Depois de tanto sofrer com as privatizações na década de 1990, o Brasil volta a correr o risco de perder suas empresas públicas, como a Caixa Econômica Federal e a Petrobras. Na noite de terça-feira (23), o Senado votou para manter o regime de urgência na tramitação do PL de autoria do senador José Serra que permite às petrolíferas estrangeiras explorar o pré-sal sem fazer parceria com a Petrobras. O PL patrocinado pelo tucano Serra – e apoiado por Renan Calheiros, do PMDB – é visto como o primeiro passo para a entrega completa do pré-sal.
Em seguida viriam a volta do regime de concessão, aquele em que a petrolífera paga um valor adiantado ao Tesouro e fica com 100% dos lucros do petróleo extraído. É um regime que beneficia extraordinariamente as empresas estrangeiras, já que o risco de não encontrar petróleo nos campos do pré-sal é zero.
Já a Caixa corre riscos com o Projeto de Lei do Senado (PLS) 555, que abre brechas para a privatização das estatais. O texto está programado para ser reincluído na pauta da Casa a partir da próxima semana.
Para Gerson Carlos Pereira, secretário de Imprensa da Contraf-CUT, a crítica às privatizações não pode se render ao moralismo. “Deve ser uma crítica forte e contundente, mas essencialmente política. A crítica deve ter como centro político os interesses nacionais que foram e podem ser pisoteados por interesses internacionais de empresas privadas que continuam financiando campanhas de senadores e deputados. E essa abordagem é a única que revela, em profundidade, a gravidade do processo de entrega das nossas riquezas que é o patrimônio dos brasileiros, como a Caixa e o pré sal”, alertou.
As privatizações existem no Brasil desde a década de 1980, mas começaram a ganhar força no governo FHC. Isso porque, o tucano seguiu as recomendações do Consenso de Washington, protocolo elaborado em 1989 para propagar a conduta econômica neoliberal. Isso depois do Consenso de Washington, os EUA e, posteriormente, o FMI adotaram as medidas recomendadas como obrigatórias para fornecer ajuda aos países em crises e negociar as dívidas externas.
Ao todo, foram privatizadas mais de 100 empresas, que, até 2005, geraram uma receita de 95 bilhões de dólares, o que, corrigindo para valores de 2016, equivale a aproximadamente 280 bilhões de dólares.
As perdas não param por aí. Para se ter uma ideia, entre 1995 e 2005, o número de empregados em empresas privatizadas nesse período caiu de 95.000 para 28.000 trabalhadores, assinalando uma queda superior a 70%. Enquanto isso, nessas mesmas empresas, a lucratividade saltou de 11 bilhões de reais para 110 bilhões de reais, um aumento de 900%. É importante lembrar que essas mesmas riquezas não mais pertençam ao poder público, e sim ao grupo de empresários investidores.
As privatizações também são responsáveis por acelerar o processo de terceirização da economia e precarização das relações de trabalho, aumentando o desemprego e diminuindo a renda dos assalariados.
A venda da Companhia da Vale do Rio Doce é o grande marco dessa época. O negócio envolvendo uma das maiores empresas de minérios do mundo sempre teve os valores da venda (pouco mais de 3 bilhões de dólares na época), considerados muito baixos para os padrões de operacionalização das empresas. Recentemente, a Vale voltou ao noticiário como uma das responsáveis pela tragédia de Mariana.
A seguir, um resumo das principais etapas das privatizações ocorridas no Brasil, com base em informações fornecidas pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento):
– Década de 1980: privatização de quase 40 empresas, todas de pequeno porte;
– 1990: Criação do Plano Nacional de Desestatização (PND);
– 1990-1992: venda de 18 empresas atuantes no setor primário da economia, com ênfase no setor siderúrgico. Foi gerada uma receita de 4 bilhões de dólares;
– 1993: Privatização da CSN, Companhia Nacional de Siderurgia;
– 1995: Criação do Conselho Nacional de Desestatização (CND);
– 1996: Arremate de mais 19 empresas, com uma arrecadação de 5,1 bilhões de dólares. Privatização da Light, empresa do setor de eletricidade;
– 1997: Venda da Vale do Rio Doce, privatização de vários bancos estaduais (alguns federalizados antes da venda) e início do processo de privatização do setor de telefonia;
– 1998: Privatização de empresas de energia na região Sul, além de ferrovias e rodovias na região Sudeste;
– 1999: Venda da Damatec (empresa no setor de informática) e do Porto de Salvador, além da CESP (Companhia Elétrica do Estado de São Paulo);
– 2000: Redução nas ações estatais de participação na Petrobras e venda do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), além de inúmeros outros bancos estaduais.
– 2002-2008: Continuação da privatização de bancos e empresas elétricas estaduais. Vendas e concessões para o uso de rodovias.