“No último registro do Ministério do Trabalho, as centrais representavam 33 milhões de trabalhadores. Não é possível numa democracia representantes de tantas pessoas serem desconsiderados num debate tão importante. Tudo leva a crer que teremos de negociar, denunciar e mobilizar ainda mais”, defendeu.
Patrícia desmentiu ainda a alegação de muitos empresários, segundo a qual as condições dos terceirizados é pior porque estão em empresas menores e possuem menor escolaridade. Segundo ela, mais de 50% atuam em companhias com mais de 100 empregados e 50,15% possuem ao menos o ensino médio completo.
Radiografia da precarização
Nas mesas desse segundo dia dirigentes sindicais, peritos e magistrados relataram e trouxeram dados para mostrar como a terceirização é sinônimo de retirada de direitos.
Pesquisador e auditor fiscal do trabalho, Vitor Filgueiras destacou dois pontos: o trabalho escravo e as mortes e acidentes.
Em relação ao primeiro ponto, nos quatro últimos anos, 90% dos 10 maiores resgates de trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravos eram terceirizados.
Ele vai além. Para fugir da tentativa do setor patronal alegar que a pesquisa abrange apenas a “má” terceirização, Filgueiras avalia o resgate entre os formalizados, com carteira assinada. Nessa situação, os oito maiores casos com totalidade de trabalhadores formais tinha todos terceirizados em seus quadros.
O paralelo com os acidentes de trabalho é semelhante. No setor da construção, campeão em acidentes fatais, observa-se que na área de construção de edifícios, onde o percentual de mortos é duas vezes superior à média do mercado de trabalho 135 trabalhadores foram mortos em 2013, 75 deles terceirizados. Em obras de acabamento, com 2.32 vezes mais incidência de fatalidades, foram 20 trabalhadores mortos, sendo 18 terceirizados. E em obras de terraplanagem, que alcança patamar de 3,3 vezes mais chances de acidentes fatais em relação à média do mercado, das 19 mortes, 18 ocorreram entre terceirizados.
Terceirização no sistema financeiro
O diretor de Organização da Contraf-CUT, Miguel Pereira, fez uma apresentação sobre os impactos da terceirização no sistema financeiro, onde as empresas “dizem abertamente que sua atividade-fim é dar lucro e para isso pode terceirizar”.
Miguel explicou que o próprio nome da entidade foi alterado em função das terceirizações. De Confederação Nacional dos Bancários (CNB-CUT), mudou em 2006 para Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), com o propósito de representar as mais de 500 mil pessoas que trabalham nas holdings dos bancos mas não têm a proteção da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) dos bancários.
O dirigente sindical apresentou estudo preparado pelo Dieese para mostrar os impactos nocivos do que chamou de “quinta onda de inovação tecnológica” no sistema financeiro. Com as terceirizações, os bancos “esterilizaram” os ganhos obtidos nas duas últimas décadas, fragmentaram a categoria, reduzindo com isso a capacidade de mobilização dos sindicatos e o conteúdo da negociação coletiva.
Segundo a Pnad, o número de trabalhadores no sistema financeiro aumentou de 586 mil em 2002 para mais de um milhão em 2011 (último censo), mas apenas a metade está incluída na Convenção Coletiva dos bancários. “Consideramos que esses terceirizados são bancários informais, porque ganham menos, trabalham mais e muitas vezes não têm nem sindicato para representá-los”, disse Miguel Pereira.
Com isso, o índice de sindicalização no sistema caiu de 50% para 36% nesse período. Sindicatos de bancários são réus em casos de interditos proibitórios por lutarem em defesa de bancários terceirizados, sob alegação da empresa que não poderiam atuar pela categoria. Nesse momento, Miguel fez uma critica aos magistrados. “Se estamos entre representantes do Judiciário, é importante que discutamos isso para apararmos nossas arestas”, apontou Miguel.
Além desses terceirizados que realizam o trabalho de bancários sem receberem os mesmos benefícios, há ainda os correspondentes bancários, mini agências montadas em estabelecimentos comerciais como padarias e mercados. Elas passaram de 36 mil, em 2003, para atuais 405 mil unidades.
Com essa terceirização do atendimento, cada vez mais os bancários são pressionados a atuarem como vendedores de produtos e a baterem metas muitas vezes inatingíveis. Fatores que aumentam o número de doenças psíquicas, relata Miguel. “No último ano, mais de 1.600 trabalhadores foram afastados do trabalho e agora a doença não é mais LER (lesão por esforço repetitivo), mas psicológica por conta da pressão”, explica o diretor da Contraf-CUT.
