Lehman Brothers manipulou balanço e iludiu acionistas

Bloomberg
David Scheer e Josué Gallu

O Lehman Brothers Holdings utilizou transações não registradas em seu balanço patrimonial para subestimar sua alavancagem no fim de 2007 e em 2008, iludindo acionistas sobre sua capacidade de suportar prejuízos, diz o relatório de um analista de falências.

O então diretor executivo, Richard Fuld, foi “no mínimo, extremamente negligente” por permitir que o Lehman apresentasse a autoridades fiscalizadoras relatórios financeiros em que um crucial critério de saúde financeira foi “cozinhado” mediante engenharia reversa por meio de operações conhecidas como “Repo 105”, disse ontem em relatório o analista de falências Anton Valukas. A Ernst & Young LLP, auditora do Lehman, poderia ser acusada de “negligência profissional”, disse ele.

“A manipulação do balanço foi intencional, buscando criar uma aparência enganadora, e produziu um impacto substancial na razão de alavancagem líquida do Lehman”, fazendo com que relatórios financeiros resultassem enganosos, escreveu Valukas sobre a firma nova-iorquina. Maior alavancagem compromete a capacidade de uma empresa de absorver choques financeiros.

O Lehman deu entrada com o maior pedido de falência na história dos EUA em setembro de 2008, depois que crescentes prejuízos com títulos garantidos por hipotecas assustaram os investidores e credores. O colapso do banco de investimentos de Wall Street ajudou a desencadear um congelamento dos mercados de crédito em todo o mundo, forçando o governo americano a prover US$ 700 bilhões em socorro financeiro.

Fuld não sabia o que eram as transações de Repo 105, disse sua advogada, Patricia Hynes, da Allen & Overy LP, em Nova York, em comunicado após a divulgação do relatório de Valukas. O CEO “não os estruturou nem negociou”, disse Hynes. “Nem estava ciente do tratamento contábil.”

As transações cresciam pouco antes do fim dos períodos de balanço financeiro, transferindo temporariamente entre US$ 49 bilhões e US$ 50 bilhões de ativos para fora do balanço patrimonial no primeiro e segundo trimestres de 2008, segundo o relatório. Os executivos do Lehman expressaram preocupação com o fato de que a firma fosse a única a utilizar tais métodos, Valukas disse.

Martin Kelly, controller financeiro mundial à época, disse aos ex-diretores financeiros Erin Callan e Ian Lowitt que o Lehman enfrentaria um “risco para sua reputação” se os investidores soubessem que a firma estava usando o Repo 105 apenas para enxugar seu balanço patrimonial, segundo o relatório. Lowitt disse a Valukas que nunca se preocupou com o uso dessas transações porque acreditava que a Ernst & Young as aprovariam, diz o relatório.

A Ernst & Young pode ter sido negligente ou ter se engajado em práticas irregulares, disse Valukas no relatório. A empresa investigou inadequadamente as afirmações do então vice-presidente sênior Matthew Lee, de que a contabilidade do Lehman poderia estar descumprindo seu próprio código de ética, diz o relatório.

Lee escreveu uma carta aos diretores sênior do Lehman em maio 2008, e semanas mais tarde discutiu os negócios envolvendo a Repo 105 com um funcionário da Ernst & Young encarregado de analisar as preocupações. Esse funcionário reuniu-se com a comissão de auditoria do Lehman um dia mais tarde, e não repassou as informações sobre as Repo 105, disse Valukas.

A última vez em que a Ernst & Young auditou o Lehman foi no ano fiscal findo em 30 de novembro de 2007, disse sexta-feira a empresa de contabilidade. “Os demonstrativos financeiros do Lehman nesse ano foram apresentados de forma imparcial, em conformidade com os princípios contábeis geralmente aceitos”, disse a Ernst & Young em um comunicado. As razões de alavancagem reportadas na discussão e análise pelos gestores do Lehman “eram de responsabilidade dos gestores, não da auditora”, disse a empresa.

Valukas, nomeado por um tribunal federal em Manhattan no ano passado para investigar o colapso do Lehman, não tem autoridade de promotor. Seu relatório descreve quais indenizações os credores podem pleitear. Robert Cleary, um advogado de Callan, disse que não tinha visto o relatório e não quis comentar. Lewis Liman, um advogado de Lowitt, disse em e-mail que seu cliente nada fez de errado.

Em seu último ano, o Lehman sobrevalorizou seus ativos imobiliários, entre eles uma participação na construtora de edifícios residenciais Archstone-Smith Trust, disse Valukas. O Lehman e a Tishman Speyer Properties LP concluíram uma aquisição conjunta da Archstone por US$ 22 bilhões, incluindo dívidas, em outubro de 2007.

O Lehman apresentou avaliações “irrazoáveis” de sua participação na Archstone nos três primeiros trimestres de 2008, supervalorizando a participação em até US$ 450 milhões no segundo trimestre, escreveu o analista.

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