Manoel de Serra (Contag) analisa questÆo agr ria

(São Paulo) Leia abaixo a entrevista que o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Manoel Santos (conhecido como Manoel de Serra) concedeu ao Espelho Nacional deste mês:

 

“Sabemos o que vem se o outro lado voltar”

 

Para Manoel Santos, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Contag, divergências com o governo na política agrária não provocam racha, porque houve avanços importantes

 

Bandeira histórica do PT, a reforma agrária é um dos pontos mais controversos do governo Lula. Seja pela relação próxima, mas crítica, dos movimentos sociais ligados à questão, seja pela reação dos ruralistas, as políticas e números alcançados foram tema da grande imprensa durante todo o mandato.

 

A Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), filiada à CUT, compõe, com o MST, o bloco de representação dos pequenos agricultores tanto na luta pelo acesso à terra quanto por crédito, infra-estrutura e assistência técnica. Nesta entrevista, Manoel José Santos, presidente da entidade, fala sobre os avanços na política para o campo e critica o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) por não ter incorporado a meta de 115 mil famílias assentadas por ano.

 

Revela ainda que, apesar das dissidências com relação ao número de assentados do governo, a Contag continuará a apoiar Lula: “Já sabemos o que vem se o outro lado voltar”, sustenta.

 

Espelho – Quais foram os principais avanços e retrocessos na questão agrária durante o governo Lula?

Manoel – Houve avanços na reforma agrária pensada de um ponto de vista amplo, porque só dar atenção para uma política de assentamentos é insuficiente. Uma política adequada envolve o acesso à terra, o planejamento, a produção, a transformação da matéria-prima, o transporte, a comercialização etc. Isso quer dizer que são necessárias ações para permitir o acesso e outras voltadas para os já assentados e agricultores que detêm pequenas propriedades por outros meios. Foi para esse segundo grupo, de quem já está na terra, que o governo deu ênfase com uma assistência técnica melhor. Os recursos para agricultura familiar foram mais bem alocados do que em gestões anteriores. Nesse aspecto, não tem comparação. Em 2002, negociamos R$ 4,3 bilhões para assistência técnica à agricultura familiar dos quais apenas R$ 2 bilhões foram efetivamente aplicados. O valor executado foi dobrado já em 2003, chegando a R$ 4,5 bilhões e deve ser de R$ 8 bilhões dos R$ 9,5 bilhões negociados para 2006.

 

Espelho – Por que existe essa diferença grande entre o que é negociado e o que é aplicado?

Manoel – O recurso negociado para investimento em custeio é aplicado inteiro. Para assistência técnica também se aproxima muito. Mas, no crédito, há mais problemas, apesar de reconhecermos avanços. As causas são variadas. Em muitos casos, os bancos não aprovam o crédito, mesmo que a diretriz seja para efetuar empréstimos para a agricultura. Muitos gerentes ainda preferem segurar, por acreditarem que não é um bom investimento, que o banco não vai ter retorno. Há também outros fatores, como projetos sem qualidade, que realmente não poderiam ser aprovados pelas instituições, e agricultores inadimplentes em dívidas pendentes de colheitas passadas.

 

Espelho – Por que os agricultores que não conseguem pagar os empréstimos que recebem? Se o banco aprovou a operação é porque havia possibilidade de a colheita resultar em lucro suficiente para devolver o dinheiro…

Manoel – Aí entra a necessidade de uma política de valorização dos preços, principalmente dos itens da cesta básica, produzidos pelos pequenos agricultores. Os preços estão muito baixos e com tendência de queda. Pedimos R$ 11 bilhões e devemos obter R$ 10 bilhões para garantir os preços na queda do mercado. Nesse aspecto, o governo trata a grandes e pequenos agricultores da mesma forma, mas se são praticadas taxas de juro diferentes para cada tipo de produtor, a política de preço também teria que ser separada. Os grandes proprietários têm sempre mais margem de ação do que a agricultura familiar.

 

Espelho – Quais são os problemas em relação à assistência técnica?

Manoel – De 2003 a 2005, não podemos reclamar da assistência para as 450 mil famílias assentadas. Apesar de representarem 10% do total da agricultura familiar, receberam R$ 4,5 bilhões. Mas faltou para os não-assentados, ainda que tenham sido praticados os maiores valores já investidos por ano na história do Pronaf. O problema é de alcance mesmo.

 

Espelho – Como o senhor avalia a atuação do Banco do Brasil na concessão do crédito? Há diferença em relação a outros bancos públicos?

Manoel – Houve avanços inegáveis, como disse. Antes, os bancos não participavam das negociações. Nós pedíamos para o governo, que repassava para os bancos certo valor. Esse montante acabava sendo incorporado a outros recursos dos bancos, até usado para outras operações. Quer dizer, era liberado, mas o banco retinha. Logo em 2003, ao lançar o plano safra, o presidente Lula falou, na presença dos diretores dos bancos públicos, que queria que todos trabalhassem para que o dinheiro chegasse ao pequeno agricultor, que a burocracia fosse reduzida. Antes, para um crédito de R$ 2 mil, se exigia os mesmos procedimentos de um de R$ 30 mil. Nesta gestão, fizemos muitas reuniões com as diretorias dos bancos e gerentes do Pronaf. Com o BNB (Banco do Nordeste) e o Basa (Banco da Amazônia), as operações funcionam bem. No BB, avançamos muito na maioria das gerências, mas não em todas.

 

Espelho – O governo e os movimentos de agricultores discordam quanto à forma de contagem do número de assentados por ano no programa de reforma agrária. Isso prejudica as negociações de outras questões?

Manoel – A meta do governo de 115 mil famílias assentadas por ano não foi cumprida porque o Incra em momento nenhum incorporou esse objetivo. Segundo alguns funcionários, isso ocorre porque suas condições de trabalho são inferiores em relação a outros ministérios, há um problema de remuneração. Mas o fato é que foram contadas famílias que voltaram a suas terras ou que foram instaladas em propriedades onde já havia ocorrido reforma agrária, abandonadas pelos assentados. Nós discordamos desse tipo de cálculo. Essa dissidência provoca tensões com o governo, mas não prejudica outras negociações. Na verdade, mantemos até o apoio à candidatura do presidente Lula à reeleição, porque já sabemos o que vem se o outro lado voltar. O apoio continua programático, construído em cima de propostas. Isso inclui continuar as lutas e negociações.

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