Murillo Camarotto
Valor Econômico
Onze agências bancárias foram interditadas recentemente no Recife e bancos foram multados em R$ 50 milhões em consequência de uma polêmica sobre segurança envolvendo a Federação Brasileira de Bancos e o governo de Pernambuco.
As interdições começaram em junho. Diante do maior número de assaltos a bancos, a Câmara Municipal aprovou leis em 2011 pelas quais as agências devem ser equipadas com um enorme aparato de segurança – como a blindagem das fachadas e das portas giratórias.
Banco reforçará segurança em Pernambuco
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) vai anunciar em breve a extensão, para Pernambuco, de programas de segurança já implantados em São Paulo. As medidas vêm na esteira do crescimento do número de assaltos e de um litígio prolongado entre a entidade e o Ministério Público do Estado de Pernambuco (MPPE), que já resultou na interdição de 11 agências e em multas que ultrapassam os R$ 50 milhões.
Quase um mês após ser fechada, a agência do Itaú na Avenida 17 de Agosto, na zona norte do Recife, ainda recebe muitos clientes desavisados. Eles rodeiam por alguns segundos e bisbilhotam o interior do prédio com a testa colada no vidro, como se ignorassem o grande aviso vermelho na porta: “Interditado”. Ao lado, um comunicado indica as agências mais próximas.
As interdições começaram em junho, após tentativas mal sucedidas de acordo entre o Ministério Público e a Febraban. Diante do avanço no número de investidas contra as agências – e da pressão de sindicatos de bancários e vigilantes -, a Câmara Municipal aprovou em 2010 três leis pelas quais as cerca de 200 agências da capital pernambucana devem ser equipadas com um aparato de segurança bem superior ao que é praticado no resto do país.
A nova legislação adiciona nove itens aos três já exigidos pela Lei Federal 7.102/83. Entre os principais aditivos está a blindagem das fachadas, das portas giratórias e de todos os acessos ao público. As leis também exigem o bloqueio do sinal de telefone celular no interior das agências e a construção de biombos que “isolem” os clientes que estão nos caixas.
“Isso impede que o bandido veja quem está sacando uma quantia grande e indique essa pessoa para o comparsa do lado de fora”, explica o secretário estadual de Defesa Social, Wilson Damázio, ao justificar a necessidade dos aparatos de combate à famosa “saidinha de banco”. Números do Departamento de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Depatri) apontam alta de 137% nos assaltos a banco em Pernambuco no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2011.
Apesar de a nova legislação vigorar desde janeiro do ano passado, os bancos não executaram todas as adaptações. O MPPE expediu, então, uma recomendação oficial para que tudo fosse cumprido à risca. Diante da negativa dos bancos, que questionam a viabilidade técnica de alguns itens, foi impetrada em setembro de 2011 uma ação civil pública no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).
O pedido foi acolhido pela juíza Clara Maria de Lima Callado, da 29ª Vara Cível do Recife, que estipulou prazo de 60 dias para o atendimento das normas e multa diária de R$ 2 mil para cada agência em situação irregular. De acordo com o promotor responsável pelo caso, Ricardo Coelho, as multas estão se avolumando e já passam dos R$ 50 milhões.
A Febraban reagiu com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), que foi rejeitada. De acordo com o MPPE, o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que expediu uma súmula garantindo aos municípios o direito de legislar sobre segurança. “A Febraban não tem mais alternativa jurídica. Vai ter que cumprir a lei e pronto”, afirma o promotor.
O impasse perdurou e o MPPE começou a determinar a interdição das agências que fossem assaltadas. O órgão também está processando os executivos dos bancos por eventuais homicídios ocorridos durante os assaltos. “Vai ser responsabilizado o diretor que deu a ordem de não instalar os equipamentos previstos na legislação”, explicou Ricardo Coelho. Até agora, foram fechadas agências do Bradesco, do Itaú e do Santander.
Com o agravamento da polêmica, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), convidou o presidente da Febraban, Murilo Portugal, para acompanhar in loco uma reunião do “Pacto Pela Vida”, programa estadual de combate aos indicadores de violência. Ao final do encontro, Portugal foi fortemente confrontado pelos representantes das polícias Civil e Militar, que pediram maior participação dos bancos na prevenção dos crimes.
“Os bancos têm lucros estratosféricos e, na hora de investir em segurança, dizem que não dá”, critica o secretário de Defesa Social. “Eles falam em investimentos bilionários em segurança, mas a maior parte vai para tecnologia da informação, e não para a proteção física das agências”, completa Damázio.
Por e-mail, o presidente da Febraban informou que os crescentes investimentos dos bancos, aliados a medidas preventivas, derrubaram “consistentemente” o número de ocorrências. “Os assaltos diminuíram 78%, de 1.903, no ano 2000, para 422, em 2011”, argumenta Portugal. “Cofre com dispositivo de tempo, redução do numerário nas agências e o estímulo a transações eletrônicas são algumas dessas medidas”, completa.
De acordo com o executivo, os bancos investiram R$ 8,3 bilhões em segurança no ano passado, quase o triplo do que foi desembolsado em 2002. O presidente da Febraban alerta que o principal entrave para o cumprimento integral da legislação no Recife não é financeiro, mas técnico. A blindagem das agências, por exemplo, não seria recomendável na avaliação de especialistas consultados pela entidade.
“Não há muitos casos em que bandidos atiram do lado de fora das agências para entrar, o único caso em que a blindagem supostamente ajudaria. Quando o bandido já está dentro, a blindagem pode proteger os bandidos da polícia. Se houver tiroteio, as balas podem ricochetear e atingir os clientes. Em casos de outros eventos que não assalto, como incêndio e desabamento, a blindagem dificulta a ação dos bombeiros”, enumera Portugal.
Após o encontro no Recife, MPPE e Febraban continuam a negociar o fim da celeuma. A entidade vai anunciar em breve a versão pernambucana de programas como “Saque Seguro” e “Conheça seu Comandante”, que já foram implantados em São Paulo e visam a prevenção de crimes como sequestros-relâmpago e saidinhas de banco.
De acordo com o promotor, a Febraban propôs na semana passada o cumprimento de todas as exigências, com exceção da blindagem. O MPPE enviou, então, uma contraproposta, em que reforça a necessidade da blindagem, mas se compromete a retirar as multas em caso de atendimento das normas.
“Não posso cumprir a lei pela metade. Mas o objetivo do Ministério Público não é a multa, e sim a segurança”, diz o promotor. “Tenho a impressão de que, se o acordo for assinado, cairá para zero, ou perto disso, o número de assaltos a banco no Recife. O bandido terá que mudar de ramo”, continua Coelho. “Hoje em dia está fácil. Recentemente, um cadeirante assaltou uma agência no Recife.”