Ilan Brat
The Wall Street Journal
Nesta semana um pequeno sindicato espanhol invadiu dois supermercados em uma das regiões mais pobres do país, em um sinal eloquente da insatisfação crescente com a grave crise econômica e os planos de austeridade do governo.
Na terça-feira (7), centenas de membros do Sindicato Andaluz de Trabalhadores, que representa principalmente os trabalhadores rurais do sul da Espanha, invadiram um supermercado e levaram, à força, mais de dez carrinhos cheios de pacotes de leite, massas, feijão e outros alimentos, e no dia seguinte pressionaram outro supermercado para doar igual quantidade de alimentos. Os produtos foram distribuídos.
As invasões foram orquestradas pelo sindicato numa tentativa de atrair atenção para os problemas enfrentados pelos desempregados, e despertaram polêmica entre políticos. A polícia espanhola deteve dois participantes por suspeita de roubo. Eles foram liberados ontem e devem ser chamados para testemunhar num tribunal.
Um grupo de associações espanholas de supermercados e de distribuição condenou os “atos injustificáveis de violência” e disse que, embora o seu setor tenha sido um dos mais afetados pela queda no consumo, vem reduzindo os preços e mostrando “solidariedade” com o povo espanhol.
Um porta-voz da Mercadona, a rede de supermercados dona de uma das lojas atacadas, não quis comentar. Um representante da Carrefour confirmou que o gerente de sua loja local chegou a um acordo com o sindicato para fazer uma doação a fim de evitar um saque, e que é política da empresa fazer algumas doações.
Líderes dos maiores sindicatos espanhóis também lamentaram os protestos. Mas membros do SAT, como é conhecido o sindicato em espanhol, prometeram realizar mais atos de “expropriação” de alimentos, para chamar a atenção para o impacto que a taxa de desemprego, de quase 34%, está causando nas famílias na região de Andaluzia. “Esse é um ato de desespero em nome das famílias que estão em situações desesperadoras”, disse José Caballero, um organizador do SAT que participou dos saques.
Embora sejam, até o momento, atos isolados, os saques mostram a insatisfação crescente, em especial nas camadas populares, enquanto o governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy, do conservador Partido Popular, prossegue no programa de austeridade mais rígido da história do país.
Rajoy planeja fazer cortes de gastos e aumentos de impostos no valor de mais de 100 bilhões de euros (US$ 124 bilhões) nos próximos dois anos, o que inclui aumentar significativamente o imposto sobre as vendas e reduzir os salários dos funcionários públicos e o salário-desemprego.
O governo ainda não disse se vai renovar um benefício, que expira em meados de agosto, que fornece a algumas pessoas que já esgotaram seu salário-desemprego cerca de 400 euros de renda mensal durante seis meses, com a condição de que a pessoa busque fazer uma reciclagem profissional.
Funcionários públicos, estudantes, taxistas e outros vêm protestando quase todos os dias, em Madri e outras cidades. As manifestações também estão aumentando nas agências bancárias de todo o país – os clientes temem que os bancos já abalados, sob pressão da União Europeia, vão impor prejuízos nos papéis de dívida bancária que muitos espanhóis detêm, como investimento seguro, para assegurar um auxílio da União Europeia no valor de até ? 100 bilhões.
A aprovação do público ao Partido Popular caiu significativamente desde a eleição, em novembro, e os maiores sindicatos da Espanha estão pressionando para a realização de um plebiscito sobre os planos de austeridade. Também se preparam para uma possível greve nacional ainda este ano.
“Há muitos sinais de que o quarto trimestre será difícil para o governo”, disse José Félix Tezanos, professor da Universidade Nacional de Educação à Distância e diretor do grupo de estudos Fundación Sistema, em Madri. “É difícil governar um país com a opinião pública contra o governo.”
O descontentamento não deve abalar, no momento, a capacidade do governo de realizar cortes e reformas orçamentárias. O Partido Popular tem uma confortável maioria parlamentar, que tem se mantido firme até agora, e o resultado das pesquisas de opinião para o principal partido da oposição, o Socialista, melhora muito pouco.
Ontem, Alfonso Alonso, porta-voz parlamentar para o partido de Rajoy, condenou os saques, dizendo que prejudicam a imagem da Espanha no exterior. “Agora é a hora de agir com lealdade e apoiar o governo”, disse ele. “Por meio do nosso comportamento, nossa solvência e nossa seriedade estão sendo julgadas.”
O número de necessitados está crescendo. A taxa de desemprego espanhola subiu para um recorde de 24,6%, a mais alta do mundo industrializado. Como o prazo do auxílio-desemprego vai terminando para quem está desempregado há muito tempo, o percentual de espanhóis desempregados recebendo assistência caiu de 78% em 2010 para 65%.
Em Espera, uma das cidades que receberam a “ajuda” de alimentos dos supermercados, o prefeito Pedro Romero diz que uma queda nas transferências de receitas do governo federal o está forçando a tomar decisões difíceis na sua administração.
A taxa de desemprego local é de mais de 50%, diz ele, e neste ano a cidade cancelou uma festa anual que comemora um retorno, para férias, dos emigrantes que partiram para encontrar uma nova vida em outras partes da Espanha ou do mundo.
A cidade também parou de fornecer contratos temporários, que pagavam uns ? 500 por cerca de duas semanas de trabalho para os moradores que estão tendo dificuldade para arcar com as contas básicas.