Receita terá acesso a informações bancárias de brasileiros nos EUA

Valor Online

A partir de amanhã, a Receita Federal terá mais um instrumento para o cruzamento de informações de contribuintes. E poderá abrir fiscalizações contra brasileiros e empresas que possuem investimentos não declarados em bancos americanos. O motivo é o acordo firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos para a troca de informações sobre receitas financeiras de correntistas – o “Foreign Account Tax Compliance” (Fatca).

Com a publicação do Decreto nº 8.506, na semana passada, o acordo passa a valer no Brasil e obriga todas as instituições financeiras a repassar essas informações ao Fisco. “Esperamos que o Fatca seja mais um mecanismo de controle e cruzamento de dados. Se forem verificados lá valores não declarados aqui, os correntistas serão autuados”, afirma Iágaro Jung Martins, subsecretário de fiscalização do órgão.

O Fisco nos Estados Unidos receberá os dados de americanos com conta bancária no Brasil e o Fisco no Brasil, de brasileiros com conta nos Estados Unidos. Apesar dos investimentos dosbancos para aprimorar seu compliance e cumprir a exigência do Fisco, os principais beneficiados do acordo serão as instituições financeiras, segundo a Receita Federal. “Elas livram-se do risco de ter que arcar com a retenção na fonte de 30% sobre rendimentos de americanos não informados”, afirma Martins. Ou de ter que responder à Justiça dos Estados Unidos.

Hoje encerra-se o prazo para as instituições brasileiras enviarem ao Fisco as primeiras informações exigidas: dados de correntistas com conta ativa entre julho e dezembro de 2014 e valor igual ou maior de US$ 50 mil. O envio será feito por meio da ferramenta digital chamada de e-Financeira, que faz parte do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped). “Mas só filiais localizadas nos países que firmaram o acordo [Brasil e Estados Unidos] serão abrangidas. Por isso, os EUA têm firmado acordos com vários países”, diz o advogado Fernando Colucci, do Macha Meyer Advogados.

Segundo Milton Fornazieri Júnior, delegado de Polícia Federal e doutorando em direito processual penal pela PUC-SP, o acordo terá o efeito de inibir a prática do crime de evasão de divisas por brasileiros. “E permitirá um melhor combate à sonegação fiscal, à corrupção e à lavagem de dinheiro, ainda no âmbito administrativo-fiscal”, afirma. “O acordo acompanha a tendência mundial da mais ampla cooperação entre todos os países, consagrada na nossa Constituição.”

Para o desembargador federal Fausto Martin De Sanctis, da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), o acordo está de uma maneira às avessas pondo fim ao sigilo bancário. O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda vai julgar, com repercussão geral, se o dispositivo de lei que somente permite a quebra do sigilo fiscal mediante autorização judicial é constitucional. “Mas a Lei Complementar nº 105, de 2001, tem um dispositivo no sentido de que não há violação do dever de sigilo quando houver o consentimento expresso. Assim, existe a possibilidade de os bancosbrasileiros, incentivados pelo Fatca, exigirem de novos correntistas esse consentimento”, diz.

Independentemente disso, De Sanctis acredita que o acordo Brasil-EUA é um passo gigantesco na prevenção à lavagem de dinheiro. Segundo ele, uma vez que a Receita tomar conhecimento de crime, terá que comunicar às autoridades. “Com isso, ganhará realce o combate à atividade de doleiros, que ocorre por fora do sistema legal. Parte da movimentação é regular, mas 99% dessa atividade costuma ser clandestina”, afirma.
Como a Constituição brasileira determina que a quebra de sigilo só pode ocorrer por ordem judicial, existe uma brecha para o Fatca levar correntistas a alegar isso.

“O cidadão brasileiro tem um forte argumento para alegar quebra de sigilo no Judiciário. Mas do ponto de vista de que no mundo inteiro cresce o monitoramento global, seria difícil vencer a disputa”, diz a advogada Ana Utumi, do TozzziniFreire.

O advogado Giancarlo Matarazzo, do Pinheiro Neto Advogados, concorda. “E qualquer litígio judicial por quebra de sigilo não respingará nas instituições financeiras. Os bancos apenas estão apenas cumprindo um acordo internacional, que tem força de lei”, afirma.
Diretores jurídicos de bancos afirmam que, apesar do maior volume de informações exigidas e do primeiro prazo exíguo, as instituições financeiras estão preparadas. Isso porque o Fatca nasceu nos EUA em março de 2010 e, em 2017, mais de 60 países devem estar sujeitos à troca de dados. “Vínhamos nos preparando desde 2010 para a nova obrigação acessória”, diz Carlos Pelá, diretor setorial de tributação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Segundo a diretora executiva da área jurídica do Itaú-Unibanco, Leila Melo, mais de 70 sistemas foram impactados, mas ela considera que há uma tendência mundial de verificação das contas de residentes fora do país de origem em prol da transparência. “Nossos clientes foram informados de que estamos sujeitos à regra do Fatca. Desenvolvemos um programa de compliance específico e já enviamos o primeiro lote de informações sobre pessoas com residência, nascidas nos EUA, com passaporte americano ou green card”, afirma.

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