Em 2001, o neoliberalismo era glorificado, e a 1ª edição do Fórum Social Mundial era ridicularizada por “analistas” econômicos e políticos
POR ODED GRAJEW*
A PARTIR de amanhã até 1º de fevereiro, a cidade de Belém, no Pará, passa a ser a capital da região pan-amazônica (composta por Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Suriname, Guiana e Guiana Francesa) e vai abrigar a nona edição do Fórum Social Mundial. O FSM foi criado para se contrapor ao modelo de desenvolvimento dominante, enaltecido e propagado pelo Fórum Econômico Mundial, de Davos, que sempre combateu qualquer controle e regulação que pudessem inibir a “liberdade” do mercado.
A primeira edição do FSM foi realizada em 2001 em Porto Alegre (RS). Naquele momento, o neoliberalismo era glorificado. O então presidente da Argentina, Carlos Menem, era recebido com tapete vermelho em Davos, e suas políticas eram enfaticamente recomendadas para todos os países “em desenvolvimento”.
Os idealizadores, organizadores, apoiadores e participantes do FSM eram ridicularizados por boa parte dos “analistas” econômicos e políticos. Eram tachados de retrógrados que só sabiam criticar, mas que não tinham nenhuma alternativa a propor. Porém, já na primeira edição, milhares de participantes vindos de dezenas de países se organizaram em mais de 1.500 oficinas, debates, conferências e seminários que denunciavam os problemas e os riscos para as pessoas, a economia, a democracia, o meio ambiente e a paz mundial do modelo de desenvolvimento vigente. Ao mesmo tempo, propunham e apresentavam práticas e políticas que apontavam para a justiça social, a democracia participativa e o desenvolvimento sustentável.
Infelizmente, uma parte da mídia tentou desqualificar o evento, dando visibilidade apenas aos protestos e às críticas, sem mostrar as propostas e as alternativas. Procurou folclorizar o FSM, destacando, por exemplo, um rapaz que viajou milhares de quilômetros para tocar violão à beira do rio Guaíba, vendedoras de produtos artesanais, namoros no acampamento da juventude, factóides políticos. Felizmente, outra parte da mídia tradicional, a mídia alternativa e as ações de comunicação das organizações sociais conseguiram repercutir adequadamente a programação, o conteúdo e o sentido do evento, contribuindo decisivamente para o enorme crescimento qualitativo e quantitativo e para a rápida expansão geográfica do FSM. A mensagem “um outro mundo é possível” ganhou corações e mentes, mudou a agenda política, social e ambiental em muitos países, promoveu um forte questionamento do modelo econômico e civilizatório e da legitimidade das guerras e da violência.
Foi construído um espaço mundial que se desdobra continuamente em processos locais, regionais e temáticos que oferecem aos participantes a oportunidade de debater, visibilizar propostas e práticas e se articular para ganhar a força política e social para viabilizar as decisões tomadas.
A escolha da região pan-amazônica se deve a seu papel estratégico para toda a humanidade, por deter imensas riquezas culturais e ambientais em risco de aniquilação, mas que podem alimentar um novo modelo de civilização. A região abriga a maior biodiversidade do planeta, ameaçada de extinção e essencial ao equilíbrio climático e ambiental mundial.
Será a oportunidade de perceber que o atual colapso financeiro, os conflitos armados e a degradação ambiental fazem parte de uma mesma crise de valores decorrente do modelo de desenvolvimento que privilegia a competição, sem limites e a qualquer custo, pelo poder e pelo acúmulo de bens materiais.
Essa luta, em que impera a lei do mais forte, degrada o tecido social, pelo aumento da distância entre ricos e pobres; fomenta crises econômicas, alimentadas pela desconfiança generalizada e pelo clima de salve-se quem puder; corrompe a sociedade e os governantes, que necessitam cada vez mais do poder econômico para se elegerem; arrasa o meio ambiente, aquece o planeta e esgota os recursos naturais, vitais para a sobrevivência das espécies; acirra os conflitos estimulados pelo ambiente competitivo, pelos interesses econômicos e políticos que lucram com as guerras, pela luta cada vez maior pela posse de recursos naturais e de fontes de energia, pela pobreza e desinformação que facilitam a manipulação das massas e degradam a democracia.
O FSM em Belém, uma cidade que carrega um nome tão repleto de simbolismos, poderá ser um marco na renovação e no fortalecimento de nossas esperanças para o nascimento de um mundo solidário, justo, sustentável, democrático e pacífico.
*ODED GRAJEW, 64, empresário, é um dos integrantes do Movimento Nossa São Paulo e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. É idealizador do Fórum Social Mundial e idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq. Foi assessor especial do presidente da República (2003).