“Bancários estão morrendo no local de trabalho. Por infarto, em razão da pressão, por suicídio. É um homicídio laboral”, acrescentou.
A situação fica ainda mais dramática se considerar que há participação essencial do Estado no processo, já que os bancos são concessões públicas e é o Banco Central quem emite resoluções sobre o funcionamento do sistema financeiro.
“Temos que articular os atores aqui reunidos, mas temos que ir pra rua, dialogar com os trabalhadores. Estão em risco direitos trabalhistas e sindicais. Isso é luta de classes. Se não compreendermos isso, vamos perder”, convocou Miguel.
Petroleiros
A situação dos petroleiros é parecida com a dos bancários, segundo a exposição feita pelo diretor do Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (Sindipetro), Anselmo Ruoso.
No sistema Petrobras, a proporção é de 360 mil terceirizados para 86 mil contratados diretos, admitidos, segundo, Ruoso, em 98% dos casos, com base em licitações que consideram apenas o menor preço. Trabalhadores, inclusive de setores estratégicos, como a manutenção.
Em outros casos, relata, funcionários do setor administrativo tiveram de pedir demissão da terceirizada anterior para que pudessem ingressar na prestadora de serviço que iria substituí-la na Petrobras, sob pena de perder o emprego.
Falta de identidade
De acordo com pesquisa do Dieese de 2011, os terceirizados realizam uma jornada de trabalho semanal com três a horas a mais em relação aos contratados diretos e enfrentam uma rotatividade também superior (ficam 2,6 anos no mesmo emprego contra 5.8 anos dos contratados diretos).
Para a professora adjunta de Direito do Trabalho na Universidade de Brasília, Gabriela Delgado, essa discriminação gera uma ausência de identidade do terceirizado. “Quem é esse trabalhador? É um metalúrgicos? Um professor? Um químico? Não, é um terceirizado, que não consegue se identificar com uma categoria”, explica.
Para o procurador do Trabalho, Cristiano Paixão, o foco deixa de ser a ascensão profissional e parte para a estabilidade do emprego. “A pergunta é se vai ter o trabalho na próxima semana, se vai receber as verbas rescisórias, se o patrão vai desaparecer. Ou se acontecerá, como vi aqui no DF, de a empresa mandá-lo para casa esperar novo contrato induzindo a pedir demissão.”
A professora Maria da Graça Druck também abordou a questão da identidade e defendeu que o momento é de dar voz a uma categoria historicamente negligenciada. “Perguntamos se gostaria de ser terceirizados e disseram que não, porque sabem que isso é sinônimo de sofrimento, perda de direitos.”
Ciclo de lucro
Ao tratar do adoecimento, a professora Margarida Barreto defendeu que o capitalismo faz a alienação do real com uma capacidade fantástica. Vende por exemplo, a ideia do trabalhador ideal como o mais competitivo, aquele sempre à disposição e apaixonado pelo trabalho. Porém, o que está por trás desse discurso do colaborador, ressalta, é alguém capturado pelo medo, pelos acidentes e pelo sofrimento psíquico.
“O fenômeno das doenças do trabalho não é mais o absenteísmo, mas sim o presenteísmo. As pessoas trabalham com atestado no bolso porque têm medo de perder o emprego”, diz.
Nesse mecanismo, analisa o professor Ricado Antunes, a informalidade deixa de ser exceção para virar regra e a precrarização torna-se a principal consequência desse capitalismo dito flexível.
“A terceirização se torna o principal instrumento de lucro do capitalismo. Primeiro para quem terceiriza e, segundo, para quem contrata os escravos”, critica.
O procurador do Trabalho, Helder Amorim, aborda o lado social da empresa, que deixa de existir com a terceirização total. A “empresa vazia”, termo que emprega, se esquiva da contratação de deficientes porque não atinge o número de trabalhadores exigido. Se esquiva da contratação de jovens aprendizes pela mesma razão. E diminuir o patamar de remuneração dos funcionários, consequentemente, da contribuição social e do financiamento da Previdência. “É uma empresa sem sentido”, define.
Para o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Luiz Philipe Filho, um país baseado na dignidade e no respeito aos direitos humanos não pode abrir mão de impor regras a relações trabalhistas e, portanto, não pode entender a terceirização na atividade-fim como algo comum. “Não acreditamos que se possa construir um país a partir do rebaixamento profissional do ser humano”, definiu.