Santander diz que quer mais clientes, após perda com integração do Real

Carolina Mandl e Vanessa Adachi
Valor Econômico | São Paulo

Seu português é acima da média – para um espanhol. Talvez porque, embora tenha substituído Fabio Barbosa na presidência do Santander Brasil há pouco menos de um ano, Marcial Portela Álvarez é galego, onde o dialeto falado aproxima-se do português, e possui ligações mais antigas com o Brasil. “Estou em contato com o Brasil nos últimos 25 anos. Minha família tem imigração para o Rio de Janeiro e sempre tive o Brasil como uma referência, desde criança”, diz, descontraidamente, sentado em sua sala envidraçada, no 28º andar da sede do Santander em São Paulo.

Mesmo antes de ocupar a cadeira de presidente, Portela já era o responsável, no grupo, por supervisionar a operação brasileira. E suas visitas ao país tornaram-se mais constantes depois que o Santander comprou a operação brasileira do ABN-Amro Real, em 2009. O homem escalado por Emilio Botín, o todo-poderoso presidente do conselho, para colocar no prumo uma das subsidiárias mais promissoras do grupo, quase sempre é direto em suas respostas, mesmo quando o tema evidencia uma fraqueza do banco que preside.

De modo afável e sorridente, em sua primeira entrevista exclusiva, depois de quase 11 meses no cargo, Portela explicou os motivos da troca de comando, admitiu que os ruídos da integração com o Real levou à perda de clientes e disse que ainda levará algum tempo para que o banco “volte para onde deveria ter estado”.

Valor: Por que foi feita a troca de comando do banco um ano atrás, com a saída de Fabio Barbosa da presidência?

Marcial Portela Álvarez : A saída do Fabio foi uma decisão pessoal. Fabio falava que tinha uma agenda que era impossível e que precisava ter mais tempo para atividades de que ele gostava. Falei com o presidente [Emilio] Botín [do conselho] e com Alfredo Sáenz, que é o presidente do grupo e tive a encomenda de achar três candidatos. Cada candidato tinha vantagens e desvantagens. Eu não estava na lista. Um dia em um voo a Brasília para uma entrevista com o presidente Lula, ainda em outubro ou novembro [de 2010], Botín falou: acho que deveria ser você. Pensei que para o banco era a solução mais prática. Minhas filhas ficam na Espanha e minha esposa estava aberta à possibilidade de vir para São Paulo. Então falei que por um tempo razoável eu poderia vir.

Valor: Esses três candidatos eram brasileiros?

Portela : Nenhum era brasileiro. Eram do grupo.

Valor: E quanto é um tempo razoável?

Portela : Emilio Botín tem 77 anos e considera que nós todos somos muito jovens. Mas é o tempo preciso para colocar o banco num patamar adequado. Para fazer uma troca [de comando] razoável.

Valor: E para encontrar uma outra pessoa…

Portela : Claro. Mas um time não é um jogador. Mais importante do que o [Lionel] Messi, é o time do Barcelona.

Valor: E a sua substituição, quando houver, será por alguém espanhol ou daqui?

Portela : Não há restrição. Na Polônia, o presidente é polonês, no Chile, é chileno, no México, é mexicano. O grupo gosta que a pessoa que vai ser presidente em um país importante conheça bem o grupo. Dentro do modelo do Santander, que é de mais interação [entre matriz e subsidiária], se você não conhece bem Madri, é difícil encontrar soluções para problemas.

Valor: Muita gente achava que o sucessor natural de Fabio Barbosa seria José Berenguer, vice-presidente. Ele foi colocado para comandar o varejo, que não conhecia. Dá para pensar que está sendo preparado?

