A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) participou da audiência pública promovida pela Comissão do Trabalho, Administração e Serviços Públicos (Ctasp) da Câmara dos Deputados que debateu a Indústria 4.0, na terça-feira (10). A atividade foi de iniciativa do deputado federal Carlos Veras (PT-PE).
“É certo que há eventuais benefícios das novas tecnologias na produtividade e na diminuição dos custos, mas temos que refletir sobre os novos impactos causados na segurança e na saúde dos trabalhadores, além dos impactos no aumento dos níveis de desemprego e eventualmente de uma grande convulsão social advinda de uma massa de pessoas excluídas, na perspectiva das dificuldades de serem inseridas num contexto altamente tecnológico”, avalia o secretário de Relações do Trabalho da Contraf-CUT, Jefferson Meira (Jefão).
O diretor da Fetec-CUT/CN André Nepomuceno reproduziu o que, segundo ele, ouviu mais cedo de um filósofo professor da USP dizendo que não dá mais para se pensar em restaurar “o que veio antes desta conjuntura” (de supressão de direitos), extremamente nociva aos trabalhadores e à sociedade brasileira, e questionou se terá volta o que chamou de “universo do emprego”.
Nepomuceno também levantou a questão sobre a viabilidade de o movimento sindical e outros movimentos sociais partirem para a reivindicação direta de estabelecimento de rendas mínimas para essas novas modalidades de trabalho.
Para o presidente da CUT Brasília, Rodrigo Britto, o problema não está no avanço tecnológico, mas na forma como essa tecnologia é utilizada. “Utilizamos a tecnologia para garantir mais qualidade de vida aos trabalhadores ou utilizamos a tecnologia para garantir mais lucratividade ao grande capital?”, questionou.
Impactos
“Desenvolvida para gerar um novo salto tecnológico no mundo produtivo, a partir do crescimento exponencial das novas tecnologias de informação e comunicação, a Indústria 4.0 pode ser devastadora para a classe trabalhadora”, afirmou o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ricardo Antunes.
Segundo o professor, a Indústria 4.0 atua na intensificação dos processos produtivos automatizados em toda a cadeia produtiva geradora de valor, como indústrias, serviços, agricultura, agroindústria, “de modo que a produção e a logística empresarial sejam controladas e comandadas digitalmente em todos os espaços onde isso for possível, e economicamente vantajoso para os capitais”, afirmou.
Um dos exemplos apontados por Antunes foi a Uber, crescentemente utilizada no Brasil como “alternativa” ao desemprego e flagrantemente geradora de precarização das relações de trabalho. “A plataforma se apropria da força de trabalho gerada pelos serviços dos motoristas sem que se contemple os deveres trabalhistas vigentes nos países onde a plataforma opera”, denunciou.
Segundo ele, é importante que “nós, enquanto classe, uma vez que somos oprimidos, estejamos disputando a consciência crítica do conjunto da sociedade para que, enquanto povo, reajamos a toda essa exploração e medidas autoritárias e nefastas que estão usurpando nossos direitos e levando a população brasileira para a miséria”.
Escravidão digital
Outro ponto abordado pelo professor Ricardo Antunes diz respeito ao “zero hour contract”, ou seja, “contrato de zero hora”. Segundo ele, é uma modalidade de trabalho com enorme crescimento global e que se estrutura a partir de um amplo contingente de trabalhadores e trabalhadoras das mais diversas atividades que ficam à disposição de uma plataforma.
“Vou me ater às grandes plataformas que são, para mim, a forma prévia da Indústria 4.0. Eles (trabalhadores) ficam esperando uma chamada, e quando a recebem, ganham estritamente pelo que fizeram, nada percebendo pelo tempo que ficaram à espera da solicitação. Se eu fico dois dias esperando uma chamada e não vem chamada nenhuma, eu sou um escravo à disposição do meu senhor, que é o equipamento digital”, lamentou Antunes.
Divisão do trabalho
O representante do Dieese Max Leno de Almeida chamou a atenção para a presença da divisão internacional do trabalho no contexto da Indústria 4.0. “Cada vez mais empresas estão procurando lugares onde a produção seja efetuada a custo cada vez menores. Conceito advindo justamente desse desdobramento da globalização de fato, no âmbito das próprias empresas, e de própria produção contemporânea”.
Max Leno destacou o papel dos sindicatos nesse processo. “Os sindicatos têm que ser preservados do ponto de vista da sua atuação social, mas alguns ingredientes novos acabam surgindo de tal maneira que eles intensifiquem ainda mais sua relevância social, que é entender tudo isso que está acontecendo, de que maneira ele vai ser representado dentro desse processo”, apontou. Fonte: Contraf-CUT, com agências