Fernando Torres e Carolina Mandl
Valor Econômico
Passado praticamente um ano desde o início da cruzada da presidente Dilma Rousseff contra os juros cobrados pelos bancos, não há como negar que a pressão política teve resultado. Nos últimos 12 meses, o mercado de crédito mudou de forma relevante no Brasil.
Analisando as principais linhas bancárias individualmente, as taxas médias mensais cobradas pelos cinco maiores bancos do país – Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander – recuaram no período entre 13% e 23% no caso de pessoa física, e de 9% a 28% para a pessoa jurídica.
Com raras exceções, os cortes foram maiores do que a queda da Selic, que diminuiu o custo de captação em cerca de 2 pontos percentuais no mesmo período. Isso evidencia que, como desejava a presidente, houve sim diminuição dos spreads, que equivalem à margem bruta de ganho dos bancos.
A queda, contudo, se concentrou nos primeiros meses a partir de abril de 2012, avançando de forma mais prolongada apenas para a pessoa jurídica. Mas, desde o início deste ano, o que se nota é estabilidade e até uma leve alta nas taxas, especialmente para empresas.
“[A redução forte dos juros] é um movimento que se faz de uma vez”, disse Márcio Percival, vice-presidente de finanças da Caixa. “O grande movimento foi feito de março para abril do ano passado. Foi uma mudança para se posicionar estrategicamente no mercado. Não é algo que se faz todo dia”, afirmou, acrescentando que depois disso houve apenas “ajustes finos”.
Passada a grande mudança, os números sugerem que se chegou a um “novo normal” no mercado de crédito brasileiro. O atual patamar de juros chega a ser civilizado no financiamento imobiliário, com taxa média em torno de 9% ao ano, e também no crédito para compra de veículos e em algumas linhas para empresas, com o custo médio perto de 15% ao ano. Mas segue elevado em empréstimos sem garantia e de curto prazo, como cheque especial e crédito pessoal, em que o juro anual médio segue em 130% e 58%, respectivamente.
Executivos de bancos destacam que no momento há espaço para queda apenas em linhas específicas, como crédito consignado e financiamento imobiliário, em que a concorrência segue forte.
Com base nos novos dados do Banco Central, o Valor levantou as taxas de juros cobradas semanalmente desde o início de 2012 pelos cinco principais bancos do país em onze das principais linhas de crédito oferecidas a pessoas físicas e jurídicas para identificar como cada banco agiu. Ao longo de 60 semanas, foram apurados 3.300 dados.
A análise dos números permite concluir que no cheque especial os bancos privados praticamente não se mexeram, enquanto as instituições públicas diminuíram as taxas quase pela metade. Nas demais linhas, Caixa e Banco do Brasil se revezaram na liderança em temos de rapidez e intensidade dos cortes. Os bancos privados também correram atrás e reduziram os juros, mas num ritmo bem menor.
O corte médio nas principais linhas de pessoa física foi de 16% no Bradesco, 12% no Itaú e 11% no Santander. O cálculo leva em conta o custo médio praticado no primeiro trimestre deste ano (até 13 de março), ante igual período de 2012. Na mesma comparação, a queda média das taxas mensais cobradas das pessoas físicas foi de 31% na Caixa e de 22% no BB.
Entre as pessoas jurídicas, a redução média foi praticamente igual para BB e Caixa, em torno de 24,5%. No grupo dos privados, o Santander reduziu mais os juros para as empresas, com corte médio de 18%, seguido pelo Itaú, com 17%, e depois pelo Bradesco, com 13%. Os cálculos foram feitos a partir da média simples das reduções realizadas em cada linha, sem ponderação por volume, já que os bancos não divulgam esse dado.
A comparação apenas pelo tamanho dos cortes realizados, entretanto, não mostra o cenário completo, já que quem cobrava menos tinha menos gordura para queimar, como já argumentou o Santander em entrevista concedida ao Valor em julho passado.
Olhando os números absolutos, que tiram essa distorção, o novo desenho do mercado de crédito do Brasil tem BB e Caixa disputando na casa decimal para saber quem tem as menores taxas em cada linha. E os três bancos privados numa batalha separada, com taxas menores que as cobradas há um ano, mas sensivelmente maiores que a dos públicos.
Se a competição no mercado fosse perfeita, as instituições privadas perderiam totalmente sua participação de mercado com o tempo. Sem custo para mudar de banco e com informação disponível, que consumidor tomaria dinheiro emprestado, conscientemente, com taxa de juros mais cara?
Assim, esse desenho com dois níveis de taxa – um dos públicos e outro dos privados – só se sustenta nas linhas em que a competição é menor. Notadamente, nos empréstimos concedidos para pequenas empresas e pessoas físicas por meio da rede de agências, como desconto de duplicatas, cheque especial e crédito pessoal. Para as linhas de consignado, financiamento de veículos e crédito para grandes empresas, em que a concorrência se dá fora da agência (nas concessionárias de veículos e por meio dos “pastinhas”) ou por tesourarias de grandes companhias, até pode existir uma diferença entre os bancos privados e públicos, mas é significativamente menor.
Ainda que a concorrência não seja perfeita, os dados de volume de crédito concedido também apontam que BB e Caixa, que lideraram os cortes de juros, estão ganhando participação de mercado de forma consistente.
Segundo Percival, da Caixa, o volume de originação de crédito comercial praticamente dobrou em um ano e deve atingir R$ 1 bilhão por dia no mês de março. De acordo com ele, o volume adicional de empréstimos “tem compensado muito a diminuição do spread”.
A dúvida que fica é quanto do crescimento da participação de mercado dos bancos públicos se explica pela taxa de juros menor e quanto tem a ver com a falta de disposição dos privados em retomar os empréstimos por causa da persistente inadimplência.