Yvna Sousa
Valor Econômico
O projeto de reforma do Código Penal, em análise no Senado, cria uma seção inteira sobre crimes contra a ordem econômico-financeira – o que não existe no texto em vigor. O objetivo é reunir em um só lugar todas as legislações que tratam sobre o assunto, além de atualizá-las. Algumas das principais regras que regem o sistema financeiro estão em vigor desde 1986.
A iniciativa de reformar o código foi tomada quando José Sarney (PMDB-AP) ainda era o presidente da Casa, em 2012. Uma comissão de juristas formulou um anteprojeto e Pedro Taques (PDT-MT) tomou como base esse texto para apresentar seu relatório – que teve diversas alterações em relação à proposta dos especialistas. O parecer do senador foi aprovado por uma comissão especial na semana passada e ainda vai ser votada em plenário. Depois, segue para apreciação da Câmara.
Em relação aos delitos financeiros, o projeto torna mais rigorosa a punição para crimes como gestão fraudulenta de instituições financeiras, evasão de divisas, informação privilegiada e manipulação de mercado. Além disso, especifica tais condutas criminosas, que hoje são definidas de forma muito genérica, permitindo um combate mais efetivo dessas práticas.
“A forma como esses crimes são feitos se moderniza muito mais rápido que a legislação. Nós detalhamos a lei para que seja enumerado tudo aquilo que pode ou não pode ser crime e também colocar de forma expressa o que já existe hoje, mas não está previsto”, explica o procurador-regional da República Douglas Fischer, que teve o aval do Ministério Público Federal e do Senado para auxiliar o senador Pedro Taques na formulação da proposta.
Atualmente, quem é condenado por gestão fraudulenta pode pegar prisão de três a 12 anos. Taques mantém a pena mínima e reduz a máxima para 10 anos, mas prevê agravantes que não existem hoje. Se a fraude resultar em prejuízo para terceiros, a pena é de quatro a 12 anos. E se em decorrência da conduta criminosa a instituição financeira sofrer intervenção, liquidação extrajudicial ou for à falência, a pena passa a ser de 5 a 14 anos de reclusão.
No caso de evasão de divisas, crime cuja legislação data de 1986, o texto prevê expressamente as operações de “dólar-cabo” (quando o criminoso se utiliza de doleiros para fazer a transferência de recursos ilegais para o exterior).
A pena também é aumentada: passa de dois a seis anos para três a oito anos de prisão. A proposta veda ainda tratamento diferenciado, benefícios ou vantagens para a repatriação de recursos enviados ou mantidos ilegalmente no exterior.
O relatório também endurece a repressão à prática de insider trading, isto é, de informação privilegiada sobre o mercado. Segundo Pedro Taques, o principal avanço em relação à lei em vigor é que, para que alguém seja condenado por este crime, basta que a informação seja capaz de propiciar vantagem indevida – independentemente se o resultado é obtido ou não pelo infrator.
“A simples negociação de valores mobiliários com base em informações relevantes ainda não divulgadas é capaz de transgredir os mais caros valores fundamentais à própria existência do mercado de capitais. O sistema de mercado só funciona se houver confiança nas regras do jogo e na conduta dos jogadores”, afirma Taques em seu parecer.
Outro crime que é agravado é o de manipulação do mercado. Atualmente, quem realiza falsas operações ou manobras para mudar um valor mobiliário, pode ser punido com prisão de um a oito anos, além do pagamento de multa no valor de três vezes o montante obtido com a fraude. O projeto amplia a punição para reclusão de quatro a 12 anos.
A seção de crimes contra a ordem econômico-financeira do projeto de reforma do Código Penal também trata sobre sonegação de tributos. A proposta separa a sonegação fiscal da previdenciária e prevê penas maiores para quando esses crimes forem cometidos de forma continuada ou de forma qualificada (quando se utiliza pessoas físicas ou jurídicas para ocultar ou dificultar a identificação do responsável pela operação do esquema).
Como uma das principais inovações em relação à legislação atual, o texto estabelece que se, até o oferecimento da denúncia à Justiça, o agente criminoso reparar integralmente (e com atualização monetária) o dano causado, terá sua pena reduzida pela metade. Mas ele não se livra da punição, como prevê a lei em vigor.
Após o oferecimento da denúncia, o réu não poderá ser beneficiado com redução de pena ou com parcelamento do dinheiro que deve devolver aos cofres públicos, o que também é permitido atualmente.
Douglas Fischer argumenta que a lei em vigor estimula a sonegação. “Um estudo com base em números da Receita Federal demonstrou que com essa regra [em vigor], a arrecadação tributária espontânea cai 62%, em média. Porque o sujeito diz ‘Ora, eu posso fazer a fraude. Se me pegarem, eu pago'”, explicou.
Outra mudança importante é permitir a abertura de ação penal para investigar a sonegação de impostos antes da Receita Federal encerrar a investigação no âmbito administrativo. “Isso vai facilitar enormemente a punição desses crimes”, declarou Fischer.
Pedro Taques afirma que o endurecimento das leis vai permitir um tratamento mais adequado para a criminalidade econômica, que tem efeitos danosos na sociedade e, como consequência, aumenta a marginalização social. “Se impõe ao legislador tratar mais severamente os delitos que causem maiores gravames, especialmente quando em risco interesses coletivos, tão esquecidos e não considerados no Código vigente”, justifica o senador em seu relatório.