O presidente Luiz Inácio Lula da Silva agradeceu nesta segunda-feira (10) os dois prêmios de organizações da ONU que recebeu por seu combate à fome e a pobreza com um forte discurso contra os países ricos, a especulação e a “miopia capitalista”.
Na abertura do Fórum de Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar e Combate à Fome, Lula recebeu a Medalha do Dia da Alimentação da Organização das Nações Unidas para a Agricultura (FAO) e foi proclamado “Campeão Global do Combate à Fome e da Pobreza” pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA).
– Se os dirigentes do mundo não estão comprometidos com as pessoas que estão em pior situação, é muito mais difícil tomar decisões em benefício dos mais pobres – disse Lula.
O presidente lembrou que em 2008 o mundo foi “pego de surpresa” por um forte aumento do preço dos alimentos, pelo que “primeiro culparam os chineses, que comiam muito”, e depois o petróleo, mas depois “se soube que tudo era culpa de uns vivos” dos países ricos que “ganhavam dinheiro com papéis” e “especulavam com comida”.
Ele citou que pouco depois que a crise imobiliária nos Estados Unidos explodiu e se descobriu que nos sérios desajustes financeiros que a geraram estava a origem de boa parte dessa especulação, que acabou afetando “os mais pobres do mundo”.
Segundo disse Lula perante dezenas de autoridades de países africanos congregadas em Brasília, quando a crise global explodiu o mundo estava “pronto” para concluir a Rodada de Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC), mas com as turbulências foi tudo barranco abaixo e “os pobres perderam outra vez”.
Ele lamentou que, dois anos depois, a Rodada de Doha não tenha sido retomada, porque “era a possibilidade de abrir um pouco os mercados” para que os países africanos e latino-americanos “pudessem exportar mais para as nações mais ricas”.
Com um quê de ironia, Lula afirmou que a teoria de livre mercado era extraordinária quando os países pobres eram apenas compradores.
– Quando quisemos ser vendedores o mercado não foi tão livre como nos diziam – o que qualificou como “uma barbaridade da visão míope capitalista”.
Lula sustentou que “as escolas de economia” deveriam ensinar “os homens de visão capitalista” que “quanto mais africanos e latino-americanos comerem, quanto mais ganhem algum dinheiro, mais consumirão os produtos de alto valor agregado que eles produzem”.
Lembrou que em muitas ocasiões pediu a líderes dos países mais desenvolvidos que apostassem no desenvolvimento da África e da América Latina, que são as regiões “com mais terras” cultiváveis e podem garantir a segurança alimentar do planeta.
– Os países mais ricos já usaram todas suas terras, assim como sua água, um recurso que será escasso no Século XXI e que abunda na África e na América Latina – declarou.
No caso africano, afirmou que “há uma imensidade de rios que levam ao mar uma água que não é aproveitada” e considerou que “os países ricos poderiam financiar” programas para utilizar esse recurso na agricultura, de modo a “socializar a água”.
Lula, que entrega o governo no dia 1 de janeiro ao seu sucessor que será eleito em outubro, disse em várias ocasiões que uma vez que deixar o poder pretende trabalhar “de alguma maneira” em favor do desenvolvimento da África e da América Latina.
Embora não tenha feito alusão direta a isso hoje, ele se comprometeu a manter a aposta do Brasil na África e seus vizinhos da América Latina, e expressou seu desejo de que os atuais e futuros presidentes dos países das duas regiões “não deixem de olhar o eixo sul-sul” como uma alternativa ao poderio econômico dos Estados Unidos e da Europa.