Para blogueiros, novo marco regulatório das comunicações ainda está longe

Dois momentos diferentes marcaram as atividades do 2º Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas, ocorrido no final de semana, em Brasília. Na noite de sexta-feira, dia 17, mais festiva porque de abertura, aplausos acalorados para o presidente Lula, que arrancou também várias gargalhadas da platéia de mais de 500 pessoas ao falar como convidado e ainda foi recebido por uma nova palavra de ordem, releitura de outra mais antiga: “Lula, blogueiro, do povo brasileiro”.

Já na manhã de sábado, dia 18, mais sisuda porque dedicada a debates mais profundos, a leitura dos expositores foi na linha de questionar as diferenças entre o raio de ação de governos e Estado e o real poder, “que não é do Estado nem do governo”, como afirmou o professor e jurista Fabio Konder Comparato, um dos debatedores.

Um resumo possível:

a) sem democratização das comunicações, não será possível realizar as outras reformas necessárias – como a agrária, a política e a tributária -, uma vez que a concentração dos meios de comunicação na mão de poucos grupos impede a difusão das informações transformadoras;

b) os sucessivos governos, incluindo os oitos anos de governo Lula e os primeiros instantes do governo Dilma, não enfrentaram a questão do monopólio das comunicações.

A questão, portanto, está em aberto e os obstáculos são imensos.

Daí a necessidade de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil, tema da primeira mesa de debates do sábado. O professor Venício Santos Lima, pesquisador e autor de livros sobre o tema, destaca que esse debate sobre um novo marco para a comunicação teve início, no mínimo, durante o processo constituinte, na segunda metade dos anos 1980. E que voltou à cena e ao noticiário no início do primeiro mandato de FHC, entre os anos 1994 e 1995.

“Isso significa que não é verdade, ao contrário do que dizem aqueles que não querem um novo marco regulatório, que esse debate surgiu no governo Lula e que possa significar uma tentativa de censura ao meios”, disse Venício. “Ao contrário, esse é um debate para dar voz a quem não tem”. Lembrando citação do padre Antonio Vieira, Venício comentou: “O problema do Brasil é que ele não tem voz. O povo pobre não pode se expressar”.

No debate sobre um novo marco regulatório para as comunicações, a questão da propriedade cruzada de emissoras de TV, rádio e jornal impresso por uma mesma pessoa ou grupo econômico sempre vem à tona.

“A dominação dos meios faz parte dos núcleos, e não da superfície do poder capitalista”, afirmou Fabio Konder Comparato. O jurista destacou que foi a necessidade de dominar os meios que levou o capitalismo a desenvolver novas tecnologias na área e chegar ao rádio e à TV, um instrumento de informação instantâneo, mas que circula a mensagem apenas em sentido único. Quem a recebe não participa do processo.

Concentrada como é, tem um poder imenso. Comparato ainda discorreu sobre a impotência dos órgãos de Estado diante dessa máquina oligárquica. Para ilustrar a tese, citou como exemplo uma história que aconteceu com “um professor idiota de São Paulo”, numa alusão bem-humorada a ele mesmo.

Depois de enviar um carta ao jornal “Folha de S. Paulo”, comentando uma reportagem, viu seu texto publicado junto com um comentário da direção de redação do jornal, que acusava o autor da carta de “cínico e mentiroso”. Diante da grave acusação, buscou reparação na Justiça, que mais tarde inocentaria o jornal.

Concluiu dizendo que, diante desse poder do oligopólio e do monopólio, “não há espaço para a negociação nem para a conciliação de interesses”. Comparato recorreu a outro exemplo, esse mais impactante e amplo que o anterior, para ilustrar esse choque desigual.

Autor de três ações diretas de inconstitucionalidade por omissão (ADO), todas para cobrar o cumprimento da regulamentação do dispositivo constitucional que determina revisão periódica das concessões de rádio e TV, Comparato comentou: “Faz três meses que o Ministério Público Federal recebeu as ADOs e não proferiu nenhum parecer, e nem parece que vai emitir um parecer”.

A deputada federal Luiza Erundina, outra debatedora, confirmou essa imensa diferença entre os meios públicos de controle existentes e o poder real da mídia comercial. Desta vez, no Congresso Nacional.

Erundina lembrou que, quando foi integrada à Comissão de Ciência e Tecnologia, não tinha familiaridade com o tema. “Mas lá chegando percebi o caráter estratégico do objeto daquela comissão, que são as telecomunicações. Eu como tenho origem na militância da luta pela terra, percebi que o dia em que a gente democratizar de fato a comunicação, teremos condições de fazer todas as reformas necessárias, inclusive a reforma agrária”.

