(Brasília) Pelo menos uma vez por ano, quando se faz o balanço da Previdência Social brasileira, aparecem vozes defendendo novas reformas no sistema previdenciário, essencialmente para reduzir os direitos dos trabalhadores e segurados.
O argumento central que insistentemente se levanta é o déficit crescente da Previdência Social, de R$ 38,2 bilhões em 2005 e que poderá chegar a R$ 43,2 bilhões em 2006. Este comparativo leva em conta, no entanto, somente a arrecadação sobre a folha de salários. Se levarmos em conta somente as contribuições de patrões, autônomos e empregados sobre a folha de salários, em 2005 o INSS arrecadou R$ 108,4 bilhões e pagou R$ 146,8 bilhões em benefícios previdenciários rurais e urbanos. Quem faz esta contabilidade para apontar o déficit da previdência, esquece deliberadamente de parte significativa do balanço, que no final será superavitário.
Seguridade social é superavitária
A Constituição Federal brasileira trabalhou o conceito de seguridade social, que envolve a Previdência Social, a assistência à saúde e a assistência social. E define uma série de tributos para custear estes três pilares: a contribuição sobre a folha de pagamento, a COFINS (Contribuição para financiar a Seguridade Social), a CPMF, a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), PIS/PASEP, além de outras contribuições de menor relevância e das previsões orçamentárias para os ministérios da Saúde, Previdência Social e Desenvolvimento Social. Segundos dados da ANFIP, a Associação Nacional dos Fiscais da Previdência, no ano de 2005, sob este critério, que é o definido pela Constituição, a receita da seguridade social no orçamento da União totalizou R$ 278,1 bilhões.
No lado das despesas, se somarmos os gastos com benefícios previdenciários rurais e urbanos, benefícios assistenciais como aposentadoria por idade, serviços de assistência à saúde, benefícios de transferência de renda como Bolsa Família, custeio do pessoal ativo do Ministério da Previdência Social e INSS, seguro-desemprego, dentre outros, o total em 2005 foi de R$ 221,2 bilhões.
Ou seja, subtraindo todos os gastos com seguridade social no orçamento da União das receitas vinculadas a estes gastos, tivemos em 2005 um superávit de R$ 56,9 bilhões, de acordo com os números da ANFIP. Estes dados podem ser conferidos em estudo disponível do site da entidade (www.anfip.org.br) ou no site da Anapar (www.anapar.com.br).
Em 2007 haverá pressão por reformas
No recente congresso da Anapar, ocorrido em maio último, os participantes decidiram se preparar para os debates sobre reforma da Previdência, anunciados para o próximo ano. Se não houver movimento e pressão dos trabalhadores, é possível que a reforma venha para subtrair direitos dos segurados da previdência pública. A Anapar, em conjunto com outras entidades, participará ativamente destes debates, em defesa dos interesses dos trabalhadores.
As preocupações têm origem nas propostas defendidas pelos mesmos “estudiosos” que apontam o alegado déficit da Previdência Social e quem têm ganho espaço em canais de imprensa. Muitos destes senhores defendem o estabelecimento de idade mínima (60 e 55 anos, para homens e mulheres, respectivamente) para aposentadoria, aumento progressivo desta idade mínima, desvinculação entre o salário mínimo e o piso previdenciário (evidentemente, para evitar ganhos reais para o piso previdenciário de R$ 350), tempo contributivo igual para homens e mulheres (35 anos), fim do regime especial para professores, aumento do piso de idade para aposentadoria por idade. Enfim, um elenco de mudanças para reduzir direitos dos trabalhadores.
Estes mesmos senhores deixam deliberadamente de dar a devida importância a iniciativas da União para aumentar a formalidade no mercado de trabalho (hoje, pouco mais de 50% dos trabalhadores têm carteira assinada e contribuem para o INSS), ao combate às fraudes, à cobrança das empresas inadimplentes com a previdência e outras iniciativas que podem aumentar a arrecadação e melhorar as contas da seguridade social.
Conflito de interesses
Por trás de todo este debate se pode vislumbrar um profundo conflito de interesses. Empresários e seus representantes querem redução da carga tributária, mas que pretendem fazer às custas de menor assistência e menos garantias a milhões de cidadãos, sobretudo os de menor renda. De outro, os trabalhadores e aposentados que, desprezados pelo Estado brasileiro nos últimos quinhentos anos, agora dão início a uma apropriação maior da renda brasileira, sobretudo por mecanismos como melhoria nos acordos salariais, aumento real no salário mínimo e políticas públicas de transferência de renda e melhorias nos serviços públicos de educação, saúde e assistência social, dentre outros.
Este conflito provavelmente não será explicitado no debate eleitoral de 2006 mas terá grande importância em 2007 e exigirá muito envolvimento dos trabalhadores e suas entidades de classe.
Fonte: Anapar