(Rio de Janeiro) Matéria com chamada de capa no Jornal do Brasil de segunda-feira, 05, destacava o baixíssimo índice de criminalidade de uma das cidades mais pobres do estado do Rio de Janeiro. Num tom irônico e desdenhoso, tanto a chamada quanto primeiro parágrafo do texto diziam que a ocorrência mais comum na delegacia de Laje do Muriaé é “briga de marido e mulher”.
O UNIDADE entrou em contato com o delegado local, Rivelino da Silva Bueno, para entender esta situação. “Temos, em média, 15 ocorrências policiais por mês. Destas, cerca de 50% são de lesões corporais por brigas entre casais”, informa o delegado. Para o policial, no entanto, esta proporção não é novidade. “Se for feito um levantamento em todo o estado, este número deve ser o mesmo para a maioria dos municípios”, calcula Bueno, que já atuou em delegacias nas cidades de Itaperuna, Campos e Santo Antônio de Pádua, no norte-noroeste fluminense.
Questão cultural
As desavenças entre casais são tratadas como assunto de foro íntimo. “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”, dita a sabedoria popular. As pessoas só interferem, mesmo assim, raramente, quando a situação toma grandes proporções, com ameaça à vida da vítima.
A tolerância é um dos maiores obstáculos à eliminação da violência contra a mulher. A frase “Toda mulher gosta de apanhar”, de Nelson Rodrigues, e a velha expressão “o homem pode não saber por que está batendo, mas a mulher sabe porque está apanhando” provam que nossa sociedade entende que a violência contra a mulher é coisa normal.
Tanto é que, até o ano passado, a violência doméstica era enquadrada como “crime de menor potencial ofensivo” no Código Penal e a punição, além de leve, podia ser transformada em multa, pagamento de cestas básicas ou prestação de serviços comunitários.
Novas esperanças
Mas a lei, agora, está do lado das mulheres. Foi sancionada em agosto e entrou em vigor em setembro de 2006 a Lei nº 11.340 / 2006, conhecida como Lei Maria da Penha. A lei trata exclusivamente da violência contra a mulher, especificando suas formas, determinando punições como a prisão preventiva e a prisão em flagrante e criando as chamadas “medidas protetivas”, que impedem os agressores de continuarem intimidando e espancando as vítimas.
Uma das inovações da lei é a classificação da violência doméstica como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Esta inclusão de formas não físicas de agressão vem proteger as mulheres que eram vítimas de homens dominadores que, além de bater e estuprar, humilhavam, ameaçavam, caluniavam e até roubavam suas companheiras, sobre quem pensam que têm poderes ilimitados. O texto determina que somente diante do juiz a vítima poderá retirar a denúncia e estabelece que a mulher deverá ser informada de todos os atos processuais, sendo avisada quando o agressor for preso e sair da cadeia. Até mesmo o patrimônio das agredidas é protegido, já que a denúncia torna inválida qualquer procuração concedida para o agressor, impede a venda de bens comuns do casal e determina a devolução dos bens tirados da companheira.
Começo tímido
Em Laje do Muriaé, a Lei Maria da Penha já está sendo aplicada, ainda que timidamente. Já houve prisões em flagrante e afastamento do lar em alguns casos de denúncias de agressão. Se, em um lugar distante e pobre, a conscientização das mulheres e dos próprios policiais já está provocando mudanças, as perspectivas para o futuro são animadoras.
Cabe aos movimentos sociais divulgar a Lei Maria da Penha e lutar para que todo cidadão, independente do sexo, saiba que não há nada de normal em agredir uma mulher. E que cada um se conscientize do seu papel e passe, sim, a “meter a colher” nas brigas de casal para impedir que a violência doméstica continue a ser praticada. Porque o que era visto como simples covardia, passou a ser crime.
Fonte: Feeb RJ/ES