Delegação dos bancários no seminário sobre terceirização, em Brasília
Rede CUT de Comunicação
Luís André Barreto
A terceirização trabalhista é a principal manifestação do modelo toyotista de produção. Ou seja, o discurso é de qualidade total, eficiência, pronto atendimento, mas esconde, de fato, um mecanismo agressivo, degradante das condições de trabalho humano. Isso vai se potencializar ao máximo na relação de trabalho terceirizado.
A conclusão é da professora de Direito da UnB Gabriela Neves Delgado, que analisou a terceirização nos diversos setores de produção e de serviços, durante o Seminário “A Terceirização no Brasil: Impactos, resistências e lutas”, promovido pelo Fórum Nacional Permanente em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização e o Grupo de Pesquisa “Trabalho, Constituição e Cidadania”, e construído com apoio da CUT e da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).
Ao abordar o tema “A Terceirização no setor privado”, Gabriela Neves destacou que esse sistema de produção resulta em redução salarial, aumento da carga de trabalho e alta rotatividade de mão de obra.
“A rotatividade traz efeitos nefastos. Cito pelo menos cinco: coloca o trabalhador à margem do sistema de proteção social; dificulta sua inserção formal no trabalho protegido; torna-o cidadão de segunda categoria, às sombras do sistema de proteção; dificulta a construção de sua identidade social e de classe; e coloca-o no limbo do direito”, disse, explicando que a relação de permanência no emprego entre contratados diretos e terceirizados é de 5,8 anos contra 2,6 anos, respectivamente.
“Quem é esse trabalhador terceirizado? Ele mesmo não consegue responder”, disse.
O grande problema jurídico da terceirização de atividades, segundo a professora, é que não há qualquer tipo de regulamentação. “A Súmula 331, do TST, que é hoje a proteção possível, regulamenta a terceirização de serviços e não a de atividades”.
Segundo Gabriela, a lógica da qualidade total da terceirização de atividades não ocasiona, não permite qualidade total na entrega do serviço ou produto. Isso está comprovado, por exemplo, na recorrência de recalls que as montadoras de automóveis promovem. “Será que de fato essa lógica toyotista, em que se ampara o sistema de terceirização trabalhista, permite a qualidade total? De fato integra o trabalhador terceirizado? Quais são os benefícios ao se promover esse tipo de atividade? Eu não encontro respostas positivas”, enfatizou.
Para a professora é necessário, portanto, que sejam estabelecidos limites constitucionais para a terceirização, um patamar civilizatório mínimo que assegure a esse trabalhador proteção social para que ele possa, de fato, se inserir com plenitude no espaço do trabalho, “garantindo para si e seus pares a construção de sua identidade social e a possibilidade de emancipação coletiva pela via sindical”.
Tempo e espaço
A identidade do trabalhador terceirizado, sob a ótica do tempo e espaço, foi tema do professor da UnB e Procurador do Trabalho Cristiano Paixão.
De acordo com o professor, a precariedade não existe apenas no contrato de trabalho. “É uma precariedade mais profunda, mais existencial. O trabalhador está fora das dimensões da vida exterior: tempo e espaço. Ele é desprovido dessas condições”.
Paixão explica que o tempo é aterrorizante para o trabalhador terceirizado. “Qual é o seu tempo? Ele não enxerga uma estrutura escalonada de postos de trabalho, não ascende, não vê perspectivas de futuro. A incerteza entra aqui também. Vou ter meu emprego no final desse contrato? Quem vai ser meu futuro empregador? Vou receber as verbas rescisórias? A empresa vai desaparecer?”
Na dimensão espacial, segundo o procurador, o trabalhador também é punido. Ele pode trabalhar duas semanas em um ministério, dois meses em um shopping e assim por diante. “Em cada uma dessas situações ele tem que reconstruir sua relação com o espaço, pois é extirpado disso”. Paixão lembra que as pessoas criam relação com seu local de trabalho, o que inexiste no caso dos terceirizados.
“Todo trabalhador tem narrativas, histórias de vida para contar. Como consequência dessas ausências [tempo e espaço], os trabalhadores terceirizados veem sua vida em fragmentos, o Capitalismo os tornou migrantes, exilados do trabalho”, disse.
