Mulheres ocuparam ruas no centro do Rio, durante Rio+20
Na terra do samba, pela primeira vez na Cúpula dos Povos, o movimento social fez o que deve fazer: foi às ruas. E o lugar de partida não poderia ser mais apropriado.
Pouco depois das 8h de segunda-feira (18), uma grande onda lilás partiu do sambódromo, no Rio de Janeiro, onde acontece a Conferência sobre Mudança Climática da ONU (Rio+20). Mas não eram passistas, não estavam ali para mexer os quadris. Ao contrário, traziam cartazes em que diziam não serem só bunda e peito.
Milhares de mulheres que acampavam na passarela do samba deixaram suas barracas e pertences para seguirem pelas ruas do centro do Rio de Janeiro em defesa de um novo modelo de desenvolvimento. Engana-se, porém, quem pensa que a economia verde da conferência oficial, de chefes de Estado, cuidadosamente afastados das manifestações populares, serve para as militantes.
Para elas, trata-se apenas de uma falsa solução, nada mais do que o capitalismo travestido de outra forma. A saída mesmo está em estabelecer uma outra forma de relação social, que leve em conta valores invisíveis ao atual modelo.
“Discutir um novo modelo de desenvolvimento significa discutir o trabalho doméstico e reconhecer que também é uma forma de economia, que precisa ser valorizado, que não aceitaremos mais a mercantilização das nossas vidas. O que vemos atualmente é um sistema de acumulação de lucros a serviço dos grandes capitais e isso não nos interessa”, apontou a secretária de Mulheres da CUT, Rosane Silva.
Pelo fim dos estereótipos na comunicação
Em meio à marcha, estimada pela organização em 10 mil pessoas, mulheres de várias idades, etnias e países. Jovens e brancas, como Iasmin Check, 22, mineira de Montes Claros e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens. Ou negras e idosas, como Marial Amaral, auxiliar de enfermagem e milita da luta antimanicomial. Ambas alojadas no Sambódromo.
Enquanto Iasmin, que ainda não conhecia o Rio de Janeiro, participava porque acha fundamental ocupar todos os espaços possíveis para “lutar contra o machismo e o patriarcado”, Maria queria ver o fim da violência. Em todos os aspectos. “A mulher é a principal afetada pela falta de políticas para a educação, para a moradia, para o transporte, que acabem com diferenças salariais em relação ao homem. A principal vítima da exclusão que parte do poder público e isso é uma forma de violência”, definiu.
Na terra do maior monopólio de comunicação do país, a rede Globo, a secretária de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, destacou que a pauta do acesso e transformação da forma como os meios de comunicação tratam a mulher fazem parte das discussões empreendidas pela Central na Rio+20 e na Cúpula dos Povos.
“Tanto na assembleia sindical da qual participamos ao lado de países de todo o mundo, no início da semana, quanto na Plenária de Bens Comuns aqui na Cúpula dos Povos, defendemos que a comunicação é um bem comum como a água e as florestas, não só do ponto de vista do acesso, como também do conteúdo. Precisamos de mudanças, como a implementação de um marco regulatório para a programação não permaneça reproduzindo a violência contra nós, a mercantilização do nosso corpo, o racismo e o sexismo”, disse Rosane.
Mudar o paradigma
A primeira parte da caminhada terminou no Museu de Arte Moderna Moderna do Rio de Janeiro. Lá, grupos vindo de outros lugares da cidade se juntaram e, unidas, as manifestantes seguiram rumo ao Largo do Carioca. Ou melhor, nesse dia, claro, Largo DA Carioca.
Na rua da Assembleia, entre prédios comerciais, o cântico de “mulheres feministas e revolucionárias” ressoava por todos os lados e era de arrepiar. Algumas resolveram ficar apenas de sutiã. Outras foram ainda mais ousadas e passaram a marchar com o peito aberto, sem nada a esconder, acompanhadas de homens que já tem esse direito garantido sem que tal ação represente atentado ao pudor.
Sob o caminhão, a secretária do Meio Ambiente da CUT, Carmen Foro, saudava as manifestantes. “Viva a liberdade para as mulheres, viva a autonomia. Não à economia verde, vamos construir uma outra história”, desafiava.
Para a coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres, é exatamente esse o desafio. “Essa marcha buscar dar uma resposta de sensibilização à atual política e ao atual modelo. Não bastam medidas paliativas. Observamos, por exemplo, que a prostituição virou parte estruturante dos mega projetos e mega eventos. Precisamos de um aborto seguro e legalizado, precisamos de políticas para ampliar a oferta de creches e, consequentemente, a autonomia das mulheres, precisamos de políticas para que os homens compartilhem as atividades domésticas.”
A mudança real, defende Nalu, deve ser a mudança de paradigma, a começar pelo fim da cultura misógina, que não valoriza as mulheres e as trata como objetivos. “As empresas só continuam fazendo propagandas sexistas porque os homens gostam. E, assim como o tema do meio ambiente passou a ser visível, o tema das mulheres também. Conta desde o início no texto da Rio+20 que as mulheres devem ser incorporada. Mas, como? O que observamos, na maioria das vezes, é refuncionalização do papel de mãe e não uma ideia de autonomia e empoderamento das mulheres de fato. A visão dos governos não passam ainda pela mudança do modelo.”