Portela : Diria que não dá para pensar, mas poderia ser. De fora, as interpretações estão longe da realidade. Por que o Berenguer está no varejo? Eu queria fazer um ‘shake up’. Na minha experiência de integração de duas culturas fortes, você tem basicamente duas situações: você entra no banco passa o rolo compressor sobre o comprado, tira toda a equipe. Aqui era mais complexo. Tinha o Santander, que era um banco com qualidades e ativos positivos, e o banco Real, que era um pouco melhor e que tinha ativos que o Santander não queria perder. Fabio foi a pessoa que teve de sofrer, colocar os dois bancos em paralelo e ir integrando. Na administração central, onde está o poder do banco, você sempre tem visões que são muito discrepantes entre um banco e outro. Se não quer matar desde o início porque julga que tem valores que não quer perder, tem que conviver com as visões em conflito. Quando tem isso por três anos, corre o risco de as posições se cristalizarem muito. É muito difícil integrá-las depois. A melhor coisa que você pode fazer é um ‘shake up’ na direção. Berenguer pode ser uma pessoa para a sucessão? Pode ser, tem muitas características. Mas não tem nada a ver [o fato de ele estar à frente do varejo]. Eu gostaria que meu sucessor fosse brasileiro. Seria melhor para o banco. Porque se não é brasileiro e não é uma pessoa como eu, que sou menos espanhol e mais brasileiro…

Matriz x subsidiária

Valor: Qual é a situação do Santander na Espanha? Os bancos europeus estão em uma situação delicada… E o que poderia acontecer em um cenário de mais estresse?

Portela : Primeiro, nós, como subsidiária, temos um modelo de independência total, financeira, enquanto liquidez e capital. Falando recentemente com [Alexandre] Tombini, presidente do Banco Central, ele me falava que está propondo que Basileia assuma o modelo que tem o Santander, com subsidiárias, diferente da pretensão alemã, que é um modelo de agências. Botín sempre quis ter esse modelo de subsidiárias cotadas em bolsa. Temos três princípios básicos para as subsidiárias. Um é o ‘self-funding’. A única coisa que o Santander vinha fazendo no passado [antes de a crise encarecer as linhas para os bancos europeus] é dar linhas, da matriz para a subsidiária. Mas não o contrário. Os outros dois princípios são autonomia financeira e estarmos focados em ativos brasileiros, do país. O nível de funding da casa matriz é de US$ 700 milhões, não é nada, porque temos um balanço de R$ 450 bilhões [em ativos]. No passado, já foi mais elevado. Alguns jornais falam que o Santander Brasil envia liquidez para a Espanha, o que é absurdo. A lei brasileira proíbe, é crime do colarinho branco. O único relacionamento financeiro que temos é quando pagamos o dividendo para a matriz ou para os minoritários. Podemos distribuir até 95% do lucro pela regra brasileira e 50% em IFRS.

Valor: É bastante dividendo, mas o banco aqui não precisa de capital…

Portela : Não. E com isso capitalizamos o banco [matriz] um pouco mais a cada ano.

Valor: Não há envio de liquidez, mas o banco tem feito a venda de ações das subsidiárias que excedem o controle acionário, num esforço para aumentar a capitalização da matriz. Por isso o temor dos investidores é o quanto o Santander pode usar as subsidiárias para se fortalecer sem ser necessariamente o melhor para elas…

Portela : Se o Santander decidisse amanhã colocar 25% a mais do Santander Brasil no mercado, para nós, não muda nada. Teríamos mais investidores, a ação teria mais liquidez. O Santander é o banco da Europa que está melhor capitalizado, junto com o HSBC. Nos testes da EBA (autoridade bancária europeia), é o banco que resiste melhor a uma situação de crises extremas, continuaria a gerar resultados positivos. É [coisa do] Botín também. Ele quer chegar a dezembro com um nível de 9% de capital e 10% em junho. Ele não quer correr perigo de necessidade de ajuda pública.

Valor: E como vai se chegar aos 10%?

Portela : Algumas decisões têm a ver com desinvestimento, como é o caso do Chile. A saída da Colômbia foi instrumental. O posicionamento do Santander é que não posso ter uma fatia de mercado de 10% ou 15%, não quero continuar nesse mercado. Preciso que o país tenha população e quero ter uma fatia que me permita rentabilizar. Eu tirei o banco do Paraguai, primeiro o Santander e depois o ABN. Não é a Holanda, não dá para fazer varejo. Tiramos o banco da Venezuela porque não tem distribuição de renda.

Valor: Tem outros países em que o Santander ainda pode vender?

Portela : No Chile temos um posicionamento muito bom, no México, somos o terceiro banco e no Brasil, estamos com posicionamento muito bom. De onde queríamos sair nos últimos cinco anos, já saímos.

