Por que os especuladores estão nervosos e atacam a política econômica

Dados do jornal Valor Econômico de 2012 indicam que os bancos detêm algo como 31,5% dos títulos da dívida pública, além de administrarem os fundos de investimentos de grande parte do restante dos detentores desses papéis públicos.

Segundo o Ipea, 70% do total dessa dívida pública brasileira estão nas mãos de membros de 20 mil famílias.

Se considerarmos que cada ponto percentual da Taxa Selic (que remunera os títulos da dívida pública) equivale aproximadamente a R$ 18 bilhões, não é difícil perceber quanto esse segmento deixou de ganhar desde julho de 2011, quando a Selic chegou a 12,5% e começou a cair ininterruptamente, até chegar aos atuais 7,25%.

Em dinheiro de hoje, é uma bagatela de R$ 100 bilhões de reais ao ano que deixou de entrar nesses bolsos felpudos. Some a isso a pressão do governo para baixar as taxas de juros e o spread e fica mais claro de entender a causa da histeria desses segmentos, amplificada pela grande mídia, contra a política econômica e o ministro Guido Mantega.

É do que trata o artigo abaixo, publicado nesta sexta-feira 1° de fevereiro no portal da Agência Carta Maior pelo “editorialista” Saul Leblon.

O forte apache das tesourarias

Saul Leblon
Agência Carta Maior

A tesouraria é o forte apache do capitalismo desregulado. E o centro logístico da oposição conservadora no Brasil.

Tesouraria é o espaço físico. O departamento que cuida de maximizar os ganhos do capital a juro. Mas também é a palavra símbolo de uma lógica que disputa a hegemonia da política econômica.

Na ciranda da tesouraria embalam-se os interesses das grandes corporações -bancos ou grupos empresariais, locais e globais. Ademais da insaciável legião dos acionistas, cuja pátria são os dividendos.

O conjunto movimenta riquezas apreciáveis.

Fundos de aplicações financeiras registraram um giro de R$ 2,4 trilhões no Brasil em 2012.

O valor equivale a mais da metade do PIB em direitos sobre a riqueza real.

Não é um país à parte, embora se avoque mordomias, soberania e imunidades equivalentes às de um poder paralelo.

Pelotões de estrategistas, exércitos de consultores, inteligência acadêmica, bancadas legislativas, mídia e aliados internacionais mantêm-se e são mantidos a seu serviço.

Em prontidão permanente.

Diária.

Para assegurar à riqueza financeira, ganhos de rentabilidade inexcedíveis em qualquer outro setor econômico. Aqui e alhures.

O governo Dilma vem tornando difícil a vida das tesourarias no Brasil.

O rebate é forte.

O inconformismo escorre do noticiário econômico para os espaços onde os cifrões são traduzidos em ‘projeto de país’. E daí estampados em colunas, editoriais, discursos, candidaturas amigáveis aos mercados.

Com propriedade o ministro Paulo Bernardo carimbou na rebelião das tesourarias um adesivo certeiro: ‘o partido do juro alto’.

Aécio Neves com seu aparato de ‘professores-banqueiros’ colou-o na testa.

A tesouraria prepara-se para 2014, mas ainda não em campo aberto.

Droners controlados à distância cuidam do bombardeio.

A meta é implodir a costura de uma política econômica que busca promover a eutanásia do rentista em duas frentes.

Seccionando linhas de alimentação do capital fictício com juros baixos e IOF alto, de um lado.

De outro, abrindo frentes de infraestrutura e mantendo o consumo de massa aquecido, na indução de um ciclo de investimento com maior igualdade social.

Busca-se um país que o Brasil nunca foi de verdade.

O governo cutuca placas tectônicas.

Com um juro básico em 7,25%, uma inflação em torno de 5,5%, mais impostos, obter ganho real nas aplicações financeiras deixou de ser mamão com açúcar.

O que está em jogo não é algo trivial.

Trata-se de mudar as condições de financiamento da economia.

E os objetivos do desenvolvimento.

Aconteceu antes, em 32 e 53 – quase como uma revolução burguesa à revelia das elites; foi feito sob o patrocínio do capital estrangeiro em 55; reprimido em 64; ordenado ditatorialmente contra o povo nos anos 70 e terceirizado aos livres mercados nos anos 90.

A seta do tempo vive um novo estirão.

Luta-se para consolidar uma nova hegemonia ancorada nas energias, demandas e protagonistas que iniciaram a longa viagem à procura de um Brasil inédito, a partir das greves metalúrgicas do ABC paulista, nos anos 70/80.

Um passaporte da travessia é regenerar a base industrial brasileira. E tampouco aqui é contabilidade.

Trata-se de um requisito para gerar empregos e salários de qualidade; ademais de receita fiscal compatível com investimentos sociais, ambientais e logísticos que uma cidadania plena reclama.

Estabilidade ancorada em juro baixo e câmbio desvalorizado (para impedir importações devastadoras da produção local) é uma receita é mortal para a riqueza financeira.

Seu habitat é o jogo intertemporal incessante em que presente e futuro se fundem na busca do rendimento alto e constante.

Todo o círculo de interesses que orbita em torno dessa roleta está em pé de guerra contra o governo.

À falta de um horizonte volátil, semeia-se um ambiente político de beligerante ‘desconfiança’.

Do forte apache partem mísseis com alvos selecionados.

A saber:

I) ‘a ameaça inflacionária voltou: com juros baixos, salários, emprego e crédito em alta, em contraposição à oferta rígida de bens – um reflexo do baixo investimento -, a disparada dos preços é inevitável’.

É uma meia verdade. A inflação encontra-se estável, com os preços no atacado em queda. E o investimento é uma batalha em curso. A rigidez por enquanto é mais um alarmismo que o jogral rentista quer transformar em profecia autorrealizável.

II) ‘o governo fracassou em expandir o investimento em infraestrutura’.

Também uma verdade parcial, descontextualizada. Esquece-se de que o Estado foi desmontado nos anos 90 e sistematicamente acuado para não se reerguer -coisa que vem sendo feita com acanhamento. Ainda assim, em 2012 o investimento público cresceu 13%; o PAC acionou R$ 40 bi em obras.

III) ‘a política econômica intervencionista gera incertezas e trava a retomada do crescimento’.

Capcioso. Até o FMI admite que a santíssima trindade ortodoxa feita de meta de inflação pautada pelo mercado financeiro, superávit fiscal rígido e câmbio livre pode e deve ser adequada às necessidades contracíclicas do desenvolvimento.

Mas a fuzilaria não vai parar.

Quem perdeu a doce vida de dividendos médios de 19% ao ano (fruto predominante da especulação em bolsa e não da produtividade), e viciou na roleta generosa, de juros três vezes acima da inflação, não vai largar o osso pacificamente.

Por trás dos ganidos emitidos pela mídia, há um cachorro grande a latir grosso.

É o forte apache das tesourarias.

Sob risco de se mistificar o protagonismo da mídia, seu nome não pode mais ser omitido quando se denuncia a narrativa do golpismo.

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