Uma nova lei vai punir proprietários de terras ou imóveis onde forem flagrados casos de trabalho escravo com a expropriação de suas propriedades para serem destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular.
Em solenidade nesta quinta-feira (5), o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 81, originalmente conhecida como PEC do Trabalho Escravo, consagrando uma luta de quase duas décadas da CUT e diversos movimentos sociais que exigiu um esforço permanente para que a proposta avançasse no Parlamento. Graça Costa, secretária nacional de Relações do Trabalho da Central, diz que este é um marco na história do Brasil e da classe trabalhadora.
“Sentimento que pela segunda vez estamos assinando uma lei contra a escravatura”, contextualizou a dirigente da CUT. “É inadmissível que ainda nos dias de hoje se compactue com diversas formas de trabalho degradante, exaustivo e penoso, que atacam a dignidade humana, a saúde e a vida dos trabalhadores”, completou.
O artigo 243 da Constituição Federal passa a ter a seguinte redação: “As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (…)”.
Luta contra o retrocesso
Apesar do sentimento de celebração, uma manobra da bancada ruralista pode colocar em risco a legislação atual e a aplicabilidade da PEC do Trabalho Escravo.
Com a iminente aprovação da PEC, a bancada ruralista adotou uma nova estratégia e conseguiu inserir no texto do Projeto uma subemenda com a expressão “na forma da lei” exigindo a redação de uma lei complementar para regulamentar o conceito de trabalho escravo. Na verdade, este seria um subterfúgio para abrandar o conceito vigente sobre o que é ou não trabalho escravo.
Já existe um projeto de lei complementar em tramitação no Congresso. É o PLS 432/2013, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que limita o conceito apenas ao trabalho forçado.
O texto também prevê que a ação expropriatória de imóveis rurais e urbanos deverá observar a necessidade de trânsito em julgado de sentença penal condenatória contra o proprietário que utilizar a mão de obra escrava.
Segundo argumento do senador Romero Jucá e daqueles que defendem a proposta, o atual conceito é genérico e deixa a interpretação à mercê dos auditores fiscais do trabalho.
Para a relatoria das Nações Unidas, a legislação brasileira é uma das mais avançadas no combate às formas contemporâneas de escravidão, pois considera a liberdade e a dignidade como valores que precisam ser protegidos.
A atual legislação embasada no artigo 149 do Código Penal já define com clareza o conceito. Segundo esse artigo, quatro situações configuram trabalho em condições análogas à escravidão: trabalho forçado, jornada extenuante, condições degradantes e servidão por dívida. O artigo ainda deixa claro que é crime passível de cadeia ao empregador, urbano ou rural, quando seja constatada, além desses pontos, a retenção de documentos, como a carteira profissional.
“A CUT tem mobilizado sua base num processo articulado com outros movimentos, inclusive há uma importante campanha da Contag, para impedir que essa regulamentação seja votada. Não vamos aceitar qualquer tipo de retrocesso neste momento tão importante para os trabalhadores e trabalhadoras, governo e instituições de defesa dos direitos humanos que foi a aprovação desta nova lei”, afirmou Graça. “Defender esta manobra ruralista é compactuar com a impunidade. São interesses de uma parcela da sociedade que tem sua representação no Congresso Nacional e trata o trabalhador como mercadoria para que possa, inclusive, lucrar cada vez mais”, criticou.
O PLS 432/2013 poderá ser votado na Comissão Mista de Consolidação das Leis e Regulamentação Constitucional na próxima terça-feira (10).
Mídia se posiciona contra manobra ruralista – até o telejornal Bom dia Brasil, da Rede Globo, na edição desta quinta-feira (5), fez duras críticas à tentativa de abrandar o conceito de trabalho escravo.
Segundo um dos apresentadores, é inaceitável esta manobra patrocinada por “setores retrógrados e conservadores” da sociedade.
Um procurador do trabalho ouvido pela reportagem relatou que duas situações (jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho) muito corriqueiras nas fiscalizações perderão valor caso o Projeto seja aprovado.
“Em situações em que o trabalhador, por exemplo, dorme junto com porcos ou bois, não haverá expropriação das terras, como também deixará de se configurar trabalho escravo”, alertou.
Uma das possíveis explicações para a inesperada crítica da Globo é que o retrocesso poderá atrapalhar as exportações do agronegócio e de biocombustíveis.