Mudanças tecnológicas reduzem postos de trabalho e obrigam trabalhadores a se adequarem

Bancários debatem sobre “futuro do trabalho, impactos e organização sindical” na primeira mesa de debates deste domingo na 21ª Conferência Nacional dos Bancários

O economista e professor da Universidade Estadual de Campinas, Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, abriu a primeira mesa de debates deste domingo (4) na 21ª Conferência Nacional dos Bancários, sobre “futuro do trabalho, impactos e organização sindical”. Para ele, o capitalismo não é responsável pela concentração de renda, redução de empregos e aumento da desigualdade, como foi atribuído durante o último Forúm Econômico Mundial. “A desigualdade não é uma responsabilidade do desenvolvimento capitalista, esta é uma responsabilidade do avanço tecnológico. Estamos diante de uma mudança tecnológica muito profunda, que inclui redução dos postos de trabalho e obriga os trabalhadores a se adequarem aos postos existentes”, disse o economista.

Neste cenário, de acordo com Pochmann, o mercado e a economia determinam se há ou não empregos.

A inovação tecnológica está associada à redução de tempo de trabalho e é preciso atenção à disputa dos bens de produtividade. “As tecnologias nos possibilitam trabalhar de qualquer lugar e sem limite de jornada de trabalho. Nós estamos sendo mais explorados, tendo mais doenças ocupacionais, porque há mais tempo de trabalho e menos ganho. O movimento sindical precisa se organizar para reduzir o horário de trabalho e lutar pela tributação dos ganhos por produtividade, que nos ajudaria a ampliar o fundo público e alterar a idade de ingresso das pessoas no mercado de trabalho”, observou o economista.

Pochmann fez um comparativo entre a idade que os trabalhadores da chamada “classe baixa” e os da “classe alta” entram no mercado de trabalho. “O ideal seria que todos iniciassem a carreira aos 24 anos. Mas, sabemos, os filhos de rico não começam a trabalhar antes de terminar a faculdade e estudar no exterior, por isso estão mais preparados. Já os pobres, começam a trabalhar mais cedo e têm que trabalhar e estudar ao mesmo tempo, logo não conseguem competir com os mais preparados”, observou.

“Estamos diante de uma mudança tecnológica muito profunda, que inclui redução dos postos de trabalho e obriga os trabalhadores a se adequarem aos postos existentes”. Foto: Jailton Garcia / Contraf-CUT

Luta contra a precarização

Para Marcio Pochmann, é fundamental que o movimento sindical tenha um olhar estratégico com maior qualificação sobre o futuro e renove sua atuação sindical para lutar contra a precarização do mercado de trabalho e as desigualdades. “Os sindicatos atuam de forma contemporânea com a sociedade urbana e social, mas essa atuação não é compatível com a realidade tecnológica. Os sindicatos representam apenas enquanto os trabalhadores estão no local de trabalho. O que vemos hoje é o ressurgimento de instituições totalizadoras, que reúnem milhares de pessoas. Precisamos repensar a nossa forma de atuação e não tenho dúvidas de que eventos como esse, que reúnem bancários de todo o país, pode propor uma agenda de resultados que dialogue com esse novo mercado de trabalho”, disse.

Em sua explanação, o advogado José Eymard Loguercio, da LBS advogados, disse que os trabalhadores precisam se organizar para combater a ofensiva contra a organização sindical que o governo federal prepara para o segundo semestre. Ele se refere à entrevista do secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, publicada neste domingo (4), pelo jornal Folha de S. Paulo.

Para Loguercio, essa será mais uma etapa do projeto de desconstrução da classe trabalhadora que começou com a Reforma Trabalhista. “Os principais objetivos eram levar toda lógica da relação do trabalho para a relação individual, criar novas formas de contratos de trabalho e liberar a organização produtiva.”

Na sequência, a MP 881 transformou toda lógica de interpretação do direito. “Vamos passar a ler o direito pela lógica de econômica de mercado”, explicou o advogado. “Não bastasse a desregulação, a MP 881 ainda pode liberar o trabalho aos finais de semana, sem necessidade de contratação coletiva para isso.”

Agora, tem essa nova ameaça, prometida neste domingo pelo secretário do governo. “Do ponto de vista sindical, até então, o ataque veio pelas formas de financiamento. Na reforma trabalhista e depois pela MP 873. Agora, o ataque virá de outras formas”, acredita Loguercio.

De acordo com ele, a mudança tem a ver com as novas formas do capital se organizar. “Assim como já foi feita na ditadura militar, eles vendem a mudança como forma de modernizar as relações trabalhistas. O que se avizinha é a troca da unicidade sindical por uma pluralidade sindical”, afirmou.

“Nós defendemos a liberdade sindical, mas liberdade sindical não é ausência de regulamentação, pelo contrário, é uma série de garantias para organização sindical, como a liberdade de auto regular-se”, elucidou Loguércio.

