A interferência direta e ilegal do ex-juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jata fica cada dia mais clara. Os novos diálogos divulgados, desta vez pela Folha de S. Paulo, mostram que Moro determinou condições para homologar delações negociadas por procuradores da Lava Jato em Curitiba.
Ele interferiu nas negociações das delações de dois executivos da construtora Camargo Corrêa, impondo aos procuradores que só homologaria os acordos se a pena proposta aos executivos incluísse pelo menos um ano de prisão em regime fechado. A conduta viola limites impostos pela legislação que manda juízes se manterem afastados de conversas com colaboradores.
Os diálogos revelam também que a interferência do juiz causou incômodo entre os integrantes da força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba. No dia 23 de fevereiro de 2015, o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa, escreveu ao colega Carlos Fernando dos Santos Lima, que conduzia as negociações com a Camargo Corrêa, para sugerir que consultasse Moro para consultá-lo sobre as penas a serem propostas aos delatores. “A título de sugestão, seria bom sondar Moro quanto aos patamares estabelecidos”, disse Deltan.
Foi a primeira vez que executivos de uma das maiores empreiteiras do país admitiram a prática de corrupção, abrindo caminho para que outros fizessem o mesmo nos meses seguintes. A Odebrecht e a Andrade Gutierrez decidiram colaborar com a Lava Jato em 2016.
A reportagem ouviu advogados que acompanharam as negociações com a Camargo Corrêa e seus executivos nessa época. Todos afirmaram não haver dúvida de que Moro ignorou os limites da lei ao impor pena mínima como condição para homologar os acordos dos delatores. Os advogados consultados disseram que dificilmente os executivos da Camargo Corrêa teriam aceitado cooperar com a Lava Jato sem ter alguma garantia de que os acordos receberiam o aval do juiz, segurança que só foi possível obter com as conversas que os procuradores tiveram com Moro durante as negociações.
As mensagens analisadas pela Folha e pelo Intercept indicam que, com o tempo, a interferência do juiz passou a ser vista com naturalidade pelos procuradores. Seis meses depois, quando um terceiro executivo da Camargo Corrêa, João Ricardo Auler, fechou acordo de delação premiada e era preciso decidir em que instância ele seria submetido a homologação, Deltan consultou Moro. “Vejo vantagens pragmáticas de homologar por aqui, mas não quisemos avançar sem sua concordância”, disse o procurador.
Jandira Feghali acredita que Moro interferiu na democracia brasileira
Para a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), líder da minoria na Câmara, os novos diálogos divulgados nesta quinta-feira (18) é mais uma prova que “toda ilegalidade (de Moro) interferiu claramente na democracia brasileira”. “É algo que fere de morte a democracia”.
Para Jandira, a parcialidade do ministro da Justiça “é um problema da democracia” por indicar que um comportamento que pode estar sendo repetido por diversos magistrados em seu ofício, passando por cima das garantias legais e do direito a um julgamento justo pela população no geral. “Você imagina um cidadão comum diante do sistema de justiça dizendo ‘meu deus, o juiz vai manter meu direito de defesa, ou ele vai combinar com a acusação para arrebentar meu direito e eu ser condenado em qualquer situação, bastando combinar com o promotor?’.
A expectativa da deputada é que se abra um Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias contra Moro. De acordo com Jandira, é preciso instrumentos da Polícia e da CPI para apurar as condutas, o que também coloca em xeque a continuidade de Moro como ministro, sendo ele chefe da Polícia Federal que deveria conduzir as investigações. “Não basta levar o Moro para falar (na Câmara) e ele ficar como um mantra dizendo que não reconhece a veracidade, que não é verdade, que (as conversas reveladas) são contra a Lava Jato. Qualquer pergunta que você fizer a ele, ele vai continuar dizendo isso, ele não responde a ninguém, nenhuma pergunta completa”, critica a líder da oposição ao governo.
Veja deve publicar mais ilegalidades cometidos por Moro
A revista Veja finaliza nova reportagem que virá com artilharia pesada contra o ex-juiz da Lava Jato e atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PSL) nesta sexta-feira (19). A reportagem, que está sendo aguardada com expectativa no meio jornalístico, deve aprofundar ainda mais o fosso em que Moro está acuado e inibir ainda mais o discurso dos lavajatistas, de que se tratam de conversas editadas para atingir os investigadores da força-tarefa.