Programa de Marina também ameaça crédito para setor rural e indústria
“Reformularemos o mercado de crédito de tal forma que, gradualmente, se eliminem os direcionamentos obrigatórios.” O trecho está na página 61 do programa de governo da candidata do PSB à Presidência da República, Marina Silva. E é dessa forma, com discrição e economia de palavras, que o documento propõe nada menos do que o fim do crédito direcionado no país.
Por destinação, o crédito no Brasil pode ser livre, concedido a critérios exclusivos dos bancos, e direcionado, aquele que as instituições financeiras são obrigadas, por lei ou regulamentação, a aplicar em determinadas linhas, com taxas subsidiadas. Trata-se de um mecanismo institucional do Estado para garantir a certos segmentos, por conta de sua importância social, condições de financiamento favoráveis.
Assim, hoje, 25% dos depósitos à vista vão obrigatoriamente para o crédito rural; 65% do que entra na caderneta de poupança destina-se ao financiamento imobiliário e 2% dos depósitos à vista rumam para o microcrédito. Além dos recursos do BNDES.
Com a proposta de Marina, os bancos não estariam mais obrigados a dirigir crédito para o setor agrícola ou para o financiamento da casa própria.
O economista André Biancarelli, professor da Unicamp, surpreendeu-se com a proposição: “Acabar com a exigibilidade do crédito é deixar esses segmentos à mercê da lógica do mercado. O argumento seria de que a própria concorrência levaria a menores juros e condições mais favoráveis, mas é preciso considerar que o sistema financeiro brasileiro se organiza como um oligopólio”, criticou. “Por sua importância para a economia, defendo que pelo menos o crédito imobiliário e rural tenham condições favorecidas”, disse.
Ciente de outras propostas da candidata para o setor financeiro, como o Banco Central independente, a criação do Conselho de Responsabilidade Fiscal – órgão externo ao governo que controlaria as contas públicas – e a redução da importância dos bancos públicos, o economista afirma: “Assusta pelo grau de ousadia no conteúdo liberal. É muito mais agressivo do que as propostas da década de 1990, implementadas por Fernando Henrique Cardoso”.
Dados
Estudo do Dieese comprova a importância do crédito direcionado na economia do país. De janeiro de 2008 a dezembro de 2013, o saldo de empréstimos com recursos livres cresceu 70%, enquanto que o crescimento do direcionados chegou a 176%, com destaque para o imobiliário, rural e com recursos do BNDES.
Com isso, a participação relativa do direcionado no total de crédito do país passou de 33%, em janeiro de 2008, para 44,4%, em dezembro de 2013. Por outro lado, a participação do crédito livre caiu de 67% para 55,6% no mesmo período.
Ainda de acordo com o estudo, uma das modalidades que mais se expandiu nos últimos anos foi o imobiliário, tornando- se um dos pilares do crescimento do crédito no país. Dados do Banco Central mostram que o volume do saldo da carteira de crédito direcionado para aquisição e financiamento imobiliário cresceu 5,7 vezes (474,8%) entre 2008 e 2013.