Revelações de conversas quebram encanto da Veja por Moro

Revista que sempre apoiou o ex-juiz, fecha parceria com The Intercept e publica as os diálogos mais comprometedores até agora

A situação do ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, vai de mal a pior. A série de reportagens que atacou diretamente a boa imagem dele perante parte da população, tem seu capítulo mais grave nesta sexta-feira (5). A Revista Veja, publicação conhecida por apoiar a Operação Lava-Jato, reserva a sua capa da semana para destacar que Moro abandonou a imparcialidade requerida para a função e atuou ao lado da acusação. O próprio editorial da revista reconhece que, nos últimos anos, tratou Moro como “herói nacional”. Agora, após ter tido acesso ao arquivo com mensagens trocadas por Moro com o procurador Deltan Dallagnol, afirmam que os processos comandados pelo então juiz não se deram de acordo com a lei.

O editorial da Veja também refuta a estratégia cínica que vem sendo empregada por Moro, Dallagnol e os demais procuradores da Lava Jato de insinuar que o material publicado pode ser editado ou falso – sem nunca apontar exatamente onde estariam as adulterações.

“As revelações enfraqueceram a imagem de correção absoluta do atual ministro de Jair Bolsonaro e podem até anular sentenças”, diz o editorial da revista. A reportagem mostra Moro pedindo a procurados a inclusão de provas nos processos, mandando acelerar ou retardar operações e fazendo pressão para travar o andamento de determinadas delações.

“Além disso, revelam os diálogos, comportou-se como chefe do Ministério Público Federal, posição incompatível com a neutralidade exigida de um magistrado. Na privacidade dos chats, Moro revisou peças dos procuradores e até dava bronca neles”, diz trecho da reportagem publicada nesta sexta-feira (5), disponível também online.

Para o The Intercept, a parceria com a Veja traz mais credibilidade ao material, assim como o Intercept e a Folha de S.Paulo (também parceira na Vaza Jato), os repórteres da Veja passaram semanas investigando e analisando jornalisticamente o material, e confirmaram sua autenticidade: “A reportagem desta edição é a primeira em parceria com o The Intercept Brasil. Comandados pelo redator-chefe Sergio Ruiz Luz, nossos repórteres continuam vasculhando a enorme quantidade de diálogos e áudios trocados entre procuradores e o juiz Sergio Moro. Assim como a Folha de São Paulo, também parceira do site, analisamos dezenas de mensagens trocadas entre membros do nosso time ao longo dos anos e os procuradores. Todas as comunicações são verdadeiras — palavra por palavra (o que revela fortíssimos indícios de veracidade do conjunto).”

As conversas inéditas entre Moro e o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, assim como conversas entre procuradores da operação – algumas das mais incriminadoras até aqui – demonstram que os desvios de Moro não eram eventuais, mas, nas palavras da Veja, revelam de “forma cabal como Sergio Moro exorbitava de suas funções de juiz, comandando as ações dos procuradores na Lava Jato.” Em suma, “as comunicações analisadas pela equipe são verdadeiras e a apuração mostra que o caso é ainda mais grave.”

O jornalista Gleen Greenwald, editor do site The Intercep Brasil, destacou que o “novo ponto chave” da reportagem, feita em parceria com a revista Veja, sobre o direcionamento e manipulação dos processos da Lava Jato pelo ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, está no fato de que “os atos corruptos de Moro não eram isolados ou episódicos, mas contínuos e crônicos”.

O jornalista também ressalta que a “Carta ao Leitor” da revista “é, por si só, extraordinária”, uma vez que “explica porque – após 4 anos de apoio a Moro – agora percebem que é seu dever jornalístico dizer a verdade: que Moro era o oposto da imagem que ele e a mídia passaram anos construindo”, afirma em referência ao apoio os grupos de mídia tradicionais que apoiaram os desvios da operação e ajudaram a construir a imagem de Moro que acabou por levá-lo ao Ministério da Justiça.

Jornalistas defendem o colega

As supostas ações de intimidação do ministro da Justiça contra o site The Intercept Brasil provocaram reações de jornalistas brasileiros e estrangeiros. Entidades e organismos internacionais também se manifestaram contra o que classificam como ameaça à liberdade de imprensa.

Para a jornalista Eliane Brum, colunista do jornal El País Brasil, se confirmadas as suspeitas sobre a tentativa de Moro de intimidar Greenwald, seria “um total, inacreditável abuso de poder” e “um dos maiores ataques à liberdade de imprensa já feitos, um “escândalo só visto nos governos mais autoritários do mundo”.

O jornalista Kennedy Alencar também afirmou, na rádio CBN, que Moro “tangenciou” sobre o tema, alegando independência da PF. “Se for uma investigação para retaliar e incomodar Greenwald, é um ataque à liberdade de imprensa. Por isso, são necessárias explicações sobre os fundamentos para uma investigação direcionada contra o jornalista americano que vive e trabalha no Brasil.”

Ilegalidades marcaram a carreira de Moro

A suspeição sobre a imparcialidade do juiz Sergio Moro não é exclusiva do trabalho realizado na Operação Lava Jato. A atuação do atual ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro foi alvo de procedimentos administrativos tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo menos desde 2005, segundo apurou o site especializado Consultor Jurídico.

A conduta de Moro foi investigada por ser considerada parcial e até incompatível com o Código de Ética da Magistratura. Os procedimentos correram sob sigilo e foram todos arquivados.

Há casos como o que ele mandou a Polícia Federal oficiar a todas as companhias aéreas para saber os voos em que os advogados de um investigado estavam. Ou ainda quando ele determinou a gravação de vídeos de conversas de presos com advogados e até familiares por causa da presença de traficantes no presídio federal de Catanduvas (PR).

Para a advogada Tânia Mandarino, integrante do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia, os relatos sobre a atuação parcial de Moro são “coisa que a gente sabe faz tempo”.

Ilegalidades continuam no Ministério

Mesmo na sua nova função, ministro da Justiça e da Segurança, Sério Moro, continua ultrapassando os limites, como mostra a coluna de Rubens Valentes, na Folha de São Paulo, nesta sexta-feira (5). “Em entrevista coletiva no Japão, no dia 28, Jair Bolsonaro disse que o ministro Sergio Moro lhe deu acesso privilegiado a dados do inquérito sobre os laranjas do PSL: ‘Ele [Moro] mandou a cópia do que foi investigado pela Polícia Federal pra mim. Mandei um assessor meu ler porque eu não tive tempo de ler’.”

Ocorre que a investigação tramita sob segredo na 26ª Zona Eleitoral de Minas Gerais, revela o colunista. “Surgem aqui dúvidas éticas e legais. Bolsonaro foi além. Revelou que “determinou” a Moro, que por sua vez iria “determinar” à PF, que “investigue todos os partidos” com problemas semelhantes. ‘Tem que valer para todo mundo, não ficar fazendo pressão em cima do PSL para tentar me atingir.’”

Compartilhe:

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no telegram
Telegram