Arícia Martins
Valor Econômico
Pela primeira vez desde 2008, o rendimento real dos trabalhadores com carteira assinada na iniciativa privada cresce com mais força do que no setor informal. Entre janeiro e setembro de 2012, o ganho médio dos profissionais formalizados nas seis principais regiões metropolitanas do país foi de 3,5% sobre o mesmo período do ano passado, descontada a inflação.
Na mesma comparação, os salários reais de empregados sem registro em carteira avançaram apenas 0,8%, tendência inversa à observada nos últimos anos, quando a política de valorização do salário mínimo sustentava altas robustas nesse segmento.
Para economistas, o principal fator por trás dessa mudança recente é o mesmo que proporcionou o salto de 39% no rendimento médio real dos trabalhadores sem carteira entre 2003 e 2011: com o recuo da informalidade no mercado de trabalho, salários na base da pirâmide e indexados ao mínimo foram incorporados ao universo dos profissionais com carteira assinada, o que puxou para cima a variação dos vencimentos nesse grupo. Reforça essa análise o aumento da participação de funcionários registrados em setores da economia nos quais o piso nacional ainda é referência importante.
Fabio Romão, economista da LCA Consultores, observa que, entre setembro de 2004 e igual mês deste ano, o percentual de trabalhadores formais no ramo de serviços prestados a empresas passou de 57,4% para 71%. No setor de outros serviços (nos quais estão hotéis e serviços pessoais, entre outros), o avanço foi menos intenso, mas também acentuado, de 42,2% para 50,6%.
Os dados são da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE. “A base dos trabalhadores formais se alargou e esse ramo acabou incorporando muitas pessoas que têm rendimento menor, mas indexado ao mínimo”, diz.
Em janeiro, o piso nacional foi reajustado para R$ 622, o que representou aumento real de 7,5%, elevação que, segundo Romão, foi mais absorvida neste ano pelo mercado formal do que pelo informal, com exceção dos trabalhadores domésticos – nesse setor, profissionais registrados eram apenas 2,6% do total em setembro.
O analista da LCA nota que, de janeiro e setembro frente igual período de 2011, o rendimento médio real no total dos serviços (incluindo serviços prestados a empresas, serviços domésticos e outros serviços) subiu 3,9%, praticamente o mesmo índice alcançado pela média dos ocupados, de 4%.
A partir de dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o diretor técnico da entidade, Clemente Ganz Lúcio, aponta que os últimos meses foram marcados por aceleração no ritmo de contratação de trabalhadores sem carteira. No segmento formal, com a baixa taxa de desemprego e os altos custos em demitir funcionários, há “um certo travamento”, de acordo com Lúcio.
O diretor do Dieese avalia que o setor informal é mais afetado em períodos de desaceleração da atividade. Com a expectativa de retomada na virada da primeira para a segunda metade do ano, diz, as empresas, com destaque para a indústria, preferiram manter a mão de obra qualificada, o que não ocorreu em setores que não exigem treinamento específico.
Além de a rotatividade maior ter prejudicado os rendimentos dos informais, Lúcio acredita que o reajuste do mínimo pode ter influenciado mais a renda dos empregados com carteira este ano, tendo em vista a maior base de trabalhadores formais no mercado. “Em São Paulo, o peso do mínimo como indexador é pequeno, mas nas outras regiões é relevante.”
Com a queda de mais de seis pontos percentuais da taxa de desemprego entre 2003 e 2011, já era esperado que em algum momento a tendência histórica de aumentos reais mais robustos no setor informal fosse revertida, diz Elton Casagrande, professor do departamento de economia da Unesp Araraquara. A maior dificuldade em conseguir mão de obra, em sua visão, estimula empresas a registrar seus funcionários.
Para Casagrande, o reajuste maior nos vencimentos de funcionários com carteira assinada é “uma clara evidência” de melhoria do mercado de trabalho, mas não é certo que essa trajetória continue nos próximos anos. Corrigido pelo IPCA do ano anterior e pela expansão do PIB de dois anos antes, o mínimo terá reajuste real muito mais magro em 2013 do que em 2012, o que pode tirar fôlego da renda, tanto de informais como formais.
“Esse movimento pode ser bem pontual”, diz Ana Luiza Barbosa, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Com a participação cada vez maior de profissionais qualificados na força de trabalho e a saída de pessoas do setor informal para o formal, a economista acredita que a demanda por trabalhadores para preencher vagas que exijam pouco estudo seguirá crescendo acima da oferta, o que aumenta o poder de barganha desses funcionários e puxa remunerações para cima.