Atividades do movimento não param nos Estados Unidos
Três meses depois do início de um movimento que se define como sem líderes e sem demandas específicas, o “Ocupa Wall Street” continua forte em todo o país. Mesmo em Nova York, onde os manifestantes foram dispersados pela polícia, as atividades não pararam. Pelo menos 100 pessoas de diferentes organizações se reúnem diariamente num espaço público, também na região de Wall Street, para discutir pautas diversas.
Leia a reportagem de Carlos Alberto Jr., direto de Washington, publicada no site da Agência Carta Maior.
Peter Jacobs tem 19 anos e nasceu em Brasília. Aos seis anos, foi adotado por um casal de americanos e levado para Nova York. Com o passar do tempo, o português e a cultura brasileira ficaram para trás. Na adolescência, os atritos com a família tornaram a relação cada vez mais difícil. “Fui expulso de casa porque meus pais não gostavam do jeito que eu sou. Passei a viver na rua e na casa de amigos”, contou Peter à Carta Maior na última segunda-feira, na McPherson Square. Na praça localizada a poucas quadras da Casa Branca, Peter é mais um dos cerca de 350 integrantes do movimento “Ocupa DC” acampados em Washington.
Numa conversa com amigos há dois meses, Peter soube que um grupo de pessoas no estado de Massachusetts havia começado “um grande movimento para mudar o mundo”. Ele gostou da ideia. Pegou um ônibus para Boston e desembarcou na Dewey Square, no centro do “Ocupa Boston”. “Quando cheguei lá, foi como ser recebido por uma grande família. Havia comida, um lugar para dormir e muita troca de ideias.”
Peter, que se considera um sem-teto e acha que o dinheiro só piora a relação entre as pessoas, chegou a Washington há duas semanas. Ele representa uma parcela dos milhares que aderiram ao movimento de ocupação de espaços públicos em centenas de cidades nos Estados Unidos desde 17 de setembro. Nesse dia, um grupo de ativistas fez em Wall Street, o coração financeiro do país, um protesto para chamar a atenção contra o que considera a ganância das grandes corporações, a desigualdade social e a influência cada vez maior de bancos e multinacionais nas decisões de governos em todo o mundo.
A iniciativa marcou o nascimento do “Ocupa Wall Street” (OWS) e a ocupação do Zuccotti Park, em Lower Manhattan. O uso do twitter e do Facebook ajudou a divulgar o movimento e a coordenar as ações. O OWS espalhou-se rapidamente para outras capitais americanas e para mais de 1.500 cidades em 83 países, segundo Melanie Butler, uma das organizadoras do OWS em Nova York.
Poucos dias depois da primeira ocupação, surgia o slogan “Nós somos os 99%” em textos na Internet, camisetas, panfletos e cartazes. A mensagem, criada por um grupo de ativistas do Zuccotti Park, carregava a mesma força do “Ocupa Wall Street” e, igualmente, alastrou-se com velocidade pelas redes sociais. O novo mote resumia a insatisfação com a disparidade econômica e social nos Estados Unidos, onde 1% da população detém 40% da riqueza do país.
O rápido aumento do número de praças e parques tomados nos EUA virou motivo de preocupação. As autoridades passaram a reprimir as ocupações e a expulsar os manifestantes, muitas vezes por meio de ações violentas da polícia. Desde 17 de setembro, cerca de 1.500 pessoas foram presas em todo o país, a maior parte em Nova York, Boston e Chicago. “Os manifestantes expulsos do Zuccotti Park permanecem acomodados em igrejas e casas de simpatizantes na região de Nova York até conseguirmos autorização para ocupar outra área pública”, explicou Melanie Butler.
Três meses depois do início de um movimento que se define como sem líderes e sem demandas específicas, o “Ocupa Wall Street” continua forte em todo o país. Mesmo em Nova York, onde os manifestantes foram dispersados pela polícia, as atividades não pararam. Pelo menos 100 pessoas de diferentes organizações se reúnem diariamente num espaço público, também na região de Wall Street, para discutir pautas diversas.
“Tenho encontrado gente totalmente transformada pelo que aconteceu. Elas estão levando o que aprenderam com o “Ocupa Wall Street” para as suas comunidades. Estamos nos espalhando para lugares em que as pessoas poderão realmente participar do processo político. A ideia é descentralizar a tomada de decisões e começar uma mudança global a partir das pequenas cidades”, afirmou Melanie. “Quem diz que não alcançamos nada politicamente, porque não temos demandas específicas, apenas revela uma visão estreita da política. Se você olhar para as grandes transformações da história, verá que todas foram de longo prazo e nunca restritas a uma pequena lista de exigências ou plataforma política”.
Os estrategistas do OWS começaram a traçar as linhas de ação para 2012 com o objetivo de iniciar a segunda fase do movimento. “O elemento surpresa será nossa tática a partir de agora”, disse à Carta Maior Kalle Lasn, ativista e editor da revista canadense Adbusters, crítica feroz da sociedade de consumo.
“No próximo ano, os campi das universidades serão os grandes campos de batalha do movimento. Vamos passar menos tempo em parques e mais tempo em ocupações surpresa, com duração de um dia. Vamos ocupar a sede do Bank of America. No dia seguinte, tomaremos o quartel general do Goldman Sachs. Em universidades ao redor do mundo, vamos ocupar os departamentos de economia e discutir com os professores o tipo de economia estúpida que eles nos estão ensinando”, afirmou.
Lasn nasceu na Estônia, mas está radicado no Canadá desde a década de 1970. Ele e sua equipe da Adbusters criaram o slogan “Ocupa Wall Street” e convocaram as pessoas, por meio de um anúncio na revista e pela Internet, a ocupar espaços públicos e apresentar suas demandas. A inspiração veio dos acontecimentos da “Primavera Árabe”. “Foi um momento muito excitante para o ativismo em todo o mundo, especialmente porque queríamos esse tipo de revolução há pelo menos 20 anos”, disse Lasn, de Vancouver, por telefone.
Ele conta que, quando viram um regime duro como o do Egito cair pela mobilização dos jovens do país, pensaram que algo semelhante também seria possível nos Estados Unidos. “Também temos um tipo de regime aqui na América. Não é um regime como o egípicio, mas ainda assim é um regime de megacorporações com poder para controlar Washington, o coração da democracia americana, e Wall Street, que controla o destino da economia na América. De certa forma, aqui também precisamos de uma mudança de regime suave”.