O projeto Ação Frente às Multinacionais, da CUT, que teve início em 2001, concluiu, na metade de 2007, sua segunda fase, com avaliações positivas por parte de seus participantes e da sindical holandesa FNV, que apóia política e financeiramente o projeto.
Para refletir sobre os avanços e desafios, a CUT produziu uma revista/balanço das atividades. Além dos relatórios elaborados pela assessoria do projeto, a revista apresenta a visão de alguns sindicalistas, na forma de entrevistas.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo secretário de Relações Internacionais da CUT, João Felício, às vésperas de viajar para a Espanha e Portugal onde foi debater o Projeto com centrais daqueles países:
Queremos expandir o Projeto para todas as multinacionais instaladas no Brasil
Secretário de Relações Internacionais da CUT desde 2006, João Felício acompanhou a primeira fase do CUTMulti como presidente da entidade, função que lhe permitiu discutir o Projeto em vários fóruns nacionais e internacionais. Sem meias palavras ele avalia que o CUTMulti é um dos melhores e mais bem estruturados projetos atualmente da Central e afirma que a intenção da direção é manter e ampliá-lo.
Por Norian Segatto
Qual é a sua avaliação do projeto após a conclusão das duas primeiras fases?
João Felício. Considero que esse é um dos mais bem elaborados projetos de parceria que a CUT possuí, além de estabelecer uma relação solidária entre o movimento sindical brasileiro e organizações internacionais. É um projeto importante, também, porque é fundamentado em questões concretas, é muito bem elaborado e bem avaliado por todos porque ajuda enormemente o movimento sindical brasileiro a construir aquilo que é fundamental para todos nós, que são as organizações por local de trabalho. Estar organizado dentro da fábrica, no comércio, enfim em todos os ramos da produção é um objetivo da CUT e esse Projeto contribui nesse sentido.
Outro fator importante é que ele colabora na constituição dos ramos de atividade, que também é um princípio da nossa central sindical. Em terceiro lugar, ele estimula a negociação por ramo de produção, por empresa. A atual legislação brasileira impõe a negociação por município, assim, um projeto como este ajuda a construir o que sempre foi um objetivo da CUT, que é fazer grandes acordos de abrangência nacional. E também estimula a participação dos sindicatos na gestão das empresas e nos conselhos de administração, que é uma conquista do movimento sindical europeu, mas que ainda o Brasil e a América Latina estão longe de atingir.
O CUTMulti é um projeto completo, que visa encontrar soluções para os conflitos, ajuda a organização por local de trabalho, a constituição de sindicatos por ramos e a negociação coletiva nacional.
O Brasil tem enormes diferenças regionais e as empresas acabam aproveitando disso para praticar salários e condições de trabalho diferentes. Como é possível uma negociação coletiva nacional em um cenário como esse?
A estrutura sindical vigente no país dificulta acordos de abrangência nacional; uma mesma empresa acaba por pagar pisos diferenciados, ter carreiras, políticas de segurança e saúde diferenciadas de um estado para outro. Isso ocorre porque a atual estrutura sindical brasileira facilita e as empresas acabam pulverizando as negociações, às vezes ocorrem dezenas em um mesmo ramo de produção de uma mesma empresa.
O CUTMulti estimula os sindicatos a buscar pautas de reivindicações, agenda e lutas comuns, e exerce forte pressão nas empresas para que passem a negociar coletivamente para evitar esse cenário de pulverização, de salários e condições de trabalho diferenciados. O projeto avança nesse sentido, mas as empresas colocam dificuldades, nunca vão aceitar espontaneamente. O capital não deseja que tenhamos negociação por empresas, nem por ramos e muito menos da classe trabalhadora como um todo. O desejo da CUT é que possamos ter em um determinado pe- ríodo do ano uma grande negociação nacional sobre salários e condições de trabalho. Isso aponta para algo maior, que é a possibilidade de se ter negociações por empresas que atuam em vários países, que é outra perspectiva apontada pelo Projeto. Por que não começar a estabelecer negociação por ramo da produção com outros países do Mercosul?
A principal parceria hoje é com a FNV da Holanda, existe a perspectiva de outras entidades se incorporarem ao Projeto?
Um dos nossos objetivos é essa expansão, incorporando outras centrais, norte-americanas, canadenses, asiáticas, porque queremos que esse Projeto atinja o conjunto das empresas estrangeiras localizadas no Brasil, que são milhares; o ideal seria que conseguíssemos envolver todas as centrais dos países sedes dessas companhias. Quanto mais envolvermos outras centrais, mais vamos conseguir fazer uma agenda bem organizada para os ramos aqui no Brasil e conseguir aproximar o movimento sindical brasileiro do de outros países, em cima de um projeto concreto. O CUTMulti não fica no discurso, “que bom a solidariedade internacional”, é um projeto concreto que caminha para a unidade. Vamos continuar buscando parcerias com outras centrais sindicais, já apresentamos para algumas européias e do Japão queremos ampliar o Projeto.
O Kjeld comentou que há uma incompreensão de alguns setores do movimento sindical em relação ao projeto. Você acha que o corporativismo do movimento sindical atrapalha?
Considero que ainda tem uma parcela do movimento sindical brasileiro que não compreende o Projeto, que acha que as negociações têm que se dar nos moldes da estrutura sindical vigente, que impõe a negociação por municípios. Então, uma determinada multinacional localizada no município tal negocia com o sindicato daquela cidade e cada um fica achando que isso vai resolver os problemas da sua categoria profissional e acaba esquecendo que essa empresa tem filial em outro local, mas não busca uma articulação mais ampla com o movimento sindical para criar uma agenda comum. Essa é uma incompreensão que eu sinto por parte de um segmento do movimento sindical brasileiro.
Um outro segmento, por esquerdismo exacerbado, acha que fazer isso e indicar participantes nos conselhos de administração é ajudar a gerir o capitalismo e acaba desprezando qualquer projeto de parceria porque divergem ideologicamente das centrais sindicais européias. Então, há uma incompreensão à direita e à esquerda (rindo), uns submetidos à estrutura sindical vigente, que obriga a negociação por municípios, e outros que acham que não têm que discutir nada com as empresas porque isso é submeter à lógica empresarial. O CUTMulti ajuda a superar essas incompreensões, a estabelecer uma agenda nacional, a articular a luta e a fazer acordos de abrangência nacional.
O Projeto entra em sua terceira fase, quais são as perspectivas e os desafios?
A perspectiva é manter a equipe que temos, fazer uma aproximação cada vez maior com o Observatório Social, ampliar as parcerias para que o projeto atinja o conjunto das empresas multinacionais instaladas no Brasil e fazer com que nossos sindicalistas agarrem com muita força e vontade o projeto. Um dos grandes desafios é conversar com todas as centrais sindicais dos países para que esse projeto permaneça e se amplie. Independentemente de qualquer coisa, o projeto vai continuar e queremos ampliar as parcerias.
Não é possível em um país das dimensões do Brasil, com centenas de empresas multinacionais, ficarmos submetidos à lógica empresarial que continua impondo aos sindicatos negociações locais, mantendo disparidade de pisos salários e condições de trabalho em uma mesma empresa, é inaceitável que uma companhia pague piso diferenciado porque está localizada em um estado diferente. Nosso objetivo é quebrar essa lógica empresarial, essa arrogância do empresariado.