Em mais de 800 páginas, 42 especialistas em sistema tributário argumentam sobre a forma injusta com que o Estado brasileiro cobra impostos no Brasil. O resumo da análise está no início do livro A Reforma Tributária Necessária: Diagnósticos e Premissas, publicado neste ano pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Anfip), em parceria com a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco): “Se pudéssemos estabelecer um ranking dos problemas a serem equacionados no sistema tributário brasileiro, a correção do seu caráter regressivo ocuparia o topo”.
Em poucas palavras, no Brasil, pobre paga mais impostos. Esta é uma das raízes da desigualdade no país, que privilegia os mais ricos – especialmente setores financeiros improdutivos – e premia sonegadores. É um sistema que sobretaxa o consumo, trava o desenvolvimento econômico e social, e sobretaxa também o trabalho. Em contrapartida, os lucros e dividendos dos rentistas não são taxados há mais de 20 anos. As benesses para os mais ricos não para por aí: o imposto sobre heranças no Brasil possui uma das menores taxas do mundo.
Diante deste quadro, reformas no sistema tributário tornam-se imperativas no país. Nestas eleições, boa parte dos presidenciáveis fala sobre o tema em seus planos de governo. Alguns de forma mais detalhada, outros de modo superficial, como o tucano Geraldo Alckmin, que reduz o problema fiscal do Brasil à complexidade das taxas, discurso que geralmente reproduzido pela imprensa comercial.
Nas palavras do professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Eduardo Fagnani, a dita simplificação “é insuficiente, pois não enfrenta as anomalias do sistema". E elas "podem inviabilizar o Estado Social, tardiamente inaugurado pela Constituição de 1988, que é, atualmente, o principal mecanismo de redução da desigualdade da renda no Brasil”.
Entre os programas de governo, os presidenciáveis Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) são os que abordam de forma mais completa o problema tributário brasileiro.
Veja o que falam os principais candidatos:
Fernando Haddad (PT)
O programa do petista é o que traz mais detalhes sobre o tema. A reforma tributária é citada mais de 15 vezes nas 61 páginas de diretrizes. Logo no início do texto, o intertítulo "O Brasil precisa de reformas estruturais" anuncia um novo modelo de cobrança de tributos. "Haddad vai propor uma reforma tributária orientada pelos princípios da progressividade, simplicidade, eficiência e da promoção da transição ecológica". Este último tema também é abordado pela candidata Marina Silva.
A questão tributária permeia tida a proposta petista, alcançando até mesmo as políticas alimentares, que poucos candidatos abordam em suas diretrizes. "O governo vai atuar fortemente na promoção da saúde, com políticas regulatórias e tributárias, por meio de programas que incentivem a atividade física e a alimentação adequada, saudável e segura".
Na seara específica da reforma, Haddad propõe uma política de taxação progressiva sobre o setor bancário, com alíquotas reduzidas para as instituições que praticarem menores taxas ao consumidor. Dessa forma, o petista pretende incentivar a concorrência entre os bancos, reduzindo o spread bancário e as altas taxas cobradas no Brasil. "Bancos que abusam de seu poder de mercado para fornecer crédito com taxas abusivas poderão ser penalizados pela própria lógica do mercado competitivo."
O programa prevê ainda um reajuste na tabela do Imposto de Renda, com isenção para aqueles que ganham até cinco salários mínimos (R$ 4.770,00), com consequente aumento para os chamados super ricos, que pouco ou nada pagam hoje. A proposta fala sobre a retomada da cobrança de impostos sobre lucros e dividendos, extinta durante o governo FHC, e também prevê a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Ciro Gomes (PDT)
A proposta do pedetista alerta, em suas primeiras linhas, que não se trata de um documento definitivo. “São as diretrizes que vamos discutir com a sociedade. Elas serão discutidas e aperfeiçoadas.” Na apresentação geral, está presente em diversos trechos a intenção desenvolvimentista do programa, voltada para a industrialização do país. Ainda na introdução, a proposta de Ciro prevê uma lógica de desenvolvimento social, aliado ao crescimento econômico. Neste ponto ele já insere a temática dos tributos. “Crescer distribuindo renda é fundamental (…) Queremos criar empregos de qualidade, tributar proporcionalmente mais os ricos, investir fortemente em educação e em políticas sociais.”
É possível notar duas frentes no programa de Ciro no que se refere à reforma tributária: a simplificação dos impostos e a busca por maior justiça na cobrança. A primeira, para “elevar a capacidade de investimento dos governos e possibilitar a prestação de serviços públicos de qualidade para toda a sociedade”. No centro das mudanças, a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que unifica outros tributos. Este é um ponto em comum com o programa de vários outros candidatos. A segunda é mais complexa e detalhada.
Em destaque, a redução das desonerações tributárias – isenções fiscais destinadas a certos setores empresariais – em 15%. Na sequência, a isenção de impostos para a aquisição de bens de capital, que são os materiais que as empresas precisam para aumentar a produtividade. O texto prevê ainda a redução do Imposto de Renda das empresas, com consequente diminuição dos impostos relacionados ao consumo, como PIS/Cofins e ICMS. Por fim, o retorno da taxação de lucros e dividendos e o aumento da cobrança de tributos sobre heranças e doações.
Marina Silva (Rede)
As propostas de Marina são permeadas pela questão ambiental. Na primeira menção à questão tributária, a candidata da Rede prevê a inclusão de incentivos para a redução de emissão de gases do efeito estufa no sistema de impostos, com a criação de um adicional “mínimo simbólico” cobrado de acordo com a quantidade de carbono emitido pelo setor produtivo.
Na sequência, o programa classifica a reforma tributária como “imperativa” para sanar problemas estruturais do país. A Rede também fala em simplificar os impostos sobre o consumo, com a criação de uma taxa similar ao IVA, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Sobre as disparidades de cobranças do sistema, em que os mais ricos pagam menos, o programa de Marina diz ter como princípio “equidade para dosar de forma adequada o tratamento dos cidadãos e das empresas, eliminando privilégios e a atual regressividade, que condena os mais pobres a pagaram, proporcionalmente, mais impostos”.
No detalhamento da “equidade”, as diretrizes de Marina preveem a retomada da tributação sobre lucros e dividendos com redução da cobrança do Imposto de Renda sobre empresas. Outro ponto em comum é a elevação das taxas sobre heranças “com isenções progressivas e o aumento da base de tributação sobre a propriedade”.
Jair Bolsonaro (PSL)
O programa de Bolsonaro traz aspectos liberalizantes na economia, com consequente enfraquecimento do papel do Estado. Prevê a redução massiva de impostos e, de certa forma, o fim do atual regime de previdência pública, com migração para um sistema de capitalização. Também está presente, de forma superficial, a simplificação dos impostos, aliada a programas não especificados de “desburocratização e privatização”.
A proposta contempla ainda a redução progressiva do imposto de renda, até chegar em um patamar negativo, resultando em “uma renda mínima universal”.
Geraldo Alckmin (PSDB)
Como dito acima, o candidato tucano é um dos que menos fala sobre reforma tributária. Nada diz sobre a necessidade de uma maior justiça fiscal, apenas aponta para a simplificação da arrecadação. “Simplificar o sistema tributário pela substituição de cinco impostos e contribuições por um único tributo: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA)”, afirma o texto.