Valor Econômico
Natalia Viri
Os investidores estrangeiros voltaram a enxergar boas oportunidades de compras no país e aumentaram significativamente, em meio ao mau humor do mercado, sua participação nos negócios de fusões e aquisições.
A fatia dos investidores de fora nas fusões e aquisições fechadas no país atingiu o patamar de 42,6% no quarto trimestre de 2013, o maior na série histórica elaborada pela consultoria KPMG, que teve início em 2004 – e esse aumento ocorreu num período em que o mercado como um todo voltou a ganhar fôlego.
Nos últimos três meses do ano passado, foram fechadas 196 operações -incluindo também as compras feitas por brasileiros – contra 176 no mesmo período de 2012.
O apetite dos investidores de fora por ativos brasileiros deve manter-se neste ano. Advogados e assessores financeiros relatam que têm sido muito demandados na prospecção e análise de negócios por parte de estrangeiros desde o fim do ano passado.
O componente novo é a volta do interesse dos investidores americanos, que, nos últimos anos, tinham pisado no freio por causa das incertezas em relação à economia dos Estados Unidos. Agora, com recursos em caixa e a recuperação da atividade, têm margem para voltar a crescer. Contribuem para o cenário a depreciação recente dos ativos no Brasil e o real mais barato.
De acordo com a consultoria Transactional Track Record (TTR), no mês passado as operações de fusão e aquisição movimentaram R$ 8,34 bilhões, mais que o dobro dos R$ 3,93 bilhões de um ano antes. O valor é superior ainda aos R$ 5,78 bilhões no primeiro mês de 2012. Dos 50 negócios anunciados em janeiro, 16 partiram de compradores estrangeiros. Os Estados Unidos responderam por cinco dessas operações.
O interesse é disperso por diversos setores, com destaque para os de consumo e infraestrutura, especialmente em companhias que fornecem insumos e serviços para as grandes concessões que têm sido feitas no país, afirma Celso Paes de Barros, da Vergent Partners, que presta assessoria para fusões e aquisições. Segundo ele, nos últimos anos, o mercado de fundos brasileiro tomou o lugar dos estrangeiros, que estavam mais cautelosos nas suas estratégias de investimento.
Agora, o movimento tende a se inverter. Os estrangeiros, mais capitalizados e com capacidade de tomar empréstimos a taxas mais baixas, devem conseguir fazer ofertas mais audaciosas, o que trará mais concorrência ao mercado. Um estudo realizado pela KPMG corrobora o cenário. Segundo dados levantados pela consultoria, o endividamento das maiores empresas globais vem caindo ano a ano.
Para 2014, a expectativa é que a relação entre dívida líquida e resultado antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, em inglês) caia 12%. “Isso mostra um aumento na capacidade de realizar novos negócios. Os estrangeiros estão com mais dinheiro e apetite para comprar”, afirma Luiz Motta, sócio líder de fusões e aquisições da KPMG.
Dois grandes negócios envolvendo empresas listadas mostram o apetite dos americanos neste começo de ano. A primeira foi a compra do controle, por R$ 556 milhões, da Cia. Providência, que atua na fabricação de não tecidos, utilizados na fabricação de fraldas e absorventes, pela americana Polymer Group (PGI). A empresa pagará R$ 9,75 por ação da companhia, com um prêmio de 38% em relação à cotação de fechamento do dia anterior ao anúncio da operação.
O fundo Tiger Global também aceitou pagar um ágio elevado para entrar no capital da varejista on-line B2W, dona do site Submarino.com. A ação da varejista foi avaliada a R$ 25 pela companhia, com prêmio de 60% em relação ao preço em bolsa na época do anúncio. A operação é um exemplo de como a forte depreciação dos ativos no mercado brasileiro tem sido encarada como uma boa oportunidade de investimento para quem mira mais o longo prazo.
No contexto ruim para a Bovespa, enquanto o mercado de ofertas iniciais está parado, há um forte movimento na contramão. O volume de ofertas públicas de aquisição saltou neste início de ano. Três operações já foram anunciadas em 2014: da empresa de medicina diagnóstica Dasa, da Coelce, de energia elétrica, e da incorporadora Brookfield. Nesses dois últimos casos, os compradores são estrangeiros: na Coelce, a chilena Enersis, e na Brookfield, a americana Brookfield Asset Management.
Na mesma linha, a Fleury, de laboratórios, já anunciou que negocia a venda de uma fatia do capital. O favorito para levar a companhia é o fundo Gávea, em parceria com o americano Blackstone, mas os fundos estrangeiros KKR e Carlyle também analisam o negócio. Esses dois últimos investidores também são os mais cotados para levar uma fatia de 25% da Abril Educação, de apostilas de ensino e escolas de inglês, que foi colocada à venda. Nesta semana, a europeia Air France-KLM anunciou que vai investir US$ 100 milhões na Gol, em uma operação que lhe dará 1,5% do capital preferencial da aérea.
A perspectiva é que o fôlego do mercado de fusões e aquisições se mantenha ao longo do ano. Gyedre Oliveira, do escritório de advocacia Souza, Cescon, Barrieu & Flesch, afirma que há uma tendência de que as operações sejam mais concentradas no começo do ano, ao contrário do que se verificou no ano passado. “Há um aumento de interesse sensível, mas há impressão de que uma parte dessa corrida no começo do ano é de investidores se antecipando para concluir antes da Copa do Mundo e das eleições. É o mesmo sentimento de 2012, antes da mudança da lei do Cade. Todo mundo está correndo para fechar as operações”, ressalta a executiva.
Para Paes de Barros, da Vergent, a “corrida” neste começo de ano está mais ligada à concorrência. “Os investidores estão se antecipando para aproveitar o momento de ativos depreciados e para evitar a investida de outros interessados”, afirma.