FOLHA DE SÃO PAULO
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
O grupo financeiro JPMorgan lucrou US$ 5 milhões por hora no primeiro trimestre deste ano. Dá praticamente R$ 9 milhões, o que significa que um trabalhador brasileiro de salário mínimo levaria cerca de 1.500 anos para receber o que um grupo como esse ganha em uma hora.
O JPMorgan não está sozinho em ganhos tão siderais: o Goldman Sachs registrou lucros de pelo menos US$ 25 milhões em cada um dos 63 dias úteis do ano (R$ 44 milhões).
No total, os 14 maiores bancos de investimento tiveram uma receita conjunta de US$ 78,8 bilhões no primeiro trimestre, os melhores números em três anos, apenas US$ 1,2 bilhão abaixo do pico de US$ 80 bilhões registrado no primeiro trimestre de 2007 (antes da eclosão da crise chamada então de crise das “subprimes”).
Para comparação: essa quantia corresponde a 58% de tudo o que os 16 países da zona do euro mais o FMI (Fundo Monetário Internacional) conseguiram mobilizar para impedir a falência da Grécia.
Os números de uma fatia da “alcateia” que ataca sucessivamente diferentes países, para usar expressão do ministro sueco das Finanças, Anders Borg, foram divulgados pelas próprias companhias, em obediência à determinação da SEC (Securities and Exchange Comission), xerife das Bolsas norte-americanas.
É inevitável que lucros tão formidáveis levem a acirrar a guerra já não tão surda entre os governos e os mercados financeiros.
Investigação
O Goldman Sachs, aliás, está sob investigação do Congresso dos Estados Unidos, acusado de fraude com um determinado tipo de produto financeiro. É também suspeito de ter sugerido o mecanismo de maquiagem da dívida pública grega, para que o país pudesse entrar no euro.
A maquiagem só foi revelada em outubro passado, quando o governo conservador que a praticara foi derrotado nas urnas. O novo governo, socialista, expôs os números.
Foi a partir daí que se acelerou notavelmente a crise da Grécia, o que contagiou rapidamente outros países em situação fiscal frágil e acabou chegando perto de se tornar uma crise sistêmica capaz de derrubar o euro.
Os formidáveis lucros dos grandes nomes do mercado aparecem depois que, nos últimos dois anos, governos do mundo todo jogaram a formidável pilha de US$ 11 trilhões, mais de seis vezes tudo o que a economia brasileira produziu em 2009, para evitar o colapso econômico, inclusive dos bancos que só não quebraram graças a subsídios do governo.
O mundo político tende a considerar inaceitável que o setor financeiro registre ganhos tão colossais enquanto os mesmos governos que o ajudaram se vejam agora forçados a um regime brutal de emagrecimento, como está ocorrendo na Grécia e vai ocorrer ainda neste ano em Portugal e na Espanha.
Portugal
Portugal, aliás, entrou definitivamente ontem na linha de tiro, a partir do momento em que a agência de classificação de risco Moody’s emitiu nota antecipando um “provável” rebaixamento da nota do país.
Cada vez que uma agência do tipo rebaixa a nota de um país, ele passa a pagar mais para rolar sua dívida.
A Moody’s lembra na nota que o muro de defesa das economias europeias levantada na segunda-feira pela União Europeia/FMI/bancos centrais não significa que os problemas tenham sido superados.
Para agentes de mercado, não foram mesmo, como afirma Philippe Gijsels, chefe de pesquisa do banco BNP Paribas Fortis:
“A dívida ainda está no sistema e, eventualmente, esses problemas surgirão de novo.”
É possível que essa convicção tenha guiado a mudança de humor dos mercados ontem. Depois da euforia da segunda-feira, a terça foi um dia basicamente normal, com as Bolsas oscilando em torno de 1%, para mais ou para menos. O euro perdeu algo do que ganhara na véspera.
Enfim, nada de excepcionalmente negativo, como na semana passada, ou extraordinariamente positivo, como na véspera.
De positivo, apenas o fato de que a Moody’s, no mesmo comunicado, poupa Irlanda, Itália e Espanha: “Não temos planos para rebaixar a classificação de seus títulos em futuro próximo”.
Talvez por isso, a outra novidade do dia também foi neutra: a Itália rolou sem problemas ? 5,5 bilhões em empréstimos a um ano, recebendo, aliás, ofertas pelo dobro desse valor. Pagou mais, é verdade, mas muito pouco mais (0,15%).
Dada a volatilidade nos mercados, a ausência de drama na operação acaba sendo significativa, ainda mais se se considerar que a Itália faz parte, com Portugal, Irlanda e Espanha, do grupo de alto risco nas especulações dos mercados.