Porém, tão logo percebeu a importância de acompanhar o tema através do Congresso, notou também que as concessões de rádio e TV são renovadas sem qualquer análise técnica e política séria por parte do Congresso. “Até hoje é assim”, confirma. E informa que o Conselho de Comunicação Social do Congresso, ainda que tivesse apenas caráter consultivo, foi desativado há cinco anos. “Protestei formalmente contra isso por várias vezes, mas não obtive resposta das lideranças, da Presidência do Senado”, disse Erundina.

A deputada federal e também integrante da Frente Parlamentar pela Democratização das Comunicações, lembrou igualmente da imensa dificuldade de realizar audiências públicas para tratar de renovação de concessões de canais de TV e rádio. “Deputado tem muito medo de se indispor com a mídia, é impressionante. Aí desaparecem e não votam”, informou a parlamentar.

Criança esperança

O professor Fabio Konder citou estudo patrocinado pela Unesco e divulgado em fevereiro, em que a entidade da ONU critica a alta concentração dos meios de comunicação em mãos privadas no Brasil.

Após a divulgação desse estudo, a Rede Globo de Televisão – citada nominalmente no trabalho da Unesco – chamou os representantes da entidade no Brasil para ameaçá-los com o fim do programa Criança Esperança, segundo o professor Comparato.

Questionado ao fim de sua fala sobre maiores detalhes a respeito desse episódio, o jurista aconselhou que sejam procurados os autores do estudo que irritou a Globo – Toby Mendel e Eve Salomon.

Como uma das formas de a população enfrentar o poder desses monopólios, o professor citou uma de suas bandeiras: a regulamentação da democracia direta no país e a “liberação” – termos dele – dos plebiscitos e referendos no País. “Se pudéssemos usar os referendos e plebiscitos como instrumento da luta popular, é evidente que a casa ia cair”.

Luiza Erundina encerrou o debate com uma fala otimista. Sem discutir os méritos de um certo tom pessimista das análises anteriores, ela afirmou que a “utopia deve ser contada não em nossos anos de vida, mas na perspectiva histórica. Vocês jovens não têm o direito de desanimar”.

A deputada fez uma sugestão, diante de pergunta apresentada por um integrante da platéia. “Por que vocês mesmos não criam conselhos estaduais e regionais de comunicação, sem esperar o aval de governador, de prefeito? Isso é luta”. Aplaudida de pé, retomou o microfone para dizer: “Sabe por que vocês gostaram? Porque isso está dentro de vocês”. A deputada destacou que sem mobilização, o processo de mudança ficará mais difícil ainda.

Logo depois, em outra mesa de debate, José Dirceu, ele mesmo um blogueiro, disse que à consolidação desse movimento de comunicação é preciso iniciar uma nova fase. “Acho que estamos na hora de organizar mobilizações para pressionar pelo novo marco regulatório”.

Na noite de sexta

O ex-presidente Lula foi a estrela da noite de sexta. Elogiou os blogueiros e agradeceu o papel desempenhado pelos blogs e pelas redes sociais progressistas no trabalho de desmentir as armadilhas da campanha eleitoral de José Serra (como no caso do “meteorito de papel”, como lembrado por Lula).

Depois dele, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, procurou fugir de perguntas espinhosas sobre o enfrentamento de monopólios como o da Globo, mas adiantou ao menos duas propostas. A primeira, a de que até o final deste ano chegará a internet banda larga a R$ 35,00, oferecendo 1 M de conexão. A outra, profundamente ligada à primeira, é de que a Telebrás está no comando da expansão da rede, mas que atuará em conjunto com as empresas privadas, alterando, no entanto, cláusulas contratuais que o governo tem com esses grupos, obrigando-os a cumprir as metas de acesso e distribuição a ser estabelecidas pelo futuro Plano Nacional de Banda Larga, prevendo punições para descumprimentos.

O ministro deu a resposta motivado por intervenções como a da secretária nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti. “Eu queria que ele fosse além e falasse sobre instrumentos de controle social sobre a ampliação da banda larga e a fiscalização das empresas”, comentou ela, depois.

o 2º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas foi uma iniciativa do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, da Altercom e do Movimento dos Sem-Mídia, com o apoio, entre outras entidades, da CUT, da FUP, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, do Sindicato dos Bancários de São Paulo, da Rede Brasil Atual e da TVT, que cuidaram da transmissão ao vivo do evento.

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