Os movimentos sociais e outros atores políticos devem se organizar para discutir e propor alternativas para a organização da economia mundial após a crise financeira. A avaliação é do economista e professor da PUC-SP Ladislau Dowbor, que realizou uma apresentação durante o 4º Encontro de Redes Sindicais de Bancos Internacionais.
O economista fez um painel sobre a crise financeira e as alternativas que estão sendo construídas para a superação do modelo que a causou. “A crise financeira é um problema, mas temos que lembrar que ela tem por trás um problema muito mais amplo. Temos que juntar a questão da crise com as conseqüências do sistema econômico como um todo, do modo com que organizamos nosso trabalho”, sustenta. “Mas a crise pegou a todos de calças curtas. Todos falávamos mal do sistema, mas não esperávamos que ele fosse cometer um ‘harakiri’ deste tamanho. Precisamos de muito acúmulo, muita discussão sobre o tema”, defende.
Dowbor apresentou gráficos e números assustadores sobre a escalada de consumo, degradação ambiental e pobreza, que deixam clara a ligação entre os três fatos. Por exemplo, o economista apresentou um quadro da distribuição de renda mundial, segundo o qual 82,7% da renda está nas mãos dos 20% mais ricos da população. “Os 80% de baixo estão ficando muito impacientes com essa situação por algum motivo”, ironizou. “Se vocês que estão próximos do sistema financeiro conseguirem juntar a sua impaciência com a deles, poderemos criar um programa de transformação”, sustenta.
Ele lembrou que o eixo crítico da crise é um grupo de intermediários financeiros multinacionais. “Hoje, 66 grupos financeiros manejam 65% dos trilhões movimentados pelo mercado financeiro internacional. Assim, quando se fala que ‘o mercado está nervoso’, quer dizer que algumas pessoas estão nervosas”, afirma. Assim, a regulação dos “mercados” é na verdade a regulação da atividade dessas pessoas. “No entanto, mesmo a proposta do G-20 para o tema só dedica três linhas para essas pessoas”, lamenta.
Dowbor criticou as ações propostas até o momento pelos Bancos Centrais de todo o mundo, de aumentar a liquidez injetando recursos públicos nos bancos. “O problema não é de falta de liquidez, mas de excesso de liquidez podre”, ataca o professor. Ele também critica outra medida que tem sido comum, o uso de dinheiro público para garantir depósitos de até certo valor. Para eles, cria-se um processo circular, onde o correntista tem seus depósitos garantidos com o dinheiro que pagou em forma de impostos. “É um processo que leva à concentração de renda”, defende. Ele lembra ainda que, quando empresas de outros setores começaram a ser socorridas, “até a Nestlé ‘quebrou’ para receber dinheiro público’.
O professor fez um levantamento das propostas que vem sendo discutidas para a regulação do sistema financeiro internacional. Um ponto que ele considera necessário e a criação de algum mecanismo supranacional para regular fluxos de capital. No entanto, após um aviso dos Estados Unidos de que nenhuma proposta desse tipo teria seu respaldo, mesmo o G-20 retirou esse tema de sua proposta. “O sistema financeiro é internacional, mas regulado por bancos centrais nacionais. Isso não funciona. Favorece o país que não regula nada, pois o capital irá para lá”, explica.
Ele acredita ser importante procurar uma outra visão a respeito do tema. “A crise é também uma oportunidade. Hoje há espaço para idéias que seis meses antes seriam rechaçadas”, avalia. Ele recomenda a leitura de economistas como Hazel Henderson, Jefrey Sachs, que defende a vinculação de qualquer proposta aos Objetivos do Milênio da ONU, “definindo a quem deve servir o sistema financeiro”, e Joseph Stiglitz. “Vejam que esses não são economistas de esquerda, é gente de dentro do sistema que disse, já há algum tempo, que ‘como está não dá'”, afirma.
Outra proposta lembrada pelo economista foi a Taxa Tobin, que seria cobrada de todas as movimentações financeiras internacionais, possibilitando acompanhar a origem e o destino desses recursos e criando um fundo que seria usado no combate à pobreza. “É preciso também acabar com os paraísos fiscais”, defende.
No caso específico do Brasil, ele chama atenção para o fato de que o sistema brasileiro é “claramente oligopolizado e cartelizado”. “O Santander Brasil cobra 166% no cheque especial, enquanto o Santander Espanha não cobra nada para até certo valor e num prazo de seis meses”, sustenta.