Banco não vende Brasil

Valor: No Brasil, estão com excedente de capital acionário, mas os preços das ações não estão bons.

Portela : Não…

Valor: A matriz poderia vender uma fatia aqui?

Portela : A matriz está vendendo aqui. Tentaremos colocar em 2012, antes da data com a CVM, os 25% de ‘free float’.

Valor: Adicional a isso, tem mais alguma coisa?

Portela : Não, no Brasil não vamos vender mais do que 25%.

Valor: Por causa do preço?

Portela : Não, porque é um ativo estratégico. Representa 25% do lucro do grupo. E tende a ser mais.

Desempenho pior

Valor: O banco está sendo negociado em bolsa aqui abaixo do valor patrimonial. A que o senhor atribui isso?

Portela : Tem várias explicações. A primeira é que a performance do banco foi pior do que era a expectativa comunicada no IPO.

Valor: Mas o problema então é a comunicação que foi feita no IPO?

Portela : Você faz perguntas desconfortáveis. Não gostaria de responder diretamente. O que foi comunicado no IPO não foi cumprido na realidade e o investidor não fica feliz. A liquidez da nossa ação é maior do que deveria ser para o ‘free float’ que temos. Nos momentos de crise, o investidor vai ao ativo mais líquido [para vender e fazer caixa]. Terceiro é que todos os bancos têm sofrido nos últimos meses, estão 20%, 30% abaixo. E somos uma ação mais jovem [na bolsa], não tem histórico.

Valor: E os outros bancos não são europeus, que é o foco da crise…

Portela : Sim… É um conjunto de coisas. Estamos com um trabalho muito sério, preparando um banco comercial bem forte, acho que algum indícios já existem de que o banco inicia uma trilha diferente. Não vou falar para o investidor que tudo vai ser resolvido em um mês. O investidor pode fazer duas coisas: acreditar que isso vai ser feito e continuar ou buscar outro [banco para comprar ações]. Onde há 50 mil pessoas que têm de ser reorientadas para trabalhar no mesmo direcionamento, leva tempo.

Valor: E o que o senhor considera que ainda falta para o banco?

Portela : Tudo o que é importante está sendo feito. Uma boa parte está sendo finalizado até dezembro. Tivemos problemas com a integração tecnológica durante quatro, seis meses. Problemas que não eram do software da integração, que eram mais da gestão da mudança.

Valor: Mas foi só isso? Clientes tentavam entrar no site e não conseguiam…

Portela : O problema não era de software, era mais da mudança [o cliente não estava acostumado com o novo site]. Você colapsava o sistema porque precisava entrar a todo instante. Sobrecarregava tentando entrar dez vezes. Quero esperar quatro, seis meses para ver as pesquisas de satisfação de clientes. Mas ainda vai demorar um pouco mais de tempo. Quanto? Não sei. Seis meses mais…

Valor: Para que?

Portela : Para que o banco volte para onde deveria ter estado. Parte dos problemas desse período foram típicos das integrações, que são de cultura.

Meta
Valor: Mas qual é a meta do banco? Em maio de 2010 Fabio Barbosa dizia em entrevista ao Valor que não seria mais o maior banco porque teria o Itaú Unibanco pela frente. Mas dizia que a meta era até 2013 ser o melhor e também que teria condições de crescer mais do que a concorrência, porque havia capital. E o banco não está crescendo mais do que a concorrência.

Portela : Ainda não tem essa percepção, mas está crescendo um pouco acima.

Valor: É intenção do banco crescer mais do que a concorrência?

Portela : Nosso patamar mínimo é crescer igual aos concorrentes, ao sistema. A aspiração é crescer bem. Crescer em crédito é fácil, rapidinho. Mas crescer bem em crédito demora um pouco mais.

Valor: E chegar onde? Qual é a meta?

Portela : Nosso objetivo primeiro é de satisfação do cliente, de ser o primeiro banco dos clientes. Mas se eu tivesse que colocar isso em termos de participação de mercado, seria nos próximos quatro, cinco anos ter dois pontos percentuais a mais.

Valor: Quanto é hoje?

Portela : Pouco abaixo de 10%.

Valor: Crescer tirando dos concorrentes?