Como o sistema de pluralidade é extremamente complexo – justifica o advogado – os critérios devem estar em lei, para garantir a ação sindical. “Os países que passaram por mudanças como a nossa, fizeram isso em períodos democráticos, em que foi possível negociar praticas sindicais. Se nós estamos em épocas como a nossa, vamos ter mais dificuldade, o que exige de todos nós mais conhecimento da matéria, para disputar esse espaço de negociação.”

Segundo o advogado, os próximos meses vão exigir muita unidade das centrais sindicais. “A organização será fundamental para pensar na autonomia das entidades sindicais e enfrentar essa ideia neoliberal de que o sindicato serve para atrapalhar. Nós temos uma enorme tarefa, neste momento, que será encarar um segundo semestre focado na defesa dos ataques do governo, que tem como objetivo a desconstrução do movimento sindical.”

“A organização será fundamental para pensar na autonomia das entidades sindicais e enfrentar essa ideia neoliberal de que o sindicato serve para atrapalhar”. Foto: Jailton Garcia / Contraf-CUT

Tecnologia bancária

Dados da apresentados pela economista Vivian Machado, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), ao realizar uma exposição sobre “A Indústria 4.0 nos bancos”, mostram que os bancos investiram R$ 97,7 bilhões em tecnologia desde 2014. “Só o governo investe mais em tecnologia do que os bancos. Tanto no Brasil quanto no mundo”, destacou a economista.

De acordo com pesquisa realizada pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), as tecnologias que mais receberam investimentos em 2019 foram o BIG Data / Analitics (80%) e inteligência artificial (73%). “As tecnologias de análise de dados e de atendimento aos clientes sem a intermediação humana são as prioridades de investimentos pelos bancos na área de tecnologia”, disse a economista.

Foto: Jailton Garcia / Contraf-CUT

Com isso, tem crescido o volume de transações bancárias realizadas por meio tecnológico. As transações por celulares de pagamento de conta, por exemplo, cresceram 80%. Os dados apontam que, no total, 40% das transações são realizadas por celular e 20% pela internet. Apenas 5% das transações são realizadas nas agências. “E as transações por meio tecnológico vem crescendo ano a ano. São transações sem qualquer intermediação humana. E os clientes pagam cada vez mais caro por serviços que eles mesmos realizam”, observou Vivian.

Fintechs

Segundo a economista do Dieese, o Brasil tem hoje 529 fintechs. São Paulo sozinho possui 58% delas. Somadas às que estão nos outros três estados da região Sudeste, são 74,5%. Outras 17,9% estão no Sul do país. Estas empresas possuem 28 mil trabalhadores.

“O movimento sindical brasileiro está preparado para esse novo contexto tecnológico? Como será a representação e a ação sindical para esses trabalhadores nos seus locais de trabalho?” questionou a economista no final de sua explanação.

Emprego e sindicalismo bancário

Coube ao também economista do Dieese, Gustavo Machado Caversan, falar sobre o “futuro do emprego e do sindicalismo no segmento bancário”.

Caversan observou que hoje, existem 60 mil postos de trabalho a menos nos bancos do que existiam em 2012. “Isso representa mais de 11% de redução da categoria em um curto espaço de tempo”, disse.

Com base em informações da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o economista do Dieese, disse que das cinco principais ocupações nos bancos, em 2003, 20,4% dos postos de trabalho da categoria nos bancos privados era de caixa de banco. A segunda maior ocupação era de escriturário, com 8,9% dos postos. Apenas um dos postos era na área gerência, o terceiro, com 8,3% dos postos de trabalho. As outras duas eram chefes de serviços bancários (7,1%) e de assistente administrativo (6,8%).

Em 2017, esse quadro era totalmente diferente. Entre as cinco principais ocupações, três eram na área de gerência. Gerente de contas (16%), gerente administrativo (10%) e gerente de agência (5%). Os caixas eram apenas 13% e escriturários 4%.

“Ou seja, a maior queda foi nas ocupações da base da pirâmide: escriturários e caixas. Temos que estar atentos, pois tem sobrado apenas trabalhadores com os quais temos dificuldade de comunicação”.

Foto: Jailton Garcia / Contraf-CUT

Os dados do mercado de trabalho no ramo financeiro mostram os bancários tem perdido peso. “Mas, trabalhadores que não são representados pelos nossos sindicatos, fazem parte do quadro de funcionários dos bancos”, observou.

Caversan disse que dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostram que tem caído a taxa de sindicalização no mercado financeiro. “O número de associados dos sindicatos tem se mantido, mas o emprego tem crescido entre trabalhadores não representados pelos sindicatos”.

“Precisamos ter em mente que núcleo duro de trabalhadores que representamos que no qual há a maior taxa de sindicalização está se reduzindo e que um novo grupo, não representado pelos nossos sindicatos, que está crescendo. Diante disso, o que acontecerá com o número de sócios e com a taxa de sindicalização? O que acontecerá com o perfil dos sócios? Como fica o poder de barganha nas campanhas salariais? Qual a efetividade dos instrumentos de luta como greves e paralisações? Qual a capacidade de o sindicato se manter relevante enquanto ator social, não só nas lutas da categoria, mas nas lutas políticas mais gerais?”, concluiu Caversan.

Fonte: Contraf-CUT

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