Nesse sentido, disse Paixão, a precarização vai além da do trabalho, é a precarização do indivíduo. “Esse diagnóstico envolve uma violação a nossa Constituição no que diz respeito à dignidade humana”.
Petroquímicos
A pesquisadora e professora da Universidade Federal da Bahia, Maria da Graça Druck, saudou a luta contra o PL 4330 na abertura de sua fala sobre a terceirização no setor petroquímico. “Estamos sofrendo uma ofensiva do patronato, do capital, de forma bem articulada. Precisamos de uma contrarreação, de uma contraofensiva”, disse.
Ao pesquisar o Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia, a pesquisadora constatou o aprofundamento das tendências dos anos 90, “uma epidemia de terceirizações, em todas as áreas e atividades das empresas, inclusive na atividade-fim”.
Segundo ela, a relação entre subcontratados e contratados direto nas empresas do Polo chegam a 64% contra 36%, respectivamente.
“E isso vem aumentando, generalizando, principalmente com a diversificação das formas de terceirização, como a existências de falsas cooperativas, contratação via ONGs”, alertou. Maria da Graça reforça que os riscos a que se expõem os trabalhadores são maiores entre os terceirizados.
Para Maria da Graça, só há uma forma de reverter essa situação: “União e mobilização nacional para fazer frente a essa ofensiva patronal”.
Setor bancário
Em sua palestra sobre a terceirização no setor bancário, o juiz do Trabalho Grijalbo Coutinho afirmou que o capitalismo vive uma crise, não consegue mais realizar toda a sua riqueza, acumular todos os seus lucros. “Mas o sistema financeiro tem altas taxas de rentabilidade, lucro. E quer mais”.
O juiz explicou que todos os anos milhares de postos de trabalho são extintos com transferência para a terceirização. “Já são 405 mil correspondentes bancários. E a precariedade é radical. Há uma disparidade salarial (recebem menos da metade do salário de um bancário formal); jornada de trabalho ampliada e a invisibilidade social”.
No caso bancário, disse Grijalbo, o Banco Central iniciou o processo de terceirização e emite resoluções, legisla sobre o Direito do Trabalho (terceirização bancária); “um absurdo que permite essa terceirização rasgada”.
Segundo ele, se a terceirização for ampliada, a Constituição Federal não valerá para esses trabalhadores, pois serão “ultraprecarizados”.
Para Grijalbo, o que está em jogo é o sistema como um todo. No entanto, enfatizou que a “classe trabalhadora pode mudar isso, com atos de impacto, atos políticos. Mas se a sociedade não se unir, denunciar, a barbárie virá, será legitimada. É hora de lutar, de unir forças”.
Hotsite
Ao final, a coordenadora dos trabalhos, economista e pesquisadora da Unicamp, Marilane Teixeira, lembrou que a própria Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou a sua agenda para os candidatos à presidência da República e o tema da terceirização é central neste setor. “É uma ofensiva muito grande. Portanto, esse nosso esforço de reunir estudiosos, pesquisadores, sindicalistas e trabalhadores para discutir esse tema é fundamental e os resultados desse nosso evento vão repercutir muito sobre o conjunto da sociedade”.
Marilene ressaltou que os estudos, pesquisas e trabalhos que estão sendo elaborados podem ser acessados no endereço eletrônico http://www.combateaprecarizacao.org.br/.
Mais luta
A pesquisadora Magda Barros Biavaschi disse que é preciso unificar as inquietações – demonstradas ao longo do Seminário – na afirmação de que são importantes e fundamentais espaços civilizatórios que brequem a terceirização.
Para ela, a CNI construiu as suas propostas apostando na terceirização e na supressão da lei como fonte primeira.
“Mas no Brasil não se construiu uma Constituição liberal. A nossa construção constitucional abandonou o liberalismo acreditando que as ‘mãos invisíveis’ têm dono e que é necessário o Estado provedor, o Estado social”, enfatizou.
Magda Barros disse que a justiça do trabalho tem sido um espaço importante de freio à terceirização. “Mas, não à toa, agora ela é a bola da vez”.