Livro foi lançado com debate no auditório do Sindicato de Brasília
O bancário não se dá conta de que está sendo seduzido pelos bancos a trabalhar mais e assim enfraquecer o movimento sindical. É o que concluiu o debate sobre o lançamento do livro ‘Ser bancário: viver o esplendor social ou o trabalho precário?’, realizado na noite da quinta-feira (18), na sede do Sindicato dos Bancários de Brasília.
Mediada pelo bancário do Banco do Brasil José Doralvino Nunes de Sena, a atividade contou com a participação das coautoras Livia de Oliveira Borges e Ana Magnólia Bezerra Mendes. Atenta e participativa, a plateia fez perguntas e destacou as dificuldades da profissão.
Professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Livia de Oliveira destacou que atualmente o envolvimento dos bancários e bancárias no movimento sindical é muito baixo. “Diferentemente da década de 1980, quando os trabalhadores lotavam as assembleias, hoje as reuniões são esvaziadas e a mobilização é diminuta”, frisou, ao lembrar também da drástica redução no número de bancários em atividade no país.
Ex-bancária e participante do Laboratório de Estudos sobre o Trabalho, Saúde e Sociabilidade da UFMG, Livia atribuiu parte desse enfraquecimento do movimento sindical às metas inatingíveis impostas pelas instituições financeiras. “O bancário não se dá conta de que está sendo seduzido pelos bancos a trabalhar mais e enfraquecer o movimento sindical. Eles criaram metas individuais para minar o coletivo e dificultar a mobilização”, observou a docente. “O bancário virou um comerciante de produtos”, acrescentou.
Jogo de sedução
Professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e do Trabalho e das Organizações do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Ana Magnólia compartilha da mesma opinião de Livia. “Sem perceber, os bancários vão entrando num jogo de sedução, onde as metas são humanamente impossíveis de serem batidas. Por isso, há um clima de deterioração das relações de trabalho nos bancos”, explicou.
Para Ana Magnólia, que também é coordenadora do Laboratório de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho, há uma crise do coletivo na categoria bancária. “O trabalhador está mais preocupado em bater suas metas do que em participar da luta coletiva. Sem falar nas ameaças dos gestores e no medo de perder a comissão”, apontou.
Canibalismo
A concorrência no sistema financeiro é tão perversa que as agências de um mesmo banco estão disputando os mesmos clientes, revelou Livia, que também é psicóloga e mestre em Administração de Recursos Humanos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “É o canibalismo do capital. A prática não tem uma lógica em si mesmo. É uma lógica distorcida”, disse. “Se exige muito do bancário e se oferece poucas condições”, completou.
Na avaliação de Ana Magnólia, a desmobilização da categoria bancária é um problema econômico. “Existem bancários disputando clientes de uma mesma agência”, reforçou.
Na visão de Livia, essa dificuldade de mobilização dos bancários é angustiante para o movimento sindical. “Se o trabalhador sabe que se bater as metas seu salário vai aumentar, por que ele vai lutar em prol do coletivo?”, salientou, ao lembrar que a questão não explica tudo. “É óbvio também que existe uma despolitização”.
Reabilitação
Além das dificuldades de mobilização, das metas inatingíveis e da renda variável da categoria, o debate também tratou da reabilitação dos trabalhadores afastados em virtude das doenças relacionadas ao trabalho, resultado da precarização do trabalho.
Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desde 1996, Ana Magnólia contou que bancários relataram que se sentem como verdadeiras máquinas. “Isso precisa ser analisado com cautela”, alertou a professora.
“Se na década de 1990 a categoria foi fortemente atingida pelas Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/Dort), hoje o problema foi potencializado com os transtornos psíquicos, que têm relação direta com a organização do trabalho”.
Por essa e outras questões, segundo Ana Magnólia, é que o processo de reabilitação dos bancários vítimas de doenças relacionadas ao trabalho é complexo: “envolve o tratamento em si, a luta contra o preconceito, a prevenção e o papel do Sindicato”.
“Mesmo não sendo seu papel, o Sindicato desenvolve uma série de ações para ajudar o bancário a se reabilitar”, destacou Ana Magnólia, afirmando que a entidade oferece atendimento psicológico, advogados e outros serviços essenciais aos trabalhadores que se encontram nessa situação.
De uma forma geral, na visão de Ana Magnólia, a prevenção é fundamental para evitar o adoecimento. “A preocupação com a reabilitação é mais que legítima”, completou Livia, afirmando que a divulgação do livro ‘Ser bancário: viver o esplendor social ou o trabalho precário?’ também é uma forma de prevenção.
Ao final das apresentações, bancários, estudantes e dirigentes sindicais fizeram perguntas e tiraram dúvidas sobre o conteúdo da publicação. Na sequência, Livia e Ana Magnólia autografaram exemplares do livro no foyer do Teatro dos Bancários.
Por que você deve ler o livro?
Publicado pela editora CRV, o livro trata da inserção do setor bancário no sistema capitalista, das vivências psíquicas dos bancários em um setor em transformação, dessas vivências no contexto dos bancos federais e das experiências de ex-bancários dos antigos bancos estaduais.
A publicação faz uma análise detalhada das transformações do setor bancário desde a última década do século passado, quando foram mais frequentes as fusões de bancos, o encerramento das atividades e as privatizações de outros, bem como a introdução de novos modos de organização do atendimento bancário, dos tipos dos serviços prestados, dos estilos de gestão e dos processos e tecnologias de trabalho.
De acordo com a obra, todas as mudanças econômicas e gerenciais desdobram-se em outras relativas nas relações de trabalho. “Para quem continua bancário, o medo da perda do emprego, a submissão no trabalho e a competitividade entre colegas acentuaram-se”, diz o livro.
O livro também revela que os bancos passaram a exigir mais do desempenho e do envolvimento no trabalho. “Com tantas perdas, significativa parte dos bancários já não nutre os mesmos laços identitários de longo prazo com os bancos”, observa a publicação.
Com 314 páginas, a obra foi organizada por Livia de Oliveira Borges, Gabriel Eduardo Vitullo e Júlio Ramon Teles da Ponte.