Portela : Um pouco. Mas não precisa tanto. Eles vão crescer muito bem também, não têm problema de capital. Mas uma parte abaixo dos cinco maiores bancos, que têm 70%, 75% do sistema bancário, vai ter muita dificuldade para não perder participação de mercado.

Valor: O banco olha outros ativos no Brasil?

Portela : Sim. Eu queria alguma aquisição no Brasil, mas não tem muita coisa porque em seguros somos um distribuidor, não somos seguradores. Teria ativo para comprar se fôssemos seguradores.

Insatisfação de clientes
Valor: O banco tem registro de queixas dos clientes hoje? Como está isso historicamente?

Portela : Estamos piores do que antes da integração. Em termos do Banco Central ou do Procon, das reclamações que chegam lá, o número é maior. Tem muito a ver com os problemas da integração e também com o que eu falava dos distintos jeitos de trabalhar nos sistemas novos, que são mais rígidos. Nos sistemas antigos, o gerente dava uma solução, podia mexer algo.

Valor: Mas há perda de cliente por causa disso?

Portela : Perdemos clientes durante os meses da integração. Mas conquistamos algumas folhas de pagamento. O saldo líquido é o mesmo do início do ano. Mas isso é normal em integração. Na minha avaliação, nossa integração foi uma maravilha. Já vivi múltiplas integrações e nossos problemas aqui foram bem pequenos. O consumidor no Brasil tem nível de exigência mais elevado do que em outros países, inclusive de bancos maduros da Europa.

Valor: Reconhecida a insatisfação do cliente, tem um plano para reverter?

Portela : Sim. Acredito que em 2012 o banco vai estar em um patamar muito bom. Desde maio tem uma área de qualidade, de serviços, independente e que responde diretamente a mim. É uma voz crítica que utiliza pesquisas para falar.

Valor: Para 2012 a intenção é aumentar a base de clientes?

Portela : Sim, forte.

Valor: Forte quanto?

Portela : Um milhão de clientes, para uma base atual de 9 a 9,5 milhões.

Valor: E na parte de crédito, qual é a pretensão de vocês?

Portela : É crescer bem forte. Deveria ser um ano melhor para nós porque não temos toda a problemática. Agora temos os sistemas, os meios, as pessoas, as áreas de riscos para continuar um crescimento acelerado. Sobre a base do quadro macroeconômico para o Brasil, de crescimento entre 3% e 4% do PIB, também juros mais baixos, imagino que o crédito poderia crescer um pouco acima da expectativa do mercado, que fala em torno de 15%. Eu imagino 18%. Do mercado como um todo.

Valor: E o Santander?

Portela : Deveríamos crescer um pouco mais. Mas não fornecemos “guidance”.

Valor: E em termos de posicionamento do banco? Recentemente o Itaú disse que é um banco urbano, das grandes cidades. O Bradesco disse que é o banco de todas as cidades. E o Santander?

Portela : Somos o banco de todos os brasileiros. Queremos acompanhar o país no crescimento fantástico que tem. A oportunidade que tem o país é incrível. No ano de 2014 vai ter 150 milhões de pessoas na classe média ou mais. Esses 150 milhões vão precisar de muitos serviços financeiros.

Agências

Valor: Havia o plano de abrir 600 agências em quatro anos? Como está?

Portela : Está indo no patamar previsto, mas na parte baixa. São 100 ou 120 por ano. Neste ano, nominalmente serão 170, mas tem parte que era do ano passado. Vamos abrir menos que as 600 nesse período de tempo, mas em cinco anos e meio, a contar do fim de 2009, serão 600.

Crise europeia

Valor: E a Europa, o que o senhor vê como provável desfecho por lá?

Portela: Na Europa, o primeiro problema hoje é de liderança política, nem é econômica. A falta de liderança política foi o que permitiu que a crise fosse aprofundada. A saída da Europa deve vir de um ponto intermediário entre o modelo dos Estados Unidos, de mais liquidez sem preocupar-se hoje com a inflação, e a tese alemã, mais fiscal. Não acredito que o euro vai desaparecer. O mundo precisa de uma moeda forte.

Valor: Nem a saída de algum país do euro?

Portela: Acho que tem baixa probabilidade.

Compartilhe:

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no telegram
Telegram