Seminário aponta omissão das empresas e poder público diante das LER/Dort

Descaso dos empregadores, inexistência de tratamento adequado no SUS e a falta de transparência no INSS são alguns dos problemas vivenciados pelos trabalhadores vítimas de LER/Dort apontados pelos palestrantes, o advogado Luiz Antonio Castagna Maia e a médica Maria Maeno, durante o Seminário Nacional “O contexto do trabalho e suas implicações no acometimento da LER/Dort”, realizado pelo Sindicato dos Bancários de Brasília e pela CUT-DF na quarta-feira, 2 de março.

O evento marcou o Dia Mundial do Combate às Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/Dort), lembrado em 28 de fevereiro. Participaram da mesa de abertura a secretária de Saúde e Condições de Trabalho do Sindicato, Fabiana Uehara, o secretário-geral do entidade, André Nepomuceno, e a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT-DF, Conceição Maria Costa.

Maria Maeno atuou durante dois anos no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de São Paulo (CEREST-SP) e coordenou a equipe que criou o protocolo de LER/Dort utilizado atualmente pelo Ministério da Saúde. Segundo ela, um dos principais problemas dos trabalhadores acometidos pelas LER/Dort é a inexistência, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), de um tratamento integral para esse tipo de doença.

“A pessoa faz algum tratamento psicológico aqui, recebe algum analgésico acolá, mas isso não adianta. Esse tipo de doença não se pode tratar com medidas fragmentadas”, afirmou ela. Maria também destacou a inexistência de políticas, principalmente no setor financeiro, para a reintegração dos trabalhadores ao serviço.

Segundo Maeno, essa situação se mantém a despeito do aumento flagrante na ocorrência das LER/Dort. Ela destaca os dados da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD) do IBGE, de 2008. Naquele ano, a pesquisa incluiu, por determinação do Ministério da Saúde, perguntas relativas às ocorrências de doenças como depressão, tendinite e tenossinovite.

Por meio de um cruzamento de dados, descobriu-se que entre os trabalhadores do ramo financeiro a ocorrência dessas últimas duas doenças era de mais de 8%, muito acima da média das demais categorias profissionais no país.

Somente em 2010, 2.496 pessoas morreram e 13.047 ficaram permanentemente incapacitadas para o trabalho em plena idade produtiva.

“E hoje se sabe que as LER/Dort abrangem um campo de doenças muito maior do que essas duas. É importante notar o contraste entre esse número e o número de benefícios efetivamente concedidos pelo INSS. Para piorar, o INSS não disponibiliza o número total de pessoas que solicitaram o benefício. Isso tudo significa que existem muitos trabalhadores no ramo financeiro que não conseguem obter o benefício ou que continuam trabalhando mesmo doentes”, destacou a médica.

“As LER/Dort, como se sabe hoje, estão intimamente ligadas aos distúrbios psicológicos, que também tiveram um crescimento assustador nos últimos anos. E ambas as ocorrências estão ligadas à organização do trabalho. Com todo o respeito, medidas como ginástica laboral e meditação transcendental não passam de perfumaria. Enquanto não houver uma mudança na organização do trabalho, no sistema de metas abusivas, não há perspectiva de solução para o problema”, frisou a pesquisadora.

Burocracia no SUS

Maia, especialista em direito trabalhista e previdenciário e assessor jurídico do Sindicato, fez um detalhamento acerca dos principais conceitos da sua área de atuação, como o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEp) e a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). “É impressionante como a burocracia do INSS tornou absolutamente complicada a emissão da CAT. Quando ela surgiu, com Getúlio Vargas, era simplesmente um telegrama, comunicando a ocorrência do acidente, para que fosse feita a perícia”, disse o advogado. Mais um problema para quem é acometido pelas LER/Dort.

O advogado também esclareceu as principais mudanças nos processos legais e burocráticos relacionados à saúde do trabalhador, especificamente nos âmbitos do SUS e do INSS. “Antes de 2003, os peritos do INSS eram médicos terceirizados, geralmente algum ‘amigo do rei’. Em 2003 foi realizado concurso para perito. Mas, como a quantidade de peritos não é suficiente, surgiu a possibilidade da alta programada, na qual o perito determina, como que por clarividência, que o trabalhador deverá ter alta dali a um ano, por exemplo”, ironizou.

Ainda segundo ele, há um movimento organizado para obstruir o acesso aos benefícios concedidos pelo instituto. “Criaram-se corporações dentro do INSS, como a dos peritos, que contribuem para injustiçar os trabalhadores. A ponto de o chefe dos peritos ter colocado um outdoor dizendo: ‘Presidente, reduzimos os números de benefícios concedidos. Cadê o nosso aumento?'”, denunciou ele, numa referência à diminuição dos valores pagos com auxílio-doença.

Outro problema apontado pelo advogado é a relutância do órgão em cobrar dos empregadores as pensões devidas ao trabalhador em caso de doença incapacitante. “A lei dispõe que, quando fica provado que a culpa pela doença é do empregador, é ele quem tem que arcar com todos os custos, e não o INSS. Só que o instituto muitas vezes deixa de cobrar esse dinheiro. Quando se fala do rombo do INSS, não se fala desse dinheiro que deixa de entrar”, completa ele.

Ele criticou ainda a forma como os peritos do INSS são instruídos na hora de avaliar um caso específico. “As avaliações do PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), os relatórios do Sesmt (serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho), nada disso vai para o perito. O que chega ao perito é o perfil profissional, que não diz absolutamente nada, que é uma descrição absolutamente burocrática das funções do trabalhador”, finalizou.

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